O Sesi de Diadema, em atividade desde janeiro último, é prova de que nem tudo está perdido no Brasil. Instalado numa das regiões mais carentes da Grande São Paulo, o Jardim Campanário, e envolto por núcleos favelados, o Sesi está ajudando a alterar uma realidade intrinsecamente de violência e de exclusão econômica e cultural. Numa iniciativa inédita em relação aos demais CATs -- Centros de Atendimentos -- plantados em todo Estado, a unidade de Diadema está voltada principalmente à comunidade que a cerca. Acessoriamente dirige-se aos interiores das empresas. E os resultados são no mínimo emocionantes.
A diretora Miriam Ferrari tornou o Sesi de Diadema patrimônio comunitário. O conjunto, inaugurado em novembro do ano passado, está impecavelmente limpo e conservado. Não há pichação em qualquer parede ou porta. O piso não denuncia sequer toco de cigarros. A ordem predomina. Tudo isso se torna ainda mais relevante, em contraste com a comum depredação de prédios escolares da periferia, quando se descobre que o Sesi não tem muros, que só agora começam a ser erguidos.
É preciso ver para acreditar. Parece um santuário em área potencialmente destrutiva. Mas nos primeiros tempos não foram assim. Havia invasões, depredações, violência. Todo o caldo de cultura da marginalidade. Foi então que Miriam Ferrari decidiu agir. Educadora e missionária da paz, Miriam foi às lideranças dos favelados. Pedagogicamente mostrou-lhes a importância da instituição que dirige. Transmitiu confiança, respeito e carinho. Ganhou a comunidade definitivamente quando a tornou parceira na grade de programas. Montou um Conselho Consultivo para decidir muitos pontos importantes do leque de serviços que o Sesi poderia oferecer. A maioria é composta por lideranças da comunidade ao lado. Gente com tamanha influência que fez desaparecer qualquer lance de animosidade e transgressão.
As bolas de futebol já não somem mais como nos primeiros tempos. Mais exemplos não faltam do quanto essa parceria é estrondoso sucesso. Já são nove mil associados dessa que é a única unidade do Sesi em Diadema. Miriam diz que 70% são dos núcleos de favelas. Eles são os grandes responsáveis pelas atividades. Os índices de demanda por livros da biblioteca podem revelar a temperatura das transformações. Em janeiro, primeiro mês de atividades do CAT, foram apenas 36 cessões. Em agosto saltou para 1.430 os volumes que deixaram o acervo de seis mil títulos, levados pelos consulentes, na maioria jovens consumidores de pesquisas escolares e literatura infanto-juvenil. A motivação à leitura é permanente com o lançamento de novos títulos. A direção do Sesi de Diadema ainda não levou autores para rodadas de autógrafos, mas a presença de representantes de editoras já é rotina.
Criaram-se também, sempre em conjunto com a comunidade, cursos de artesanato, corte e costura, pintura, bordado e embalagens, inicialmente excluídos da programação. A proposta foi de um conjunto de mulheres até então ociosas, mas ávidas por atividades que lhes garantissem aumento da renda familiar geralmente abalada pelo enxugamento do emprego industrial.
Crianças, jovens e adultos têm a mesma importância -- garante Miriam. Tanto que há dois grupos de corais. Um é formado por meninos e meninas do Primeiro Grau do Centro Educacional do Sesi, instalado em prédio anexo e na mesma área de 53,5 mil metros quadrados. O outro é destinado à turma da Terceira Idade, a maioria mulheres. Elas estão inquietas com a disponibilidade de tempo inútil dos maridos e querem levá-los aos ensaios, mas para isso há necessidade de transferência da programação para o período noturno. O reforço de vozes masculinas também daria nova característica ao grupo.
A natural agressividade infantil de quem mora em condições de baixa qualidade de vida está sendo equilibrada com curso de judô, que já conta com 162 participantes. É comum nas unidades do Sesi espalhadas por meia centena de Municípios paulistas a preferência por xadrez. A conhecida terapia tranquilizadora do judô é mais valiosa em Diadema, Município construído às pressas por fortes correntes migratórias em busca de melhoria econômica.
As meninas com sonhos de brilhar nas passarelas, como as modelos que costumam ver na televisão, ao menos ganharam a oportunidade de lapidar eventual talento, porque o Sesi do Jardim Campanário realiza curso de manequim. Há fila de espera. Como em outros, onde se aprende voleibol, natação, basquete, ginástica, mantidos em parceria com a Prefeitura, que coloca instrutores especializados.
Um domingo por mês o Sesi abre as portas a toda comunidade, independentemente de carteirinha de associado, e promove baterias de ginástica. A afluência surpreende. A primeira festa junina, realizada num único dia, indicou que a do ano que vem tem de ser mais ampla. Organizada pela direção do Sesi e pela comunidade, a programação reuniu quatro mil pessoas e garantiu recursos financeiros que foram traduzidos em material de divulgação das atividades. A unidade, que deveria funcionar entre 12h e 21h30, antecipou o funcionamento para as 8h, de forma a compatibilizar a demanda.
E haja espaço, porque a nova proposta de Miriam Ferrari, sempre ouvindo o Conselho Deliberativo predominantemente integrado pela comunidade, é oferecer mais um programa inédito no Sesi: o ensino básico de computação. Gestões já estão em andamento junto ao FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, organismo do governo federal, para obtenção de recursos. "Vamos ter de alugar imóvel nas proximidades para promover esse curso, porque não temos um centímetro quadrado de ociosidade" -- afirma.
A parceria com a Prefeitura de Diadema também é importante -- ressalta Miriam. Além de os cursos esportivos contarem com técnicos contratados pela administração pública, foi cedido o ônibus que garante aulas de corte e costura ambulantes. De segunda a quinta-feira o ônibus-escola visita um bairro do Município. Às sextas-feiras o veículo marca ponto pedagógico no CAT.
A diretora do Sesi de Diadema explica que teve de inverter a prioridade natural da instituição, relacionada ao atendimento dos trabalhadores das indústrias, porque o bom senso assim recomendava. A unidade deixou de ser um estranho no ninho de comunidades próximas e carentes para se transformar num centro gerador de autoestima e conhecimentos.
Exemplo emblemático disso é a transformação do ritual de uso do conjunto de piscinas. No começo, os usuários meninos, rapazes e senhores sentiam vergonha de usar sungas, por considerá-las pouco masculinas. Preferiam calções de atletas. Com vagar, entenderam que sungas são mais adequadas à piscina. O festival de sacolas de plásticos, dessas que qualquer loja utiliza para acondicionar produtos, foi substituído por mochilas adequadamente esportivas.
A vertente comunitária do Sesi de Diadema não implica em desinteresse à missão original de incursionar pelas empresas. Tanto que vem desenvolvendo vários projetos. Cursos de prevenção de acidentes no trabalho, ginástica laboral e competições esportivas entre trabalhadores já deslancham.
O CAT de Diadema ganhou a denominação de José Roberto Magalhães Teixeira, ex-prefeito de Campinas recentemente morto, e conta com um Centro Educacional anexo com capacidade para atender 850 alunos da Primeira à Oitava Séries, um Centro de Educação Infantil com 300 crianças na Pré-escola e Jardim da Infância, além de Supletivo e Telecurso de Primeiro e Segundo Graus, que totalizam 800 alunos. Fora dos limites físicos do CAT e dos dois centros educacionais, funciona o terceiro vértice do Serviço Social da Indústria em Diadema, também voltado à área educacional. São 1,2 mil alunos da Primeira à Oitava Séries e Supletivo, de manhã, à tarde e à noite. Os alunos também utilizam os espaços do CAT e participam do Conselho Consultivo. Uma usina de cidadania e participação.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!