Muitos dizem que suas mãos são mágicas. Não têm o poder de Midas, rei que transformava em ouro tudo o que tocava. Mas talvez a magia do conhecidíssimo Lindão seja ainda mais importante. Há quase meio século ele faz a tristeza dar lugar à alegria, a dor ser substituída pela vida saudável. Não faz milagres, mas verdadeiras mágicas com massagens que há alguns anos chegaram a atingir número estratosférico de 300 por dia, o que daria 30 por hora e uma a cada dois minutos em se tratando de alguém que trabalhasse 10 horas por dia. Hoje, principalmente devido ao grande número de massagistas e clínicas de fisioterapia, seu Florindo Galhardo atende a cerca de 80 pacientes por dia, mais de mil por mês.
Numa travessa da Avenida Itamarati, no Bairro Curuçá, em Santo André, Lindão não tem sossego. Às segundas, quartas e sextas-feiras, o fã do ex-presidente da República e hoje senador José Sarney -- "Ele fez muito pelos aposentados" -- convive com lágrimas e dores. Problemas relacionados ao nervo ciático são os mais comuns, mas suas mãos deslizam e conhecem articulações de joelhos, tornozelos, punhos e ombros com a mesma facilidade com que detectam a causa daquela famosa dorzinha nas costas que castiga 80% da população brasileira. Distensões musculares, torções e fraturas também não escapam do seu olhar clínico.
Fraturas que marcaram seus primeiros passos -- ou seus primeiros toques de magia -- aos 14 anos, na interiorana Jaú, onde nasceu. "Aprendi com uma médica napolitana que fazia encanamento de ossos com taquara, uma espécie de bambu, e tudo ficava perfeito" -- lembra o massagista, que veio para Santo André com 22 anos. Por 20 anos, manteve o sonho de infância, mas procurou conciliá-lo com o ofício de carpinteiro na Rhodia Têxtil. "Eu era carpinteiro durante o dia e depois ficava até uma hora da manhã fazendo massagens e colocando ossos no lugar" -- lembra esse palmeirense que gosta de trabalhar ouvindo música sertaneja e que por muito tempo jamais cobrou um tostão pelos serviços prestados à comunidade. Colaborava financeiramente quem queria, sem importar o valor.
Quando deixou a Rhodia, há 46 anos, Lindão passou a dedicar-se exclusivamente às massagens, que começaram a ganhar fama e respeito nos anos 50, quando ganhou o apelido meio por acaso. "Eu estava passando perto de um campo de futebol aqui no Parque das Nações, quando um jogador se machucou. Começaram a gritar desesperadamente e alguém me reconheceu, mas em vez de chamar Florindo gritou Lindão. Nem me lembro direito o que o rapaz tinha, mas coloquei tudo no lugar e ficou tudo bem" -- lembra o homem que já curou muita gente.
Gente do povo, políticos, advogados, professores, dentistas e muitos atletas -- profissionais ou apenas de final de semana -- procuram Lindão até hoje como tábua salvadora de problemas clínicos que vão desde dores abdominais até lesões graves. Ele prefere não revelar nomes, mas diz que já cuidou de muita gente famosa, mesmo sem nunca ter feito um curso sequer. Para Lindão, sempre bastaram os ensinamentos pinçados com sabedoria e persistência da própria vida. Também aprendeu um pouco por meio de livros que hoje estão com a filha Maria Aparecida, formada em Educação Física. "Aprendi mesmo de tanto mexer daqui e dali. Imagine quantos bicos-de-papagaio e quantos nervos e músculos já não passaram pelas minhas mãos. Só poderia mesmo aprender, sem necessidade de cursos especiais. Mesmo porque, antigamente não havia nada disso. Sempre prestei muita atenção no que a doutora fazia em Jaú. Isso foi importante" -- lembra Lindão já sem demonstrar tanta paciência com o repórter ao perceber que o número de pacientes já era grande às 9h da manhã que antecedia ao jogo do Brasil contra a Dinamarca, pela Copa do Mundo.
A magia das mãos de Lindão sobre os pacientes parece ser a mesma que os chaveiros exercem sobre esse homem de 74 anos. São 37 anos de um hobby que lhe rendeu mais de seis mil chaveiros. Diferentes, multicoloridos, raros, belos ou simples, todos são dependurados com cuidados especiais e uma dose exata de fascinação.
O destaque vai para as lembranças de clubes. "Tenho de todos os times do Brasil e alguns estrangeiros. São chaveiros japoneses, italianos, ingleses, de todo lugar. O primeiro foi um cavalo marinho. Esse eu guardo com muito carinho" -- conclui Lindão. Apressado, mas sem antes observar de forma discreta e educada. "Preciso atender o pessoal. Dá pra gente parar por aqui?". Como nos bons tempos, já havia fila à espera da magia de um homem despojado de vaidade, que dispensa rótulos e cultiva amizades sem escolher camadas sociais.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!