Sociedade

Câmeras, luzes...
Globalização

MALU MARCOCCIA - 05/08/1998

Dona Giulia vive às voltas com quilos de mussarela estragando e pouco movimento na pizzaria. Lança olhares invejosos ao entra-e-sai de clientes na vizinha sapataria do sr. José, famosa no bairro pela qualidade dos serviços, bom relacionamento dos funcionários e cortesia no atendimento. Ele está sempre buscando novidades e fala com frequência em investimentos. Já Dona Giulia -- pobre Disque-Pizza! -- centraliza tudo, não motiva funcionários, atende mal ao telefone e não exerce qualquer controle sobre o estoque. Haja promoção para desovar a mussarela...

Dona Giulia e sr. José são personagens criados pelo grupo de treinamento e eventos Seção D+ e nada têm de ficção. Retratam com fidelidade o novo e o velho na gestão de negócios e do mundo do trabalho, mas usam linguagem inovadora para trazer para dentro das empresas a nova ordem econômica da globalização: o teatro. A técnica teatral se esparrama por organizações que buscam formas extrovertidas de administrar as mudanças de processos e de adaptação dos funcionários aos novos tempos. Geralmente bem humorados, os espetáculos são montados nas próprias empresas, com frequência envolvem os funcionários nas performances dos atores profissionais e registram alto grau de receptividade. 

"Foi uma surpresa o resultado apurado pela Almap sobre as formas de veiculação utilizadas pela Volkswagen no programa Política de Qualidade: o teatro teve entre 90% e 95% de aceitação diante de outros meios como cartas, reuniões, murais e filmes" -- comenta o escritor teatral Wilson Alves, diretor da WOD Eventos Empresariais, de Santo André, que levou a peça Questão de Qualidade durante dois anos, entre 1995 e 1996, aos mais de 30 mil funcionários das fábricas da Volks na Anchieta e em Taubaté e ao escritório no Bairro do Jabaquara, na Capital. "A imagem geralmente sensibiliza mais do que cartilhas com informações técnicas. O visual, com mensagem bem trabalhada, é mais impactante" -- acrescenta Sandra Lustosa Tambara, da Seção D+, que realizou mais de 100 apresentações no primeiro semestre deste ano. Entre os clientes no Grande ABC figuram empresas como Basf, Uemura, Cofap, Colégio Rio Branco, Nakata, Scania e Prensas Schuler. Dona Giulia e sr. José protagonizam a peça Não Cochile Senão o Cliente Foge.

Sob medida -- Atores, figurinos, cenários e texto são montados conforme a idéia que se quer propagar. Seo Desperdício, Dona Produtividade, Zum Zum Bagunça e Q-Distraído são alguns dos personagens símbolos. Segurança no trabalho, ISO 9000, qualidade total, prevenção de acidentes, 5S e preservação do meio ambiente são temáticas líderes na procura. Geralmente as empresas de treinamento e animação têm roteiros previamente esboçados, bastando adaptá-los às peculiaridades das fábricas ou escritórios. A Seção D+, por exemplo, possui sete espetáculos prontos. Mas também desenvolve textos sob medida, a exemplo do que fez Wilson Alves para a Política de Qualidade da Volks. "Passamos meses estudando os sete princípios envolvidos no programa, montamos o texto e encenações e ainda passamos pelo crivo do comitê interno de qualidade da montadora, composto de 80 pessoas. A WOD prefere trabalhar cada caso em cima do histórico da empresa" -- diz o escritor teatral.

Rita de Cássia Cunha, da Nova Cipat Projetos e Eventos, de Santo André, afirma que, qualquer que seja a montagem, a espinha dorsal é sempre a mesma: as empresas querem passar idéias sobre necessidades de ajustes, eficiência e competitividade. A Nova Cipat também criou meia dúzia de roteiros básicos de peças teatrais e complementa essa forma de treinamento com confecção de jornais internos, palestras e desenvolvimento de campanhas. "Era comum as empresas limitarem-se a promover uma semana de prevenção de acidentes por ano. Hoje há campanhas durante o mês inteiro, ao longo de todo o ano" -- testemunha Rita, que há nove anos está nesse mercado. Só em 1997 realizou 200 apresentações e no primeiro semestre deste ano outras 50. 

Segundo Rita de Cássia, a linguagem do teatro desperta atenção por ser bem humorada, com personagens que geralmente caracterizam a rotina do trabalhador, daí a fácil identificação e assimilação. Rita atribui o crescimento dessa forma de treinamento à crise do início da década, quando se tornou custoso e cansativo deslocar grupos de funcionários para fora das empresas para que participassem de cursos. A necessidade de assimilar as rápidas mudanças que aconteciam na economia deu impulso definitivo à linguagem teatral como meio de veiculação. "O teatro cria personagens que estimulam a aprendizagem pela integração com a platéia" -- diz Rita, ressalvando tratar-se de meio complementar a outras práticas de treinamento, já que também essas linguagens sofrem mutações. "No início trabalhava-se com personagens animados, depois com atores profissionais e agora a moda é o teatro interativo, com participação de funcionários. Acho que em dois anos isso muda para algo que ainda não sei como será" -- arrisca. O trabalho mais recente da Nova Cipat consiste em 10 apresentações para novo produto da Brastemp, em São Bernardo.

A Seção D+ acompanha atentamente essas mudanças e introduziu palestras animadas como alternativa às peças teatrais. As palestras animadas têm se adaptado sobretudo a temas voltados à qualidade de vida e segurança. Recentemente, a equipe apresentou-se de madrugada na Capital aos enfermeiros do plantão da 1h no Hospital São Luís e das 2h do Metrô. Horários e espaços, por sinal, ficam ao gosto do cliente. Wilson Alves, da WOD, adaptou o estacionamento para a apresentação de 60 minutos da Política de Qualidade aos funcionários do espigão de escritórios da Volks no Jabaquara e aplicou o programa 5S na Kostal, autopeças com 800 trabalhadores de São Bernardo, em área vizinha pertencente à ADC (Associação Desportiva Classista) da empresa. "Mas podemos ocupar refeitórios, chão de fábrica e escritórios, dependendo da quantidade de participantes" -- afirma o escritor teatral, que na Volkswagen chegou a requintes como iluminação especial, musicais e bilheteria. 

A WOD já se apresentou na Refinaria de Capuava e Armco, de Santo André, e na Philips de Mauá, mas foi na Kostal que Wilson Alves teve a medida exata de como o teatro seduz. Para o programa de segurança da empresa desenvolvido no ano passado, decidiu dar uma cancha aos funcionários, para que contracenassem com a equipe de seis atores com os quais trabalha. Resultado: 29 se inscreveram e 20 participaram, restando ao elenco original apenas uma ponta para a atriz do grupo. 

Até o mascote -- Esse envolvimento é testemunhado pelo coordenador de treinamento da Perstorp de São Bernardo, Airton Camargo. Pertencente ao segmento químico como produtora de resinas e laminados decorativos industriais (mais conhecidos como fórmica), a Perstorp tem grande tradição de cursos sobre segurança, saúde e meio ambiente, que na linguagem da globalização leva a sigla SHI e que não deixa escapar nenhum dos 480 funcionários, além dos 120 terceirizados. De três anos para cá, o calendário foi intensificado com conteúdos voltados à qualidade e com treinamentos comportamentais interativos, como biodança, psicodrama e animações teatrais. 

"A participação no programa de sugestões deu um salto. De 50 a 60 sugestões por mês há dois anos, chegamos a 280 atualmente" -- ilustra Airton Camargo, que pretende aproveitar a linguagem teatral utilizada no último programa interno de orientação à saúde para o próximo treinamento envolvendo os 5S. Até mesmo o mascote da Perstorp, o Chapinha, hoje reproduzido em cartazes de papéis e laminados, ganhará versão animada como personagem teatral. "Os atores vivenciam situações do dia-a-dia e levam os funcionários a fazer a ponte direta com suas realidades " -- conceitua Camargo.


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