Na insossa entrevista que concedeu ao Diário do Grande ABC, publicada na edição de ontem, Gilberto Carvalho, executivo público que cuidava da agenda e da alma de Celso Daniel nos tempos de Paço Municipal de Santo André, discorreu sobre o governo de seu novo chefe, o presidente eleito Lula da Silva. Quando Gilberto Carvalho se põe a falar, é preciso provocá-lo, no bom sentido do termo. Sim, porque caso contrário, sua compulsão a amenizar sempre prevalecerá.
Não que Gilberto Carvalho seja mal ingrediente jornalístico. Pelo contrário: está geralmente nas entrelinhas o conteúdo mais emblemático de suas incursões. Mas não há entrelinhas sem provocações que o façam tourear e amenizar as palavras com a arte dos esgrimistas políticos que se destacam pela discrição.
Afável, inteligente, estratégico, Gilberto Carvalho era espécie de conselheiro espiritual de Celso Daniel. A morte do maior prefeito da história do Grande ABC o abalou muito, a ponto de, contados os votos eletrônicos que deram a Lula da Silva um título perseguido há quatro campeonatos populares, correu para o Cemitério da Vila Assunção, em Santo André, para homenagear o amigo assassinado nove meses antes.
Em suma, a relação de Gilberto Carvalho com o Grande ABC e particularmente com Santo André é fator de privilégio na agenda de Lula da Silva em favor da região, como ele deixou evidenciado no trecho mais saboroso e pouco explorado da entrevista ao Diário do Grande ABC. Um trecho que, mesmo tangencial, poderia ter tido melhor aproveitamento editorial -- em vez do título "Lula tem carinho pelo Grande ABC". Não resisto a esse tipo de reparação editorial porque todos os jornalistas razoavelmente apetrechados fazem isso. A diferença é que não contam com fórum de idéias nem se arriscam a alinhavar pensamentos no Capital Social.
Mas, voltando a Gilberto Carvalho, está na cara que pela primeira vez na história, como afirmamos na Reportagem de Capa de LivreMercado de novembro, jamais estivemos tão intimamente próximos de um presidente da República. Lulacá, urgente!, como expressou aquele trabalho jornalístico, é muito mais que uma sacada nas rebarbas do mais conhecido Lulalá, mote eleitoral dos petistas.
E, diferentemente do que imaginou o sociólogo José de Souza Martins, observador da superfície da região nestes tempos profundamente modernos e complicados, Lulacá, urgente! é compromisso da sociedade regional em trazer os benefícios possíveis do governo Lula da Silva para o Grande ABC, com a competência dos bons lobbystas, e não a transposição automática do governo Lula da Silva para o Grande ABC pelo simples fato de o presidente eleito ter origem sindical e política na região. Trata-se, como está óbvio, de juntar a fome com a vontade de comer, isto é, aproveitar que Lula da Silva respirou durante muitos anos nossos ares poluídos e aqui construiu carreira e muitas amizades para trazer importantes nacos de produtos de seu governo.
Gilberto Carvalho deixou claro na entrevista ao Diário que as reivindicações do Grande ABC chegarão mais diretamente ao presidente eleito. Por modéstia, evitou afirmar que será ele mesmo, Gilberto Carvalho, o executivo que terá sobre Lula da Silva a maior influência regional, espécie de ponte de amizade à compreensão das nossas vicissitudes.
Entretanto, Gilberto Carvalho não poderá preparar a omelete de resultados práticos se o frágil capital social do Grande ABC deixar de abastecê-lo com ovos e outros temperos da culinária de recuperação regional. Algumas ferramentas marteladas ao longo dos anos na revista LivreMercado e mais tarde neste Capital Social -- como uma política séria de metropolização e um braço regional do BNDES, entre outros -- não podem mais ser proteladas.
E está justamente na agenda de prioridades o problema: teme-se que o Grande ABC multiplicador de propostas, numa febre de teoria que não tem o mesmo ritmo de resultados práticos -- e, pior que isso, de objetividade tangida pela emergencialidade --, se dedique a novos emaranhados de proposituras que, como as da Câmara Regional, do Consórcio de Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico, se percam em seus próprios labirintos tecnocráticos.
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24/04/2025 GRANDES INDÚSTRIAS CONSAGRAM PROPOSTA