Acabou mais um Clube do Bolinha na face da Terra. E foram os próprios conselheiros que indicaram e elegeram, mês passado, a professora e advogada Lúcia Vezzá para assumir a presidência do Pan WD - Panelinha, tradicional clube de Santo André que completou em 1997 meio século de fundação, sempre comandado por homens. Quando fala no Panelinha, Lúcia é toda sorrisos, os olhos brilham e o astral sobe. Aos 63 anos saboreia mais essa conquista, ela que derrubou tabus desde jovem ao criar quatro filhos pequenos logo após um casamento mal sucedido na década de 50, quando emancipação feminina sequer era murmurada. E para mostrar que continua afiada na subversão de costumes, já promoveu o primeiro baile sob seu comando, a Noite Caribenha, no final de março, algo que há muito não acontecia nesse fechado espaço frequentado pelos quatrocentões de Santo André.
Lúcia sempre viveu intensamente o Panelinha. Ela entra na máquina do tempo e aperta o botão stop no ano de 1947. Começa a desfiar a história do clube do coração, que é a cara da família Vezzá. A trajetória do Panelinha começa com pequeno grupo de jovens, entre 14 e 16 anos: Aurélio Leonardo Vezzá (irmão de Lúcia), Dino Vezzá, Sérgio Guazzelli, Ronald Magini e Rubens Awada, o Bimbo. Os garotos treinavam basquete no clube da Rhodia, mas na hora de jogar não saíam do banco de reservas. "Foi então que surgiu a idéia de formar um time juvenil, com a intenção de participar de jogos amistosos" -- recorda ela.
Em julho de 1947, inscreveram-se para o campeonato promovido por A Gazeta Esportiva, mas não foram aceitos. Motivo: o nome Panelinha não foi aprovado pelos organizadores. Pensaram, então, em Clube Pan, mas já havia o time da Chocolates Pan. "Sem tempo hábil, os rapazes aproveitaram algumas camisas esportivas com as iniciais WD, que haviam ganho, e a insistente equipe inscreveu-se como Clube Pan WD - Panelinha" -- lembra.
O clube foi fundado com sete sócios em 7 de julho de 1947. A primeira reunião (e outras mais) aconteceu na sobreloja da Casa do Povo, de Elias Aron Awada, irmão de Bimbo. Pouco tempo depois, o Pan WD estava com 13 sócios. Mais adiante, as reuniões começaram a ser realizadas na casa de Nelo e de Lúcia, com direito a cafezinho e bolo feitos por dona Maria Vezzá. Em 1957, os dabliudenses começaram a pensar na sede própria, sob a presidência de Dino Vezzá. Primeiramente, em 1958, foi construída a quadra de basquete, na sede da Avenida Portugal, 777. Em 1959, a quadra foi utilizada nos Jogos Abertos do Interior, sediados por Santo André.
"Mas, para construção das atuais dependências, era preciso arrecadar dinheiro. A solução foi a venda de rifas no Bar Quitandinha, na Rua Coronel Oliveira, point dos rapazes do Panelinha" -- não esquece Lúcia. Rifavam-se Volkswagens, na época badaladíssimos, adquiridos graças à ajuda do então prefeito Lauro Gomes, que, sempre com o inseparável charuto havana e imbatível vozeirão, pedia à eficiente secretária Rita Ângela Zincaglia: "Rita, telefona pra Volks e arruma os carros pros meninos!" E os meninos vendiam facilmente as rifas, porque não passavam de mil números e o Panelinha era avalizado por respeito e admiração na cidade. Vendidas as rifas, os meninos apressavam-se em pagar a Lauro Gomes.
O Panelinha iniciou o Carnaval de rua de Santo André. Era um pequeno bloco que, além de sair nas ruas centrais, com concentração defronte ao Quitandinha, visitava os salões dos clubes da cidade, onde era festivamente recebido. Por volta de 1960, teve início a famosa rivalidade entre Panelinha e Ocara, que recebiam pequena subvenção da Prefeitura. "Havia a preocupação de dar ao tema escolhido conotação sócio-cultural, envolvendo o trabalho incansável de associados e simpatizantes. Tanto assim, que com o tema Homens de Fogo o Panelinha conseguiu a instalação do Corpo de Bombeiros na cidade" -- conta Lúcia Vezza.
Polivalente, Lúcia também foi atriz amadora - no Grupo de Teatro Panelinha, sob direção do cunhado Roberto Caielli. Tornou-se conhecida no meio, o que lhe valeu a presidência da Feanta (Federação de Teatro Amador). Conseguiu autorização para sediar o Festival de Teatro Amador de Santo André na gestão do prefeito Fioravante Zampol. Na época, a coordenadora do CET (Conselho de Educação e Turismo) de São Paulo era a festejada atriz Cacilda Becker, que pediu a Lúcia local para alojar artistas e técnicos de todo Estado que participariam do Festival. Lúcia Vezzá entrou em contato com dona Nair Lacerda, que comandava o setor de Cultura da Prefeitura, e pediu, para alojamento, a Casa da Professora. "Tive como resposta: para pessoal de teatro, não!" -- relembra.
Lúcia fez então o pedido ao prefeito Hygino Baptista de Lima, de São Bernardo. Sem pensar duas vezes, Hygino convocou o arquiteto Toru Kanasawa, na época sócio de Tamires de Queirós e Jorge Olavo dos Santos Bomfim, e encomendou a reforma do Paço de São Bernardo. Nessa reforma, foi construído o teatro que, graças ao episódio e à indicação de Lúcia, leva o nome de Cacilda Becker.
Essa incansável mulher de mil e uma atividades é professora de geografia e ciências. Formou-se em Direito em 1964 e lecionou Direito e Legislação em cursos de Secretariado, trabalha o dia inteiro como advogada e ainda encontra tempo para ser mama amorosa de quatro filhos, genros, nora e 11 netos. Gosta de cozinhar a ponto de fazer diariamente o jantar para a família, pratica natação duas vezes por semana e faz caminhadas na Praça Kennedy às segundas, quartas e sextas-feiras de manhã. Às terças e quintas-feiras à noite tem aula de italiano e pelo menos uma vez por semana vai a teatro e a shows. E como ninguém é de ferro, uma vez por ano curte férias na Europa. Este ano, o roteiro escolhido foi a região do Reno, na Alemanha.
Ah! Sim, claro! As 24 horas do dia foram esticadas para poder cuidar bem do Panelinha. Está nos planos abrir o clube para o que chama de sócios-simpatizantes, que fariam crescer a base hoje restrita a cerca de 80 sócios-patrimoniais. Pela primeira vez em meio século, o clube abre o leque de contribuintes e disponibilizará sua invejável estrutura -- salões de festa e de esportes, piscina e restaurante -- a uma família mais numerosa. Coisas de mulher.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!