Regionalidade

Hegemonia não faz
bem à democracia

DANIEL LIMA - 30/10/2003

Nada mais danoso para a democracia, seja qual for o ambiente, do que a hegemonia. Quando o poder hegemônico se estabelece, quando as raízes do autoritarismo se aprofundam, quando a seiva da unilateralidade se manifesta persistentemente, não há vencedores por longas temporadas.


A interdição de canais do contraditório fértil é a incubadora de idiossincrasias irrecuperáveis. Pobres dos ambientes corporativos que, ao não contemplar nem estimular entrechoques evolucionistas, optam pela civilidade de modos e relacionamentos supostamente cordiais mas distantes e comprovadamente inoperantes.


A hegemonia destiladora de concordâncias improdutivas sempre tem hora marcada com a verdade. Pobres daqueles que se imaginam intocáveis em fortalezas de unanimidades burras, protegidos por áulicos de plantão. Na mesma intensidade que perde a sensibilidade de interpretar fatos corriqueiros ou relevantes, o poder corporativo hegemônico desmorona.


Subestimar o contraditório é contrariar a regra básica de evolução permanente. É verdade que há opositores açodados, perniciosos, detratores por excelência, fabricadores de slogans vazios e de frases pirotécnicas, mas mesmo esses precisam ser alimentados pelos nacos suculentos da democracia porque, mais dia, menos dia, o compartilhamento de idéias e a transparência de ações vão denunciar quem é quem de fato e os instalarão na solitária do ostracismo.


Questão de tempo


Afinal, não há oposição vadia, no campo privado ou no setor público, que reine por todo o tempo sem deixar rastros e digitais desclassificatórios. Por mais que o senso crítico possa não ser vetor de eventuais virtudes mais difundidas neste País, sejam quais forem os ambientes em que vivemos, os falseadores de argumentos, os manobristas do vernáculo, os semânticos alquebrados, os prevaricadores éticos, os mal-intencionados, esses todos integram uma fauna muito especial. Nem sempre identificáveis à primeira vista, é verdade, mas sempre possíveis de desmascaramento, sem dúvida.


Ao fazer uma homenagem simples e sincera outro dia aqui na empresa a um dos integrantes do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), e de, inclusive, mencionar o caso durante o discurso de terça-feira no Teatro Municipal de Santo André, pretendeu, este jornalista, transmitir o significado de viver corporativamente. Ex-executivo de ponta do Grupo Rhodia, Nelson Tadeu Pereira também passou pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André. Hoje dirige uma pequena empresa metalúrgica. Convidado a integrar o IEME, Nelson Tadeu Pereira tem participado de todos os encontros.


Participado de verdade, de corpo e mente presentes. Não foi uma nem foram duas vezes em que levei aos encontros do IEME o que imaginava serem fórmulas acabadas de indicadores dessa organização ainda em fase de estruturação jurídica, e o caminho da aprovação passou pelo corredor polonês dos conselheiros, entre os quais, o mais persistentemente analítico deles, o engenheiro Nelson Tadeu Pereira.


Mudanças fundamentadas


É claro que, ao carregar comigo os pressupostos teóricos da aplicação de determinados números, mantenho ligado o dispositivo de segurança de que mudanças poderão ser apresentadas com fundamentação. O fato de levar algo aparentemente acabado não é procedimento autoritário. Aprendemos com a vida que é preciso partir de algum ponto para se chegar ao objetivo que muitas vezes está além do que imaginamos.


Quem não esboça um caminho, perde-se nas andanças. Num trabalho compartilhado, é indispensável que se apresentem propostas para que haja racionalidade nos debates. Por racionalidade entenda-se, inclusive, a metabolização das próprias idéias iniciais.


Nelson Tadeu Pereira faz parte de um mosaico de personalidades e conhecimentos específicos de profissionais que atuam na região e que resolveram apostar no Instituto de Estudos Metropolitanos. Sei por mensagens de uns e outros, que está entusiasmado com os resultados. Como tantos outros. Não prometemos resolver todos os problemas metropolitanos, como se sabe. Nem meter a mão na cumbuca, como também se sabe.


Entidade cerebral


Nossos propósitos, sem empáfia, estão concentrados no que chamamos de dotar o Grande ABC de uma entidade cerebral. E o IEME vem-se constituindo em algo nesse sentido, embora alguns obtusos por natureza não tenham conseguido enxergar que a numerologia dos indicadores já criados e divulgados resplandece muito mais que quadros estatísticos para consumo frio e calculista.


Nelson Tadeu Pereira simboliza o espírito cooperativo dos membros do IEME. Ele e tantos outros entenderam os propósitos apresentados e sabem que a organização só terá futuro como referência da tomografia econômica, financeira, criminal e social dos principais municípios paulistas se as individualidades que a compõem reproduzirem suas qualidades na ação coletiva. Sim, porque o maior problema do Grande ABC Republiqueta -- e que não difere das raízes das questões e atores nacionais -- é que não conseguimos levar para o campo coletivo as qualidades individuais dos agentes que se propõem a mudanças.


A maior experiência coletiva da história do Grande ABC -- o Fórum da Cidadania -- entrou em rota de colisão com o futuro na medida em que, à parte todos os problemas estruturais e conceituais que o marcaram, a seleção recrutada para organizar a regionalidade do Grande ABC viveu ataques de estrelismo associados à dispersão do foco de ações.


Cometeu o Fórum da Cidadania o erro crasso que pretender substituir em ações práticas o que é obrigação do Poder Público em suas várias esferas. Em vez de simplesmente, no sentido explicativo do termo, animar a festa, meteu-se a contratar a orquestra, a agenciar o exército de seguranças, a dar retoques da iluminação, a passar o som, a vender convites. Só poderia dar no que deu, é claro.


Mesmo que às vezes seja preciso usar a mão de ferro -- e para tanto os conselheiros mais assíduos têm responsabilidade imensa --, o Instituto de Estudos Metropolitanos não pode transigir em cláusulas pétreas. Entre as quais a determinação de que não temos de botar a mão na massa, mas sim contribuir para que a coloquem de forma competente e racional.


Também não podemos fugir do foco metropolitano, sobretudo nas questões que mais acentuadamente atingem a qualidade de vida da população. Estabelecer parcerias com instituições que de uma forma ou de outra cruzam os nossos caminhos territoriais, conceituais e éticos também é questão vital.


Tanto é verdade que acabamos de obter autorização de um grupo de estudiosos de uma versão nacional do IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) que dará suporte estatístico à produção do IDS (Índice de Desenvolvimento Social) do IEME. Trata-se de um estudo adequadamente tropicalizado, inspirado que foi no IDHM da Organização das Nações Unidas. O abrasileiramento da metodologia e dos conceitos ganhou dimensões nacionais.


O que faremos no IEME é concentrar o foco nos territórios e regiões estruturalmente relacionados ao nossos objetivos. Retiraremos apenas -- se Nelson Tadeu Pereira e outros assim concordarem -- dois dos sete indicadores originais, por razões que procurarei explicar na próxima reunião do IEME. Sem contar, é claro, que o peso ponderado dos indicadores será igualmente apresentado para debates.


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