Se fosse esse agregado que forma a maioria nacional em representatividade social certamente não teria sido equivocadamente (para dizer o mínimo) condenado pelo juiz Jarbas Luiz dos Santos, da 3ª Vara Criminal de Santo André. Todos sabem que ganhei uma sentença de prisão como prêmio por revelar verdades inconvenientes sobre o mercado imobiliário então manipulado por Milton Bigucci, empresário metido na Máfia do ISS de São Paulo, entre tantos delitos apontados pelo Ministério Público Estadual. Como sou branco, heterossexual, classe média e apartidário, pertenço a uma maioria que, sem representatividade, porque individualista, se torna minoria no jogo de pressões e contrapressões de uma democracia em construção.
Nada pior neste País do que ser isoladamente negro, pobre e homossexual. Mas quando se juntam todas essas peças de pretensas inconformidades tendo o partidarismo político como amálgama, eis que o milagre não só da compensação, mas de privilégios, se consuma. O que era discriminação passa para o terreno fértil da cidadania sem grandes questionamentos.
É claro que os leitores já sacaram que faço uma analogia situacional de meu caso de jornalista que defende diariamente os interesses da sociedade desta Província com a morte da vereadora Marielle Franco, anunciada defensora dos Direitos Humanos. Não temos nada em comum, exceto vocação à provocação no sentido de inconformismo de ser.
Generosidade punida
De resto, Marielle Franco condensava um caminhão de vantagens sobre mim. E uma grande locomotiva de desvantagem: só não me executaram fisicamente ainda, apesar de ameaças veladas. Já tentaram me assassinar moralmente.
A sentença do meritíssimo faz parte do enredo de horrores que ameaça a liberdade de opinião fundamentada. Ele preferiu me condenar E encaminhar provas de que esta Província é um antro de bandidos sociais. Qualificar uma entidade de mequetrefe e chinfrim é um ato criminoso, segundo a avaliação do meritíssimo. Fui generoso demais no exercício de levar à sociedade o que temos de trambiques institucionais. Ou não é trambique institucional uma entidade de classe que mente para os consumidores de informações?
Antes que me acusem de discriminar as minorias convencionais embutidas no perfil de Marielle Franco (as redes sociais são formadas por gente barulhenta que vai muito além das próprias limitações, e também por gente, mesmo minoritária, mais brilhante e mais discreta) quero dizer que o que pareceria pejorativo ou discriminatório é de fato, para valer e insofismavelmente, uma constatação.
Ser pobre, preto e homossexual é uma pedreira num País de tantas desigualdades. Mas significa reviravolta espetacular quando se introduz no perfil a categoria de político, sobretudo de político de esquerda, de defesa dos Direitos Humanos. Aí, o que é um suposto somatório de desvantagens se consolida como associação de vantagens. Mesmo e paradoxalmente em situações como a do assassinato de Marielle Franco: a covardia dos assassinos fortalece os laços dos agrupamentos de excluídos e rejeitados engajados no campo político partidário.
Maioria vira minoria
Não conheço nenhum movimento que represente em conjunto a classe média, os brancos, os heterossexuais e os não-partidários. Somos maioria na sociedade em dois desses quesitos -- a sexualidade e o desinteresse por partidos políticos. A maioria da população brasileira é comporta por camadas menos aquinhoadas financeiramente e conta com negros e pardos em proporções prevalecentes.
Integrar a minoria de representatividade (que é diferente de representação) na sociedade tem um custo bastante elevado em relação à comissão de frente, à bateria, ao abre-alas e a tudo o mais de grupos organizados.
O meritíssimo de Santo André que me condenou em sentença estapafúrdia, coalhada de meias verdades e inverdades inteiras, não teria tanta facilidade ambiental se grupos organizados de homossexuais, pobres, negros e partidários vestissem a camisa de um jornalista engajado.
Já imaginaram a repercussão da prisão que o meritíssimo decretou e a segunda instância quase consolidou? Como mandar prender alguém que representa tantas minorias e tantos discriminados sociais num bloco sólido de representatividade?
É exatamente o que faço diariamente, mas sou branco, heterossexual, classe média e apartidário. Sobretudo apartidário. Ou seja: não tenho padrinho político (que cobra preço para tanto) a me fortalecer nos tribunais sempre sujeitos a pressões e contrapressões.
Sindicato enviesado
Nem mesmo a tutela do direito de liberdade de expressão, da liberdade de opinião, sob o guarda-chuva do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, entrou na rota de defesa deste profissional, assim como de tantos outros que, igualmente, não pertencem oficialmente ou não a partidos de esquerda.
Sim, o Sindicato dos Jornalistas é um ancoradouro político-partidário que não está nem aí com os profissionais alheios às causas sociais arbitrariamente definidas. Como se tivessem, os esquerdistas, o monopólio da pauta de justiça social. Como, também, sou órfão de organizações de direita, menos preparadas a combates ideológicos e muito mais vinculadas ao pragmatismo capitalista que não dá muita trela a determinados conceitos (não é verdade, mercado imobiliário?) fico a ver navios. Ou grades.
Num País de desigualdades iníquas, a linguagem de vitimização em nome de terceiros, mas de usufruto de benesses capitalistas escondidas das manchetes, é o que interessa. Pouco importa aos profissionais do ajuntamento de supostas minorias a movimentação de peças da cadeia de suprimento da democracia quando essa operação envolve minorias de fato, ou seja, fora do espectro da massa doutrinária de representatividade.
A cor da pele, o tamanho da conta bancária, a geografia e a morfologia física da residência e o distanciamento do esgoto da política partidária que contamina muitas instâncias de poder pesam sobremodo como passivo em situações excepcionais como a prática da liberdade de opinião. Perdem-se aliados. Multiplicam-se adversários.
Sobretudo adversários de perfil socioeconômico assemelhado, porque são esses que dominam os cordéis que historicamente conduziram o País ao encalacramento fomentador da mutua-aproximação pontual ou estrutural dos deserdados ou excluídos, casos de negros, pobres, homossexuais e integrantes de partidos políticos autodeclarados socialistas.
Leituras apressadas
Sei que alguns idiotas de redes sociais vão utilizar honestidade intelectual de delinquentes para descredenciarem o contraponto entre minha situação judicial e a morte de Marielle Franco. Talvez somente num desdobramento com que não conto jamais, mas contra o qual tomo precauções, esses bestalhões se dessem conta de que, guardadas as devidas proporções, há similaridade das situações.
O que pretendo dizer é que não existe particularismo nesse quadro. A ameaça à liberdade física e à liberdade de expressão se estende a todos os representantes da população, independentemente de serem negros, pobres, homossexuais e partidários. Marielle Franco não morreu por ser o somatório dessas especificidades. Morreu porque era uma ativista social com vieses que não interessavam a forças antagonistas. Minha condenação tem tudo a ver com um ativismo social que não agrada a mandachuvas e mandachuvinhas.
A repercussão do assassinato dá-se porque o engajamento político-partidário e o contexto de federalização da segurança pública na Capital do Marketing da Espetacularização do País possibilitaram oportunidade especialíssima entre o sentimento de indignação e a fome pelo sensacionalismo dos meios de comunicação, muitos dos quais em busca de salvo-condutos ou remissão de pecados.
Peso provincial
Por isso, ser branco, heterossexual, apartidário e classe média numa Província como o antigo Grande ABC constituem fatores depreciativos no jogo jogado por profissionais da inquietação sincera ou manipulada com o momento em que vive o País. O espectro antagônico, ou seja, de pobres, negros, homossexuais e partidários numa região provinciana, reuniria forças suficientes para reagir coordenadamente a ataques contra tudo que entender como prática repulsiva à democracia. Caso de uma sentença judicial constitucionalmente insustentável.
Tenho três vertentes à disposição para me aproximar da minoria que de fato é maioria em representatividade. A arvore genealógica me confere uma bisavó flertando com a cor escura; para virar pobre basta gastar sem cerimônia tudo que ganhei durante uma vida inteira; e uma filiação partidária é barbada: basta aceitar tantas que já me propuseram. A quarta porta de entrada no grupo vai exigir muito mais. Seria como trocar de time pelo qual a gente torce desde criancinha.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!