Sociedade

Ranzinza do Corsa
esbanja simpatia

CLAUDETE REINHART - 05/11/1998

Lembram da série de comerciais sobre o lançamento do Corsa, há pouco mais de quatro anos? Lembram do velho ranzinza que bradava em bom sotaque de italiano do Brás: "Fizeram o Corsa com 10 cores! Pra que tanta cor? Eu tenho dois ternos marrons há 20 anos e está muito bom. Poderiam ter feito o Corsa com duas opções: branco ou preto e pronto! Pra onde este mundo vai?". A campanha durou meses e foi o grande sucesso do ano (1994), abocanhando todos os prêmios da área de publicidade. Até mesmo o senhor inconformado com novidades foi premiado como melhor ator de filme publicitário.

Pois o ranzinza mora em Santo André e não tem nada de rabugento. Muito pelo contrário: aos 75 anos, João Crimanini tem astral altíssimo, está de bem com a vida, sempre aberto para contar fatos divertidos e dar sonoras risadas quando escuta uma boa piada. A campanha do Corsa rendeu muitos dividendos: contrato exclusivo com a General Motors e a agência McCan-Eriksonn, distribuição de autógrafos para a rapaziada, notoriedade no Brasil todo, viagens para Barcelona, onde aconteceu a apresentação do Corsa para concessionárias, depois para Miami, no lançamento para a Imprensa especializada, e, o que parece ser o mais importante para João e a esposa Helena, a amizade de Mark Hogan, big boss da GM Internacional.

Engana-se quem pensa que João Crimanini foi descoberto para estrelar o comercial do Corsa. Ele está na estrada há quase 20 anos e foi convidado por acaso. Há duas décadas ele estava na porta de seu estabelecimento comercial, a loja Camisaria Juão (com u mesmo), quando uma jovem loira, produtora de comerciais, convidou-o para fazer teste na Agência Tobias, na época uma das mais conhecidas de São Paulo. Feito o teste, João venceu mais de 80 candidatos em seu primeiro trabalho, para a Sanbra (também, pudera! Ele esmerou-se em decorar o texto e, com a ajuda do sotaque e da incrível expressão de quem ralha com todo mundo, não teve prá ninguém!).

Mas foi o comercial do Corsa que colocou João e Helena frente a frente com as inevitáveis correrias do meio publicitário. O lançamento do carro seria em Barcelona, para concessionárias brasileiras. Ele conta como aconteceu: "Em três dias, o pessoal da McCan fez meu passaporte, comprou passagens e malas, que foram vazias, pois comprei as roupas na Espanha. O embarque seria na segunda-feira à noite -- às 16h30 saímos da Polícia Federal com o passaporte e fomos direto para o aeroporto. Não dormi durante a viagem, fiquei decorando o texto que teria que dizer no dia seguinte, no Teatro de Barcelona, após ser chamado ao palco pelo casal Fátima Bernardes e William Bonner. No avião, banquei o caipira. Fiquei sem beber nada daquilo tudo que as aeromoças ofereciam: não sabia que era de graça!".

A melhor recordação que João guarda dessa festa, em que ele e o Corsa foram as principais estrelas, foi o fato de Mark Hogan presenteá-lo com seu distintivo de megadiretor da General Motors, mimo que ele guarda com carinho.

No auge da campanha, João tinha um Comodoro (carro grandão, uma banheira) e foi abastecê-lo num posto de gasolina perto de casa. Alguns jovens reconheceram o ranzinza: "Olha lá, é ele! É o homem do Corsa!". Foram confirmar e João, por brincadeira ou timidez, disse que não era ele não. Foi quando o dono do posto interferiu no papo: "É claro que não é ele! Se fosse, estaria abastecendo um Corsa e não esse carro velho...". Depois disso, João ganhou em comodato um Corsa da GM, durante quatro anos.

Voltando no tempo, há 20 anos, quando era modelista de camisas no Rio de Janeiro e muito famoso nesse ramo, João Crimanini fez seu primeiro trabalho em publicidade: fotos para um anúncio da Sanbra publicado em todas as revistas nacionais. Depois vieram outras fotos para clientes como Banespa, Kodak e muitos dos quais não se lembra. O primeiro comercial de TV foi para a cola Araldite. João personificava uma estátua que, por descuido, cai de cara no chão e quebra o nariz. Alguém socorre a estátua, coloca-a em pé e cola o nariz, só que ao contrário.

Desde garotinho, João Crimanini demonstrava pendores artísticos: ao lado de sua casa na infância, na rua Cachoeira, no Brás, vira-e-mexe era montado um circo que apresentava peças teatrais, além de números de acrobacia e palhaços. Quando o circo ia embora, sempre restavam no terreno pedaços de madeira e retalhos grandes de lona. João e sua turma armavam uma miniatura de circo e ali reencenavam as peças dos atores circenses. Ele lembra como eram os espetáculos: "Sempre pendi para o lado alegre da vida. A gente ensaiava a peça direitinho, sempre era muito triste, um melodrama. Na hora da apresentação, eu não aguentava e soltava piadinhas no meio do texto. A peça virava comédia. Também gostava muito de cantar. Quando tinha chance, cantava as músicas de José Mojica e Vicente Celestino".

A paixão pela música era tanta que João, quando jovem e morando no Rio de Janeiro, matriculou-se no curso de canto do Conservatório Brasileiro de Música. Foi lá que conheceu a esposa Helena: "Ela me atura há 50 anos -- é uma santa" -- brinca.

Nessa época, Helena e João participavam de muitas apresentações musicais ao lado de artistas festejados como Dircinha e Linda Batista, Nuno Rolland e Grande Otelo. João chegou a apresentar-se num show em que a estrela máxima era Dalva de Oliveira, na época considerada a maior cantora do Brasil. Isso foi no período de 1947 a 1955.

A esposa Helena também cantava, só que tinha vergonha de apresentar-se em público, principalmente quando a audição era no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. João garante que nunca se sentiu constrangido em apresentar-se cantando ou atuando. "Para cantar ou representar bem, a pessoa não pode ter vergonha, timidez. Tem de ter orgulho do que faz" -- ensina. 

Helena e João têm um casal de filhos, três netos e uma bisneta. A filha Ania trabalhou durante anos na Prefeitura de Santo André e está aposentada. O filho Percy é médico na Interclínicas de Santo André. A família mudou-se para o Bairro Paraíso há cerca de 10 anos e todos gostam muito daqui. No início, Ania sentiu a diferença entre morar no Rio de Janeiro e no Grande ABC. Achou que nunca se acostumaria. Mas em pouco tempo aclimatou-se, fez amigos e hoje diz adorar Santo André. 

Voltando ao sucesso obtido com o comercial do Corsa, João comenta que sua popularidade cresceu muito, não só entre brasileiros desconhecidos como entre amigos de seus netos. Muitas vezes foi levado para algum lugar a pedido de um neto, a fim de ser exibido para os amiguinhos. "Na minha idade, ter um sucesso desses, ser reconhecido e festejado na rua e nos shoppings, me deixou muito envaidecido!" -- conta. A popularidade rendeu até convite para participar do programa de Sílvia Poppovic, o que somou mais pontos na carreira.

Sempre que matam saudades nas fotos feitas em Barcelona e Miami, Helena e João divertem-se com os comerciais da GM que colocam no vídeo para reviver o humor, o alto astral e o sucesso que o trabalho lhes rendeu. Perspectivas para o futuro? João está para o que der e vier, menos para anúncios de cigarros e bebidas, apesar de fumar e bebericar, pois não acha que seja bom exemplo para os jovens. Ele afirma categoricamente: "Faço qualquer trabalho, menos o de atuar em comerciais ou fazer fotos para propaganda de carros que não sejam da GM. Adoro a GM! O pessoal de lá é uma grande família da qual também faço parte".

Para encerrar, a esposa coloca no vídeo o comercial do Corsa em que o ranzinza esbraveja: "Tem cinco marchas! Pra que mais do que três? Pra onde este mundo vai?".



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