A marca em comum não se resume à apaixonante vivência esportiva e à desgastante dedicação ao ramo de panificação. Além de irmãos e sócios, Mendes e Isidoro se identificam pela simplicidade e pela espontaneidade de sorriso de quem está de bem com a vida. Vida que não lhes reservou o prazer constante de conquistas inesquecíveis como jogadores profissionais de Corinthians e Portuguesa, entre outros. Porém, mais importante, premiou ambos com sem-número de amizades. Por conta do futebol e das padarias, Sebastião Mendes Neto, 53 anos, e Isidoro Mendes, 47, têm o privilégio de colecionar amigos, espécie em extinção num mundo mais voltado para conquistas atreladas ao poder, desprezando-se um verbo mágico chamado respeitar.
Poder e respeito, por sinal, sempre foram muito bem administrados pelos irmãos. No ramo de panificação há mais de 20 anos, antes mesmo de deixar o futebol profissional, eles sabem o que significa lidar com o poder de patrão, se fazer respeitar sem atitudes extremas e ao mesmo tempo respeitar de maneira natural tanto o empregado quanto o cliente e o fornecedor. "O ideal é saber exigir sem chicote, com muita conversa e amizade. Por isso sempre nos demos bem. Tínhamos até time de futebol, emprestávamos carro e ajudávamos os empregados em caso de doença. É mais fácil conquistar com o sorriso do que com a espada" -- filosofa Mendes, ex-zagueiro de Corinthians, Portuguesa, Cruzeiro de Belo Horizonte, Remo de Belém do Pará, por quem foi campeão, Botafogo de Ribeirão Preto e São Bento de Sorocaba.
Hoje, além de sócio na padaria Nossa Senhora da Luz, na Vila Alice, em Santo André, Mendes gerencia os negócios da família -- locações de padarias e outros salões comerciais -- ao lado do cunhado Hilário da Rocha Lima. "Somos em seis na sociedade e tenho total confiança no gerenciamento do irmão mais velho. E olha que confiança é um dos principais itens para o sucesso de uma sociedade" -- afirma Isidoro, que jogou profissionalmente por 16 anos, dois deles no Criciúma de Santa Catarina e outros 14 na Portuguesa, pela qual foi campeão paulista em 73, naquele famoso título dividido com o Santos, por causa de um erro do árbitro Armando Marques na contagem dos pênaltis. "Por azar, nunca havia perdido pênalti, mas naquele dia o Cejas defendeu e ganhamos meio título" -- lembra Isidoro.
Além da confiança citada pelo irmão caçula, Mendes entende que outro ingrediente indispensável na receita do sucesso para o empresário de panificação é o trabalho ininterrupto, conjugado com boa administração. "Trabalhei direto nas nossas padarias -- 10, até hoje -- durante 11 anos, de segunda a segunda, sem férias, sem descanso nem em caso de doença. Na verdade, tínhamos dois descansos de meio dia por ano: no Natal e no Ano Novo" -- lembra o ex-profissional que hoje brinca nos veteranos da Portuguesa, no Aramaçan -- assim como Isidoro -- e no time dos juízes classistas. "Estou no segundo mandato como juiz classista, mas como representante do Sindicato da Indústria de Panificação, dos empregadores, e não como ex-atleta profissional, como publicou a revista Veja há pouco tempo. Fui indicado pelo Sindicato e nomeado pelo presidente do Tribunal" -- assinala Mendes, sem perder o sorriso, nem sempre característico de quem já entrou com a papelada para receber aposentadoria.
Hoje, Isidoro e Mendes jogam bola por prazer. Para quem conhece da matéria, nem mesmo o peso da idade -- e do corpo -- faz com que Isidoro deixe de desfilar técnica diferenciada no meio-campo. Admirador de Pelé, Zico e Ronaldinho, Isidoro trata a bola com intimidade, com carinho. Brinca com o mesmo respeito com que bate papo com os amigos. Da perna esquerda saem toques refinados, dribles curtos e desconcertantes, passes de classe e enfiadas de bola dignas de craques, além de cobranças de falta invariavelmente traumáticas para os goleiros. Ao contrário de Isidoro, que começou na zaga e virou armador, o aplicado Mendes sempre atuou de central e lateral-direito -- isso no Corinthians, onde uma vez foi vítima dos dribles estonteantes do ponta-esquerda Edu, do Santos. Pouco diante do que passou ao peitar a genialidade de Pelé e do argentino Di Stéfano, do Real Madrid da Espanha.
Nascidos em São Paulo, na Vila Prudente, mas adotados por Santo André no final da década de 70, os irmãos canalizaram os frutos do futebol e plantaram as sementes que mais tarde significariam novos dividendos no ramo de panificação. Também aí, ao contrário da maioria dos jogadores de futebol que fazem algum sucesso, os irmãos usaram a inteligência e fizeram sucesso. Mantiveram a humildade, cultivaram o respeito, ganharam novas amizades e brilharam como empresários, embora hoje vivam mais das rendas de locação dos imóveis da Portugal e da Lino Jardim, do Bairro Campestre, de Camilópolis e da Avenida Valentim Magalhães. Áreas que comportam ampliação e fazem com que a dupla não descarte a possibilidade de um dia voltar a exercitar com sabedoria o dom de formar a freguesia das padarias.
Padarias que devem ter no pão o grande cartão de visitas, segundo Mendes, que inclusive dá a receita ideal. Não do pão, mas da boa padaria: "Bom atendimento, qualidade de produtos e serviços, higiene e respeito são essenciais. O cliente vem para comprar pão, por isso precisamos ter um bom padeiro, mas depois a padaria acaba virando ponto de encontro, onde se discutem futebol e política, onde se toma chope e se fecham negócios. Muitas vezes, as mesas da padaria têm tanta papelada que parecem escritórios de negócios. E todos podem evoluir, até os mais antigos, pouco preocupados com os bons cursos que existem"-- alerta Mendes, que -- dizem -- fala mais, mas joga menos do que Isidoro. Na simpatia, na amizade, na aplicação e na responsabilidade profissional, com certeza formam dupla de referência para empresário de qualquer segmento. Não importa se do pão ou da bola.
Pão e bola que não dão liga nem fazem tabela, embora estejam na mesa da maioria dos brasileiros, principalmente em ano de Copa do Mundo, para a qual os irmãos não levariam o polêmico Edmundo. "Prefiro o Muller, do Santos, que joga mais para a equipe, é menos individualista e não causa tantos problemas. O Edmundo pode chegar numa final de Copa, ser expulso e colocar tudo a perder. Também é bom ficar de olho no Júnior Baiano" -- alerta Mendes, para quem Zagalo é o técnico ideal para a Seleção Brasileira e Oto Glória foi o melhor com quem trabalhou. Isidoro também confia em Zagalo e cita Cilinho como melhor treinador com quem conviveu.
Sobre o melhor jogador do mundo em todos os tempos e que país vai ser campeão do mundo, a sintonia fina de Mendes, que tem três filhos, e Isidoro -- dois filhos -- não poderia falhar. Na troca de olhares e sorrisos, os nomes de Pelé e Brasil ecoam uníssonos. Como se ambos, hoje de cabelos brancos, ainda estivessem atrás de um balcão de padaria ou na zaga do bom time da Portuguesa de 1974: Zecão (Miguel); Cardoso, Mendes, Calegari e Isidoro; Badeco e Basílio (Dicá); Xaxá, Enéas, Cabinho e Wilsinho. Quanto às padarias, só falta uma para completar o time. Já os amigos, para felicidade de ambos, formam times, com reservas, em todas as categorias.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!