Sociedade

Região perde riqueza com
Cavaleiros do Apocalipse

DANIEL LIMA - 10/01/2018

Recorro à metáfora bíblica (espero que os crentes não me tratem como herege, porque tudo não passa de analogia jornalística, por assim dizer) para tentar explicar as razões principais que levaram a Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC, a mergulhar numa sucessão de quedas do PIB (Produto Interno Bruto) entre 1970 e 2015, período no qual desapareceram 59,30% da participação relativa da riqueza regional no PIB Nacional. Os leitores teriam uma ideia de quem seriam os quatro Cavaleiros do Apocalipse da região? 

Vou tentar reproduzir em forma de síntese uma montanha de informações e conhecimentos agregados ao longo de décadas de jornalismo para, sem grandes pretensões além do pragmatismo, expor as razões que nos levaram ao estágio atual. Afinal, quem são mesmo os quatro Cavaleiros do Apocalipse?

 Peste – Representada pelo ativismo sindical em descompasso com a modernidade e comprometido apenas com o corporativismo autista e o partidarismo político. 

 Guerra – Representada principalmente pelo período de oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002. Promoveu-se sangrenta descentralização industrial que liquidou com as empresas familiares já estranguladas por longos anos de asfixia sindical. 

 Fome – A introdução do Rodoanel na logística da saturadíssima Região Metropolitana de São Paulo enterrou de vez as pretensões de recuperação da economia regional, isolada do processo produtiva da metrópole. 

 Morte – Representada pela incapacidade de a região honrar a própria especificação de área conurbada ao transformar o potencial de regionalidade em prática provinciana, divorciada do mundo competitivo. 

Notaram os leitores, também consumidores e eleitores, quando não contribuintes e raramente participantes do jogo institucional da região, o quanto o resumo dessa ópera abarca outros ramais à compreensão de termos somado em 2015 (últimos dados disponíveis) apenas R$ 111 bilhões de PIB enquanto, se tivéssemos mantido a participação dos anos 1970, chegaríamos próximos a R$ 288 bilhões? 

 A Peste sindical

O mais longevo, persistente e destrutivo cavalheiro do Apocalipse regional segue incensado pelo fanatismo ideológico que tem como contraponto a omissão generalizada de quem está do outro lado, do lado do conjunto da sociedade. O sindicalismo lançado a ferro e fogo por Lula da Silva no final dos anos 1970 trabalhou sempre com o mote de que dignificou o profissional de chão de fábrica. O tempo, entretanto, o transformou em empecilho ao desenvolvimento econômico. Protegidos pelas benesses às montadoras de veículos, principalmente, os trabalhadores formam uma elite da mão de obra regional que, entre outros efeitos deletérios, inibe os demais setores, quando não o levaram à evasão ou à desativação. Os chamados comitês de fábricas asseguram o controle da produção e do ambiente no chão de fábrica. São uma centena de grandes e médias indústrias sob o jugo sindical. Há apenas um aparente amadurecimento nas relações entre capital e trabalho. No fundo, o que persiste é uma atmosfera de coerção permanente, imposta pelos representantes sindicais que não fazem outra coisa nas fábricas senão tentarem salvar os próprios empregos em detrimento da produtividade indispensável no mundo moderno. 

 Guerra Fernandohenriquista

Não se discutem os benefícios do governo de dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso em termos nacionais. Para a Província, as regras estabelecidas, de entrega do carteado de competitividade às montadoras e aos sindicalistas, em detrimento das pequenas empresas, provocaram necessária mas apressada quebra do estoque de trabalhadores industriais. As medidas afetaram intensamente a sociedade regional em forma de empobrecimento e dificuldades de reposicionamento produtivo no jogo econômico. Levas de demitidos foram atiradas as feras da sobrevivência em forma de empreendedores despreparados e autofágicos. Fernando Henrique Cardoso abriu de vez as porteiras alfandegárias destrambelhadas em processo iniciado por Collor de Mello. Oxigenou por algum tempo o ambiente de produção no País, mas a preço alto demais.  

 Morte da Logística 

O trecho sul do Rodoanel, inaugurado em 2010, oito anos após a festa de lançamento do trecho Oeste, que tem Osasco como principal endereço municipal, é um atentado contra a economia e a sociedade da região. Viramos sobretudo um corredor privilegiado à Baixada Santista ou ao outro lado da Região Metropolitana, que cresceu acima do PIB Nacional. Ainda há analfabetos econômicos e otários políticos que levam a sério uma bobagem histórica alardeada pelo governador do Estado, Geraldo Alckmin, de que a região “é a esquina mais importante do Brasil”. Pura balela. Todos os estudos provam e comprovam que antes da construção, durante a construção e após a construção do trecho sul do Rodoanel, a Província foi atropelada pelo trecho que serve a Osasco e vizinhança, e também à Baixada Santista. Santo André começou a morrer no setor industrial quando a Anchieta foi inaugurada e tudo se agravou com a chegada da Imigrantes. A Avenida dos Estados, então centro do mundo logístico regional, virou o que todos sabem o que é. O trecho sul do Rodoanel é um presente de grego à região. O traçado protetor ambiental restringiu a apenas três escassos pontos a conexão com franjas territoriais da região. Todos sofrem duramente com a fratricida logística interna, agravada pelas facilidades distribuídas ao mercado imobiliário. 

 A Peste do Provincianismo

O pressuposto visceral de que sete municípios cujas divisas geográficas são identificadas apenas por especialistas obrigaria a região a ser o que não jamais foi, ou seja, uma região, uma megacidade de quase três milhões de habitantes. Falta institucionalidade para conjugar com práticas cooperativas o verbo participar. A falência de sete partes que preferem a divisão à multiplicação, a individualidade à cooperação, está consolidada no histórico do Clube dos Prefeitos, agora sob o controle dos tucanos eleitos no ano passado. Prefeito Orlando Morando à frente, a entidade não faz nada além de destruir o pouco que ainda restava de ensaio de regionalidade no campo econômico. Chegou-se a tal ponto que a expressão “Sociedade Organizada” reveste-se de anedota que poucos ousam pronunciar, tamanha a desfaçatez e alienação.  Encontrar uma instituição comprometida para valer com qualquer ramal que tenha a regionalidade como fonte de inspiração e transpiração é prestidigitação. E as individualidades intelectuais estão sufocadas, praticamente isolados e em silêncio, temerosas de retaliações de mandachuvas e mandachuvinhas que lutam para manter tudo como está, porque têm posições estratégicas nada republicanas para usufruir do que restou de riqueza que se esvai a cada temporada. 

Quatro cavaleiros anteriores

Em março do ano passado escrevi um artigo (“Conheça os quatro Cavaleiros do Apocalipse desta Província”) semelhante ao de hoje. Fiz uma sutil revisão conceitual que explico amanhã. O comportamento regional não é algo que deva ser protegido, a salvo de eventuais mudanças. No fundo, o que difere este artigo do anterior, de quase um ano, não passa mesmo de nomeação dos vetores-chave e do senso de oportunidade que emergiu com os números do Produto Interno Bruto.  á A essência praticamente não se alterou. Prevaleceu a semântica.  



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