É isso que dá partidarizar e ideologizar questões que exigem análises muito mais abrangentes: o professor Ricardo Moretti, especialista em Planejamento Urbano e profissional da Universidade Federal do Grande ABC (nossa barriga de aluguel) disse ao jornal digital ABCD Maior apenas metade da verdade sobre os grandes nós metropolitanos, quando responsabiliza o governo do Estado pela ausência de ações nesses territórios. A outra metade da verdade, que consiste na inapetência do governo federal de plantão, e igualmente dos anteriores, foi varrida para debaixo do tapete da omissão. Uma declaração típica de quem quer estar bem na fita da centro-esquerda.
O título da reportagem do ABCD Maior é emblemático, uma espécie de sentença condenatória ao governo tucano do Estado de São Paulo: “Abandono do Estado obriga prefeitos a assumir demandas de todo o ABCD”.
No fundo, estou equivocado ao afirmar que metade da responsabilidade é do governo federal e metade é do governo estadual. Estou enganadíssimo, se querem saber. A distribuição de atribuições é muito mais ampla. Pensando bem, tanto o governo estadual quanto o governo federal respondem por 20%, individualmente, dos descalabros metropolitanos. Outras partes iguais, até chegar aos 100%, se devem à sociedade e suas representações diversas, aos gestores e legisladores públicos municipais, e aos representantes econômicos, incluindo-se empreendedores e sindicalistas.
Essa é a conta certa, correta, para que se tenha de cara um diagnóstico sem vieses partidários e ideológicos, como o que induz o diagnóstico do professor dessa universidade federal que por si só é uma ofensa à regionalidade da Província do Grande ABC, como estou cansado de afirmar.
Reproduzo alguns trechos da matéria do ABCD Maior para que possa, em seguida, inferir novas ponderações:
“O Estado precisaria ser um catalisador de ações regionais, para que as demandas chegassem à União de forma aglutinada, ter um papel mais forte na capacitação dos municípios pequenos que não conseguem pleitear recursos”. (...) Para o professor, ações de consórcios deveriam ser mais estimuladas no Estado todo pelo governo. “Na linha da discussão do federalismo, temos visto um desequilíbrio que é a ausência do estado como interlocutor dos municípios com o governo federal”. Moretti citou que, após o movimento popular de junho, o governo do Estado anunciou contingenciamento e o fechamento da Secretaria de Assuntos Metropolitanos. “O governo está se furtando de fazer a ação fundamental de ajudar os municípios a capitalizarem os recursos. Nesse sentido, o esforço do Consórcio de articular as agências regionais e criar um PPA (Plano Plurianual Regional) segue em direção saudável”, afirmou.
Origem condenatória
As declarações do representante da Universidade Federal do Grande ABC pecam pela origem, já que aquela instituição é um corpo estranho no organismo social e econômico da Província do Grande ABC. Deveria, portanto, ser apresentado principalmente como especialista em Planejamento Urbano. Seria uma maneira de evitar-lhe descredenciamento imediato e prematuro. Tenho minhas dúvidas sobre a dimensão da especialidade do professor.
Se ele conversar com um especialista em regionalidade que provavelmente é seu vizinho de sala, no caso o holandês-brasileiro Jeroen Klink, ex-secretário do prefeito Celso Daniel, vai ouvir que o buraco metropolitano é muito mais embaixo e ninguém escapa. Jeroen Klink certamente não cairia na armadilha mais comum daqueles que são colocados frente a frente com a verdade histórica dos fatos negando o que disse no passado.
Rigorosamente ninguém escapa dos desatinos metropolitanos, diria. Basta um exemplo, entre muitos que poderia pinçar: o governador Geraldo Alckmin deu um chega pra lá orçamentário após o furor das ruas em junho, ao eliminar a Secretaria de Assuntos Metropolitanos do organograma estadual. Não houve reação de qualquer instância, inclusive da mídia. Até porque, a secretaria suprimida mal se aguentava sobre as pernas da escassez de recursos materiais e financeiros. Era um apêndice político do governador do Estado, com as fantasias de propostas de sempre.
Realidade histórica
Talvez o professor da Universidade Federal do Grande ABC não esteja devidamente informado sobre a realidade histórica da Província do Grande ABC nas questões metropolitanas. É possível que tenha comprado gato por lebre. Resumidamente, só tivemos alguns espasmos de atividades institucionais vocacionadas para valer à inserção metropolitana menos insana quando Celso Daniel vivia e acreditou como um bobo da corte na possibilidade de parceiros de cargo dedicarem-se para valer à empreitada.
Um exemplo mais recente do quanto se despreza a temática metropolitana, porque os prefeitos estão mesmo de olho nos votos de seus respectivos municípios, é o petista Luiz Marinho. Ele se fez de sacrificado ao assumir a presidência do Clube dos Prefeitos no início deste ano, após recusar o cargo durante quatro temporadas seguidas, desde que se elegeu prefeito em São Bernardo.
Maior liderança de esquerda na região, Luiz Marinho não teve assessoria suficientemente capaz de lhe fazer entender que, entre outros objetivos, para ao menos sentir o cheiro da sombra de brilhantismo de Celso Daniel, seria indispensável dedicar-se mesmo que solitariamente a questões regionais. E a Administração à frente do Clube dos Prefeitos tem sido extraordinariamente pobre porque também o é na própria Prefeitura.
Vou pesquisar as atividades do professor Ricardo Moretti, após breve consulta enquanto redijo este texto. Pelas informações iniciais, de especialista em uso e ocupação do solo, poderia lhe sugerir, a fim de que demonstre na prática uma intensidade de ações que correta mas parcialmente não observa no governo estadual, que se integre a um movimento que já sugeri nesta revista digital e que poderá ser apurado com o chamamento de gente do bem: que tal, em conjunto, esquadrinhar um modelo padrão de uso e ocupação do solo na Província do Grande ABC de modo a restringir a aprovação de empreendimentos do mercado imobiliário, grande financiador de candidatos vitoriosos e derrotados em todas as eleições?
Certamente o professor Ricardo Moretti detém conhecimento suficiente para não se surpreender nem com a assertiva deste jornalista e tampouco com outra concepção já fartamente apresentada aqui: um dos grandes eixos devastadores da qualidade de vida em regiões metropolitanas é a farra do mercado imobiliário que, em cumplicidade com os agentes públicos, promove deliberada ocupação deletéria nos principais eixos viários.
Como se vê, embora ele acerte em cheio ao direcionar o rifle condenatório no governo do Estado, a questão metropolitana só será amenizada com a metralhadora giratória de um conjunto de abordagens que envolverão também o governo federal, a quem parece o professor interessado em proteger.
Total de 505 matérias | Página 1
24/04/2025 GRANDES INDÚSTRIAS CONSAGRAM PROPOSTA