Alô, alô, torcida brasileira. Vamos comemorar um reforço considerável do ainda apenas sonhado Clube dos Indignados, entidade longe da formalidade documental e distante mesmo da informalidade funcional. Sou um dos fundadores da matriz do movimento na Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC. Não é que o brilhante publicitário Nizan Guanaes, do qual sou macaco de auditório (e que, ao lado de Washington Olivetto, é o que há de mais criativo no mercado nacional) decidiu saltar do muro da insensibilidade para pregar uma reação da sociedade civil? Nada mais digno de comemoração. Acabei de ganhar um reforço moral importante nessa trincheira repletíssima de improbabilidades práticas.
Tive a ideia de criar o Defenda Grande ABC (que bem poderia ter sido batizado de Clube dos Indignados, do título deste artigo) e os resultados, esperados, foram decepcionantes. Sobraram poucos voluntários. Que também poderiam ser chamados de kamikazes sociais, dado o entorno que envolve os poderosos de plantão nestas terras em que trambicagens estão à margem da Operação Lava Jato e jornalista independente é criminalizado por escrever verdades inconvenientes (não é mesmo meritíssimo Jarbas Luiz dos Santos?).
Três anos e muitas frustrações depois, Nizan Guanaes levanta essa bandeira em nível nacional, no artigo que escreveu para a edição de hoje da Folha de S. Paulo. Para os leitores terem a compreensão do quanto é valiosa a virada de mesa comportamental de Nizan Guanaes, vou reproduzir alguns trechos do artigo que ele redigiu em janeiro de 2012 na mesma Folha de S. Paulo. Fiz um contraponto entre o eldorado nacional que Guanaes pintou e o ceticismo de Oded Grajew.
Escrevi ao final daquele embate virtual, já que os textos dos dois autores foram publicados em dias diferentes: “Acompanho atentamente a carreira e as intervenções públicas desses dois ativos paulistanos que vivem em mundos completamente diferentes. Guanaes é um agente enviado por todos os triunfalistas verde-amarelos. Brilhante, extremamente comunicador, reproduz em seus textos o mundo fashion que habita, uma bolha de prosperidade, riqueza e luxo. Oded Grajew é o símbolo do inconformismo, da prospecção de medidas que reduzam os acintosos muros que separam a sociedade entre uma minoria de incluídos badalados e uma imensa leva de excluídos esquecidos”.
Vamos então a Nizan Guanaes de cinco anos atrás para que seja possível compreender a reviravolta de agora:
O Brasil tem que parar de ser modesto consigo mesmo, que a natureza não o foi. Ela nos deu atributos maravilhosos e nós fomos criando em fogo brando, um país à altura. A maior criação do Brasil chama-se São Paulo, e calma porque isso quem diz não sou eu, é o IBGE. Da escala humana à escala financeira, São Paulo nos lidera. Mais de 10% das riquezas produzidas no Brasil são produzidas nesta cidade. Que família do país não tem um parente trabalhando aqui? São Paulo é a grande metrópole do hemisfério Sul no século do hemisfério Sul. Se São Paulo não tem mar, São Paulo tem um mar de ideias. O planejamento do Brasil passa tanto pelas torres da Faria Lima e da Berrini quanto pelos prédios da Esplanada dos Ministérios. A cidade faz aniversário amanhã, no melhor momento de sua história, duplamente presenteada pela globalização e pela interiorização da nossa economia.
Mais Nizan Guanaes de 2012
O novo ciclo de desenvolvimento do Brasil tem tudo a ver com a cidade. Seu supermundo financeiro de bancos, corretoras, seguradoras e Bolsas de Valores comanda o vigoroso processo de financeirização da economia nacional e de sua integração crescente e lucrativa com os mercados globais. Essa conexão duplamente intensa, com o país que pulsa em suas veias e o mundo que pulsa em nossa volta, faz a cidade evoluir sempre de pilha nova, com carga máxima, conectada pelas antenas de seus 11 milhões de habitantes/seguidores. Uma energia que muitas vezes espanta, no bom sentido, os estrangeiros que vêm descobrir a "maior cidade desconhecida do mundo". Por isso é preciso equipar São Paulo para que a Copa de 2014 seja uma justa, mesmo que tardia, exposição da metrópole ao mundo. São Paulo precisa se posicionar com firmeza no cenário global como centro financeiro e de serviços não só no Brasil, mas na América do Sul, da África ocidental... O mundo é plano para grandes ideias e grandes cidades.
Mais Nizan Guanaes de 2012
São pouquíssimas as metrópoles do mundo que contam com área tão extensa de massa cinzenta, com mistura tão completa de profissionais competentes, cada vez mais especializados. É um ciclo virtuoso: os serviços de alta qualidade atraem trabalhadores de alta qualificação e remuneração, que buscam mais serviços de ponta, como cultura, saúde, educação, luxo e alta gastronomia, que por sua vez atrairão consumidores de outras cidades e países. São Paulo hoje tem capital humano e capital financeiro para encubar qualquer empreendimento. Os galpões industriais que ficaram vazios com a transferência das indústrias da cidade para outras regiões do Estado e do país são rapidamente reocupados por atividades criativas e comerciais. A relativa menor atividade industrial (porque a cidade segue potência fabril) foi compensada pela maior atividade cultural, de feiras e de eventos. A cena de restaurantes de São Paulo é mais animada que a de Nova York nestes dias. O mercado imobiliário e o mercado publicitário, para ficar apenas em dois setores, atraem investimentos do mundo todo. Não saí de Salvador para vir para São Paulo. Saí para ir ao Rio trabalhar com Roberto Medina, o criador do Rock in Rio. Mas acabei chegando à metrópole paulista pelas mãos de outro gênio, Washington Olivetto, e aqui me desenvolvi em plenitude, prosperei como tantos outros migrantes e imigrantes. Amo trabalhar e em São Paulo o trabalho sempre foi muito valorizado. Isso tem muito valor. Porque dos grandes problemas dessa sociedade tão demandada é o desrespeito ao trabalho. Assim, quando as pessoas querem te ofender, elas dizem "esse cara só pensa em trabalho". Quando querem ofender São Paulo, dizem a mesma bobagem: que a cidade só é boa para trabalhar. Mas o que mais uma cidade precisa ser? Se é boa para trabalhar, o resto é consequência. Existe uma enorme onda de liberação do afeto reprimido por São Paulo. A firmeza com que a população aderiu à Lei Cidade Limpa mostrou isso. O amor (por São Paulo) está no ar. Se bem cultivado, vai nos transformar.
Nizan Guanaes convertido
Produzido esse contexto indispensável para que se meça o tamanho da conversão de Nizan Guanaes à realidade do País, passemos agora a reproduzir o texto que ele assina na edição de hoje da Folha, sob o título “Intervenção civil”:
A sociedade civil faz bem em rosnar para o fantasma da intervenção militar. Ditadura nunca mais! Mas está na hora da intervenção civil. O que não é uma decisão trivial. Diante de um país como o nosso, em que o Estado é tão grande e se mete em tudo, quem quer se desgastar com governantes e políticos que têm nas mãos a caneta das decisões poderosas? Essa é uma decisão que não tem a ver com este ou qualquer outro governo. Não tem a ver com os políticos corruptos que não se emendam. Eu estou reclamando é dos políticos sérios e bem-intencionados que existem, sim, mas que, apesar da seriedade e das boas intenções, estão dentro de uma bolha e de lá desenham um Estado obeso e incompetente, de costas para os anseios e as necessidades da nação.
Mais Nizan Guanaes convertido
O Estado brasileiro virou estadocêntrico, nas mãos de visões e corporações reducionistas, que enxergam muito pouco além das paredes de seus gabinetes. O que acontece no nosso amado Rio seria suficiente para o Congresso se internar até resolver essa emergência nacional. O que acontece no Rio não fida no Rio. A violência e a falência do Estado e dos serviços públicos que ele tem de prover não são exclusividade daquele Estado, como todos sabemos. Mas o Rio é a vitrine mais vistosa do drama brasileiro. A reforma política séria, que seria uma resposta a tudo o que a Lava Jato mostrou, não veio. Nada, nada, nada. Os políticos sérios, pensam neles mesmos, antes de pensarem no Brasil. Então eu, tantas vezes frouxo, sempre cheio de rapapé com suas excelências, renuncio à minha covardia. Só nossa intervenção civil e democrática pode evitar insubordinações não democráticas.
Mais Nizan Guanaes convertido
Nós civis temos que pegar em armas. E as nossas armas são o celular, as redes sociais, a próxima eleição, o voto, as ruas, a manifestação pacífica, a imprensa. O Estado dona Maria Antonieta faz a seguinte conta: quanto eles têm que pagar de impostos e tributos para sustentar os seus gastos? Esse Estado não se enquadra, não corta gastos, não entrega serviços de boa qualidade. E submete nossa sociedade e nossas empresas a leis não competitivas e a regulações caóticas, limitando o desenvolvimento delas e, por consequência, do Brasil. E isso não aguentamos mais. Intervenção civil contra o Estado velho e incompetente. E contra as estruturas políticas que só pensam nelas mesmas. A luta deve ser de todo, uma coligação com as cores do arco-íris. É um erro cair na manipulação maniqueísta ideológica-partidária de nós contra eles, que divide e enfraquece.
Mais Nizan Guanaes convertido
Direitistas e esquerdistas, empresários e trabalhadores certamente concordam com o principal da agenda: combater o velho Estado, a corrupção, a ineficiência, o estadocentrismo. Esse movimento passa por incentivas pessoas novas no Legislativo e no Executivo. Eu não vou fazer campanha política nem marketing. Mas vou me mobilizar pelo meu candidato, como já devíamos ter feito há muito tempo. Meus caros colegas, vamos sair dos armários, Mobilização civil organizada. Não raivosa, mas indignada e propositiva. (...) Intervenção já. E essa intervenção civil, que construiu as grandes nações, tem inclusive nome. Ela se chama democracia.
Agora, a vez do Defenda
Apenas para refrescar a memória dos leitores, ofereço na sequências alguns trechos de uma das dezenas de matérias que escrevi nesta revista digital sobre o movimento Defenda Grande ABC, natimorto por mim mesmo porque percebi que não tinha vocação a fraudar as expectativas que a organização suscitou. Respeitei também os heróis da resistência daquela tentativa de colocar a Província num novo patamar. Os trechos a seguir sob o título “Lambeção diplomática é o caminho mais curto à inutilidade do Defenda” foi publicado na edição de 28 de julho de 2014:
Tenho me manifestado nas mensagens segregadas dos integrantes do Defenda Grande ABC contrariamente ao uso da diplomacia como o mais adequado caminho para escarafunchar o destino do dinheiro público na região. O Defenda é um movimento que está surgindo para monitorar principalmente as administrações públicas municipais. Se achar que pode se aproximar de contrários sem cair na esparrela da contaminação, vai dar com os burros nágua. A experiência no acompanhamento dos interesses entrecruzados na região quando a gestão pública está em jogo me autoriza a ser cético ao uso da política de punhos de rendas. Acredita em Papai Noel quem espera que as investidas do Defenda Grande ABC vão ser recepcionadas com amor e carinho pelos redutos a serem vasculhados. A gentileza vai perder o viço. Prevalecerá a faca entre os dentes daqueles que se consideram inquestionáveis.
Mais Defenda de 2014
Vou dar um exemplo prático e insofismável sobre o destino que teria o Defenda Grande ABC caso resolva se encantar com os gestores públicos a ponto de acreditar que uma ação prospectiva se daria fora da raia de cobranças enérgicas e esclarecedoras. A OAB de Santo André, presidida por Fábio Picarelli, botou as manguinhas de independência de fora e criou uma comissão que pretendia vasculhar operações da Secretaria de Obras comandada por Paulinho Serra. Esse ex-vereador tucano de Santo André é um dos queridinhos de determinados componentes do Festeja Grande ABC, movimento informal grudado na gestão do prefeito Carlos Grana. O resultado final é que a comissão foi desativada e desmoralizada, e o presidente Fábio Picarelli está de braços dados sem soldados com o grupo formal e informal que comanda o Paço Municipal.
Mais Defenda de 2014
Não se pode afirmar com a certeza dos inocentes e dos ingênuos que Fábio Picarelli tenha sido colhido de surpresa ao sofrer a resistência do estabilishement do Paço Municipal. Seus adversários políticos, porque ele os tem aos montes entre os advogados de Santo André, garantem que tudo foi de caso pensado. Fábio Picarelli teria jogado a isca de dificuldades, usando terceiros para dar a cara, e depois recolheu as facilidades. E não teria agido isoladamente. Contou com combinação de nacos de apoiadores de ocasião do prefeito Carlos Grana. A força-tarefa que age no entorno do Paço Municipal teria feito de Fábio Picarelli espécie de ponta de lança a conquistar novos nacos de poder na gestão pública. Tudo devidamente compartilhado.
Mais Defenda de 2014
Coincidência ou não, acordou-se a nomeação de um dirigente da OAB de Santo André, muito próximo de Fábio Picarelli, para ocupar o cargo de ouvidor da Prefeitura. Um servidor que não honra a expectativa que gera porque atua em absoluta consonância com os ditames do prefeito de plantão. Algo como entregar a um galo cego, surdo e mudo a missão de despertar a bicharada. Qualquer iniciativa que o Defenda Grande ABC venha a formular para tomar o pulso do dinheiro público nas prefeituras da região será tratada como intromissão descabida. Os dirigentes do Defenda Grande ABC não podem perder de vista que a cultura regional não é diferente da cultura nacional. Quem está nos podres poderes públicos sente-se a tão poderoso que qualquer medida estranha aos costumes dos mandachuvas será tratada como desafio à medição de força.
Mais Defenda de 2014
A premissa de atuação do Defenda Grande ABC, portanto, é de que a etapa de lambeção diplomática é pura perda de tempo. Se eficiente se tornar, ou seja, se a iniciativa encontrar os podres poderes públicos receptivos, a explicação será simples e cristalina: o movimento já teria sido cooptado pelas forças políticas e econômicas da Província e se prestaria desprezivelmente a avalizar falcatruas de ordem moral e ética. Estou absolutamente certo ou redondamente enganado? A resposta é simples e basta fazer uma experiência. Que a primeira ação do Defenda Grande ABC seja pedagogicamente direcionada a tentativas de destruir todos os pontos de interrogação sobre o volume, as condições e a aplicação dos recursos financeiros originários das chamadas outorgas onerosas, essa mamata que, tratada como benesse do setor imobiliário, provoca uma série de estragos à mobilidade urbana e enriquece ilicitamente muitos empresários desalmados.
Mais Defenda de 2014
(...) A falta de transparência não é apenas uma prática comum entre os detentores dos podres poderes públicos. No caso do mercado imobiliário de aumentar o volume de metros quadrados construídos em troca de ninharias o que temos na praça é uma associação de promiscuidade e abuso. Na Capital tão próxima, é escandalosa a diferença entre o que a Prefeitura arrecadou dos mercadores imobiliários a título de contrapartida para construção de edifícios além das especificidades legais iniciais e o que as construtoras e incorporadoras recolheram adicionalmente. Já tratamos desse assunto neste espaço. A caixa-preta do mercado imobiliário na região (as outorgas são apenas uma parte de um enredo horripilante) é algo sobre o qual nenhum administrador público e nenhum secretário da área se sentirão confortáveis em entregar a terceiros que não façam parte do jogo jogado conforme as regras que eles determinam. Eles, os administradores públicos, vão entender que, quem quer que seja o interessado, não passará de um agente inimigo. Nestas alturas dos acontecimentos, a diplomacia irá rapidamente para o ralo. Não prosperará, portanto.
Mais Defenda de 2014
O outro lado da moeda, de achar que à inutilidade da diplomacia romântica se contraporiam com alta rentabilidade institucional iniciativas que forçassem a barra da civilidade e do bom senso, não passaria de equívoco com o mesmo grau de fragilidade resolutiva. O melhor para o Defenda Grande ABC é não se deixar imobilizar pela bifurcação radical de que o mundo da administração pública é uma maravilha de democracia ou um convite inexorável à guerra cruenta. Se o Defenda Grande ABC não encaixar os golpes com precisão de quem não tem o rabo preso com ninguém, acabará nocauteado antes mesmo de entrar para valer no ringue de uma competição que é absurdamente legítima – ou seja, cobrar transparência dos podres poderes públicos, contando de antemão com o suporte principalmente do Ministério Público, a quem caberá a missão de requisitar oficialmente as respostas que não serão jamais entregues a agentes da sociedade.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!