Marcus Santaguita é o presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, entidade cuja atuação influencia consideravelmente o orçamento de milhares de famílias. A bolha imobiliária que impacta a Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC, está aí para confirmar os estragos lubrificados pelo antecessor, empresário Milton Bigucci. Santaguita foi eleito há dois anos. E reeleito nesta semana. Por isso, a reunião de hoje à noite na sede da entidade é importantíssima. Está na pauta o escândalo das chamadas licenças ambientais, que causou a demissão do secretário Mário de Abreu, da Administração do prefeito Orlando Morando, além de assessores. Santaguita vai colocar o assunto em debate. Algo inédito. Com Bigucci os escândalos do mercado imobiliários jamais foram oficialmente discutidos. Seria como dar um tiro no próprio pé, tomando-se por base denúncias do Ministério Público Estadual.
É bastante reconfortante a resposta de Marcus Santaguita a este jornalista sobre a reação ao escândalo investigado pela força-tarefa do Ministério Público Estadual e Polícia Civil. O que a classe dos construtores imobiliários da região avessa a compadrios queria saber é se haveria reação do Clube dos Construtores. Havia desconfiança de que o assunto seria algo como falar de corda em casa de enforcado.
Rescaldos complicadores
Marcus Santaguita diz não a qualquer possibilidade de acomodação ética. Entretanto, não é fácil para o dirigente reagir e atender à maioria da classe dos construtores contrária a jogos de bastidores no Poder Público. Há no ambiente da entidade muito rescaldo das seguidas gestões de Milton Bigucci, empresário enroladíssimo na Máfia do ISS, em São Paulo, segundo denúncia do Ministério Público Estadual. Além, claro, de outros casos.
O que se espera de Marcus Santaguita e de outros dirigentes do Clube dos Construtores é que ajam em nome da moralidade e da ética para escarafunchar juridicamente as investigações.
A ausência de posicionamento do Clube dos Construtores após o caso estourar na mídia é explicada por Marcus Santaguita como consequência do segredo de justiça da operação. O que fazer? É o que Santaguita perguntará aos demais dirigentes hoje à noite. A impressão geral de que haveria sufocamento do escândalo parece não ter consistência. O Gaeco e a Polícia Civil levam a cabo uma investigação seriíssima. Desta vez o rabo não vai abanar o cachorro.
Ao que parece Marcus Santaguita percebeu que esse novo escândalo no mercado imobiliário é o grande teste que o destino lhe ofertou para colocar-se, mesmo que sutilmente, em polo oposto ao do presidente do Conselho Deliberativo e antecessor que durante mais de duas décadas mandou e desmandou no Clube dos Construtores. Aliar-se a Milton Bigucci sempre seria um tiro nágua. Quanto mais agora que as coisas estão ficando pretas para quem sempre contou com investigações lenientes.
E os associados?
Fosse o Clube dos Construtores organização que não me remetesse a adjetivos definidores de atuação historicamente pífia (no caso, repetindo o que me causou uma ordem de prisão que está suspensa, entidade chinfrim e mequetrefe) os próprios associados (que ainda são poucos, embora em número muito maior do que durante os anos de chumbo de Milton Bigucci) já teriam tomado a iniciativa de cobrar da diretoria eleita e do Conselho Deliberativo uma rigorosa prestação de contas, por assim dizer, como desdobramento do escândalo.
Mais que isso: fosse o que deveria ser e jamais o foi porque ao que tudo parece a entidade foi organizada para tudo, menos para prestar constas à sociedade, o Clube dos Construtores, através de seus próprios dirigentes, já teria se manifestado oficialmente sobre as roubalheiras de que é acusado o ex-secretário municipal de São Bernardo e assessores.
Mas a explicação me repassada por Marcus Santaguita é defensável. Sem dúvida é preciso saber mais detalhes da operação. Talvez um comunicado ao público traçando os objetivos que decorreriam da reunião desta noite coloque a gestão de Marcus Santaguita definitivamente à distância estratégica do legado de Milton Bigucci.
Desvios nas relações entre agentes privados e agentes públicos como o que se anunciou na semana passada são um golpe no conceito de meritocracia empreendedora. Empresários inescrupulosos que se metem corredores adentro e afora dos agentes públicos com poderes de decisão não podem ser colocados no mesmo nível de competitividade daqueles, em grande maioria, que seguem a obedecer às normas e regulamentações do setor.
Limites diplomáticos
O estilo diplomático coloca Marcus Santaguita muito próximo de uma relação sempre improdutiva com Milton Bigucci. Dois anos depois de tomar posse e de algumas decisões importantes, entre as quais o fim das mentiras estatísticas especulativas do antecessor, Marcus Santaguita parecia ter chegado ao esticamento de corda possível. A decisão de colocar o escândalo na pauta da reunião representa um suspiro importante para deslocar o eixo de preocupação a outros temas. A submissão velada de Santaguita e Milton Bigucci parece idiossincrasia.
Quem imaginou que tudo estaria se encaminhando para a manutenção de um relacionamento senão submisso mas longe do rompimento que determinaria nova ordem para valer no mercado imobiliário da região talvez esteja enganado. O resultado da reunião de hoje e os próximos passos de monitoramento de informações junto à força-tarefa do MPE e da Policia Civil vai colocar mais luz onde ainda há sombras.
Resta saber até que ponto há entre os implicados no escândalo gente da diretoria, do Conselho Deliberativo e também associados do Clube dos Construtores.
Sei que sei porque leio tudo sobre o assunto (e quase nada sobre o assunto consta da pauta da mídia regional, porque o setor imobiliário é poderosíssimo também em manietar o jornalismo) que há um movimento ainda maior no Ministério Publico Estadual instalado na região determinado a acabar com a farra do boi do mercado imobiliário, considerado as empreiteiras urbanas do mercado negro de votos. A operação São Bernardo seria a primeira a devassar as vísceras do setor em combinação com os bandidos sociais que atuam nas esferas públicas municipais.
Rompendo com o passado
Por essas e por outras, a postura do presidente Marcus Santaguita deverá divergir profundamente do passado do então presidente Milton Bigucci. Há quem entenda que Santaguita deveria chutar a porta da acomodação corporativa e, com o apoio de dirigentes do setor e um arrazoado preparado por profissionais do Direito, investir para retirar o segredo de Justiça das investigações.
A iniciativa teria muito mais peso que a anunciada pretensão nesse sentido do vereador Julinho Fuzari, adversário político do prefeito Orlando Morando. O mesmo Fuzari em quem não deposito confiança porque, ao tomar conhecimento do caso envolvendo as falcatruas que limparam o terreno para a construção do empreendimento Marco Zero, da MBigucci, tomou iniciativa semelhante mas depois, estranhamente, sumiu do mapa de indignação.
Quem já preparava baterias para condenar o que seria o silêncio envergonhado, cúmplice, desinteressado, omisso ou simplesmente macunaímico do Clube dos Construtores no escândalo denunciado pela força-tarefa ficará surpreso com a medida anunciada pelo presidente Marcus Santaguita. Resta saber se o encontro dos dirigentes da entidade nesta noite contribuirá para valer para dar mais transparência às investigações.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!