Transformar o Poliesportivo do Parque Jaçatuba em Poliesportivo Jairo Livolis é apenas uma das homenagens que o mais tradicional clube de futebol profissional da região prestaria ao dirigente que durante quase duas décadas superou sucessivos desafios. Morto no último sábado de enfermidade que o transformou em guerreiro pela vida, desafiando médicos e driblando o destino que pretendia lhe encurtar os dias, Jairo Livolis deixou o Santo André na Série A do Campeonato Paulista como tanto queria. Só não teve tempo de recompor os estragos da Saged e recolocar a equipe no circuito nacional comedidamente na Série B do Campeonato Brasileiro.
Jairo Livolis foi disparadamente o melhor presidente da história de 50 anos do Santo André. E olhem que dis-pa-ra-da-men-te não significa que lhe faltaram concorrentes. Sobraram vários deles, que também contribuíram para manter de pé um clube que tem tudo para não dar certo, mas que insiste em seguir no futebol cada vez mais caro e seletivo.
O título da Copa do Brasil em 2004 na final contra o Flamengo e a construção do Poliesportivo que vai receber seu nome são as principais vitrines de Jairo Livolis. Mas ele deixou legado muito maior, embora sem tanta visibilidade e reconhecimento. A cultura de criar jogadores nas divisões de base foi planejada e fermentada o tempo todo por Jairo Livolis. O Santo André de raras revelações no passado ganhou força nos anos pós-Projeto Jovem Santo André. Chegou até a conquistar a ambicionadíssima Copa São Paulo de Futebol Junior, em 2003, numa final contra o Palmeiras.
Personalidade múltipla
Jairo Livolis é o maior presidente da história do Santo André por uma série de virtudes. Era racional quando planejar não podia ceder espaço ao passionalismo. Jairo Livolis concebia o Santo André de cada competição de acordo com o orçamento. Esquadrinhava custos e receitas. Contribuía com a comissão técnica à contratação de jogadores. Entendia de futebol como poucos dirigentes do futebol brasileiro. Não era um palpiteiro.
O Santo André de cada temporada era esculpido numa comunhão de profissionais da área e sugestões de Jairo Livolis. O desenho técnico e tático da equipe obedecia a uma mesma lógica. Nomes eram sugeridos com alguma folga para cada função passível de reforço. Havia sempre a possibilidade de os concorrentes chegarem antes ou cobrirem os valores oferecidos pelo Santo André.
O presidente cujo corpo foi enterrado ontem no Jardim da Colina, em São Bernardo, liderava com brilho. Às vezes até de forma pouco diplomática. A paciência de Jairo Livolis tinha o limite da elasticidade de entendimento dos interlocutores. Não falta quem deteste sinceridade. E mesmo certa dose de suposta grosseria. Há uma preferência nacional por incompetentes ou manipuladores de gestos suaves, fala mansa e uma vocação incontrolável ao fracasso.
Parceria frustrante
A grande frustração de Jairo Livolis na presidência ou vice-presidência do clube, a partir de 1992, foi cair na arapuca que ele mesmo construiu em forma de alforria financeira da agremiação, força-motriz à estabilidade técnica da equipe. A constituição do Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva) nascera um visionário que não contava com açodamentos de terceiros. Jairo Livolis enxergou o futuro promissor sem dar-se conta do presente retaliador.
Jairo Livolis entregou a divisão de futebol do Santo André com três dezenas de jogadores de estoque. A totalidade da relação sem interferência de agentes de futebol, intermediários que levantam fortunas com o que antigamente se chamava atestado liberatório. Cinco anos depois recebeu o clube das mãos do empresário Ronan Maria Pinto na sexta divisão do futebol brasileiro, sem patrimônio atlético e caótico em organização administrativa.
Ao completar 50 anos com um coquetel para 200 convidados na última segunda-feira o Santo André não contou com a presença de Jairo Livolis. Pela primeira vez desde que construíra o Parque Poliesportivo, e mesmo antes disso, quando o Santo André não passava de 11 camisas, Jairo Livolis deixara de participar de uma festa com conselheiros e torcedores. Vivia as últimas horas de uma história que vai se esticar para sempre.
O Poliesportivo será testemunha física do quanto Jairo Livolis representou para o clube. Os troféus e o legado que, paradoxalmente, deixou com o incentivo à criação de uma empresa que dirigisse o futebol sem romper vínculos com a diretoria, serão sempre respeitados por quem não se perde com mesquinharias de versões fantasiosas.
Política à distância
Também consta da herança de Jairo Livolis, além dos triunfos em campo, da ramificação do Poliesportivo e da liderança que só incomodava os ambiciosos demais e competentes de menos, a sagacidade de jamais ceder o clube à sanha de políticos, embora jamais fechasse as portas a quem comandava a Prefeitura.
Os limites entre o Santo André carente de recursos financeiros e o Santo André a salvo de politicagens partidárias sempre foram respeitados. Por mais desesperadoras fossem as situações cíclicas de infortúnios orçamentários. O Santo André de Jairo Livolis sempre teve mais desafios a superar do que dinheiro a aplicar. Invariavelmente, o dinheiro a aplicar se adaptava às conquistas pretendidas. A Copa do Brasil não foi uma obra do acaso. Metade do elenco saíra das divisões de base, numa das fornadas monitoradas de perto por Jairo Livolis.
Para desenvolver essa relação colaborativa com os poderes constituídos e organizações em geral, Jairo Livolis sempre contou com a parceria de Celso Luiz de Almeida, um vice-presidente que virou presidente e que voltou a ser vice-presidente até virar presidente de novo, agora do Conselho Deliberativo.
Sobra em Celso Luiz de Almeida uma especialidade que o temperamento sempre intercedeu desfavoravelmente a Jairo Livolis: as incursões institucionais pelos poderes públicos e privados, inclusive na Federação Paulista de Futebol. Jairo Livolis e Celso Luiz de Almeida completavam-se.
O alheamento de Jairo Livolis da sociedade mandachuva de Santo André era compensado pela aptidão de Celso Luiz de Almeida à tarefa, independentemente de vieses partidários dos interlocutores.
Aprendizado longo
Jairo Livolis completou muitos anos de vestibular no Santo André até chegar à presidência. Conheceu de perto todos os presidentes que atuaram nos 50 anos da agremiação. Do explosivo e intenso Wigand Rodrigues dos Santos ao temperamental e pragmático Lourival Passarelli. Do agregador Breno Manoel Gonçalves ao sereno Celso Vidal Lara.
Também conviveu com o romântico jornalista Fausto Polesi, a quem lançou ao topo máximo do clube, e partilhou momentos com o abrasivo Germano Schmidt, com quem as relações azedaram entre outros motivos porque Jairo Livolis fez de entulhos do projeto do Parque Poliesportivo, lançado pelo antecessor, nova fonte de receitas da agremiação – além da dignidade de uma casa própria para toda a comunidade.
Jairo Livolis também aprendeu a dirigir o Santo André com o presidente interino e sempre colaborativo Duílio Pisaneschi e com o desolado José Amazonas, que, numa assembleia geral, pretendeu fechar o clube, decisão revogada em seguida pelo brado financeiramente irresponsável mas culturalmente providencial de Wigand Rodrigues dos Santos.
Jairo Livolis conheceu o empresário Acyr de Souza Lopes, que assumiu o Santo André ainda Futebol Clube e o transformou em Esporte Clube com medo de dívidas trabalhistas e tantas outras, em meados dos anos 1970.
Um velho companheiro de batalhas, Sidney Riquetto, vice-presidente, dividiu com Jairo Livolis muitos momentos de alegria e tristeza, principalmente quando se descobriu a enfermidade que o retirou do campo de batalha muito a contragosto e com resistência heroica.
Maior que repercussão
Jairo Livolis é o maior presidente da história do Santo André por um conjunto de valores tangíveis e intangíveis. Merecia muito mais que as poucas páginas que o Diário do Grande ABC lhe reservou nas edições de domingo e segunda-feira. Mais que isso: merecia a manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) da edição de domingo, que noticiou sua morte.
Jairo Livolis fez no campo esportivo-profissional e associativo do Santo André mais que a grande maioria de dirigentes de todas as esferas na região. Sempre e sempre trabalhou com escassez financeira que não consta do cardápio de instituições públicas e privadas.
Jairo Livolis viabilizou a manutenção de um clube contra todas as perspectivas lógicas. Afinal, o que esperar do dia seguinte de uma agremiação, como tantas outras, sufocada pelos grandes clubes da capital, pela cobertura sempre escassa da mídia, pela exclusão quase compulsória do mercado de patrocínios, porque a região vive na periferia metropolitana sem canais de TV aberta?
Clareza sobre futuro
Jairo Livolis sabia de tudo isso com clareza e sensatez. Mas jamais desistiu dos sonhos de colocar o Santo André no circuito nacional de futebol. Acreditava que dadas às circunstâncias econômicas e sociais, a Segunda Divisão do Brasileiro, a Série B, seria o destino mais realístico. Foi o que revelou ao lançar a ideia de uma empresa de futebol que atuaria em conjunto com o clube associativo. Um Ramalhão no campo de jogo, um Esporte Clube Santo André no Poliesportivo.
O resultado foi catastrófico e atrasou o cronograma do Santo André em uma década, cinco da atuação da Saged e outros cinco à recomposição dos estragos. Jairo Livolis e Celso Luiz de Almeida foram despejados da direção do Ramalhão logo em seguida à aprovação do Saged.
Mesmo com tudo isso, Jairo Livolis não desistiu. Recomeçara o plano do Projeto Santo André Jovem. Só não esperava a emboscada do destino, da mortalidade que a ninguém poupa. Arrastava-se arquibancada acima e arquibancada abaixo para ver o Santo André da cabine reservada aos dirigentes do clube e convidados.
De vez em quando Jairo Livolis deixava de aparecer no Estádio Bruno Daniel. A rotina hospitalar não o abatia à recuperação que viria em seguida.
Jairo Livolis morreu sem participar da festa do cinquentenário do clube. Cinco dias depois de ser lembrado pelo companheiro de sempre, Celso Luiz de Almeida, como o maior presidente da história do clube, Jairo Livolis deixou mulher, quatro filhos e netos e um grupo não volumoso de admiradores.
Jairo Livolis era tão especial e refratário a salamaleques regados a hipocrisia que apenas os bem-aventurados souberam lhe devotar admiração.
Jairo Livolis é o maior presidente da história do Santo André. É o maior de todos. O exemplo de como transformar sonhos em realidade. Um presidente fantástico de um clube improvável, mais teimosamente vencedor. Como seu principal dirigente.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!