Quando as alamedas de hortênsias azuis anunciarem o fim do inverno em Paranapiacaba, a típica vila inglesa do século XIX poderá estar entre os 100 sítios históricos em risco de deterioração listados pelo World Monuments Fund para o ano 2000. Apesar de inicialmente causar pânico, integrar esse seleto grupo significa expor a Vila à apreciação de empresários do mundo inteiro dispostos a injetar recursos na preservação de patrimônios da humanidade.
O interesse surgiu depois que o arquiteto Antonio Soukef Júnior, em viagem aos Estados Unidos, apresentou Paranapiacaba à entidade, que enviou nada menos que a presidente Bonnie Burnham para conhecer e analisar o potencial do lugar. A visita foi registrada em 29 de abril deste ano e o resultado é animador. "As possibilidades são grandes" -- animou-se Bonnie. Mas o que impressionou a comissão internacional foi o fato de Paranapiacaba ser um museu arquitetônico vivo. "Temos gente habitando" -- afirmou a coordenadora de Preservação de Patrimônio Histórico da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A), Maria Inês Mazzoco.
Apesar da euforia gerada pela possibilidade de a Vila finalmente receber verbas para restauração e manutenção, os esforços para encontrar parceiros interessados na preservação não se esgotam no Exterior. A União estava prestes a aceitar o trecho da Rede em Paranapiacaba como pagamento de parte da dívida da empresa privatizada recentemente e depois doá-la para Santo André. Mas a reforma ministerial extinguiu a secretaria responsável e interrompeu o fluxo das negociações, que devem ser retomadas em breve. O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Irineu Bagnariolli, não esconde a frustração de ter perdido o fio da meada das negociações, mas adianta que a retomada conta com excelente aliado: o interesse da administração da RFFSA, sediada no Rio de Janeiro. "Levamos um susto mas não desistimos" -- garante o secretário.
A Estação de Paranapiacaba está ainda na fila do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado) para receber benfeitorias a exemplo da reforma executada na Estação Júlio Prestes e a programada para comemorar os 100 anos da Estação da Luz, em São Paulo. Mas ainda depende da boa-vontade do governo britânico para encontrar os projetos arquitetônicos nos arquivos da empresa então proprietária da São Paulo Railway, já que os originais deixados por aqui foram destruídos no incêndio de janeiro de 1981.
Antes de ser a bola da vez, Paranapiacaba está prestes a receber um sopro de ânimo. Acertos da Rede com a Secretaria de Cultura do Estado prevêem a recuperação do Museu de Tecnologia Ferroviária, que funciona no imóvel conhecido como Castelinho, incluindo o complexo de engenharia funicular que revolucionou o transporte sobre trilhos no século passado, e a reativação do trem turístico. "Simultaneamente estamos desenvolvendo trabalho de limpeza da Vila junto com a comunidade e organizações não-governamentais. É o primeiro passo para torná-la atraente para o turismo sustentável" -- adiantou Maria Inês.
Na esteira do envolvimento da comunidade para melhor convivência com o patrimônio, mais uma idéia para preservar a Vila começa a saltar do papel. Trata-se da Associação Amigos de Paranapiacaba, formada por representantes da RFFSA, do Condephaat, da Prefeitura de Santo André, do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e moradores locais. Assim que formalizado, o grupo será responsável pela organização de estratégias para revitalizar Paranapiacaba, além de arrecadar fundos para preservação e restauração das casas tombadas pelo Condephaat. Não é de hoje que a idéia da criação de um órgão gestor transita por reuniões governamentais, privadas e não-governamentais. Embora seja inegável o interesse pela preservação, os envolvidos geraram mais conflitos que ações. A RFFSA sempre apareceu como alvo predileto de severas críticas de ambientalistas. Não em menor escala, a Prefeitura de Santo André acabou por receber a mesma ira quando se posicionou a favor da instalação do parque temático Beto Carrero World, nas proximidades da Vila.
Ao largo dos litígios, a vocação nata de Paranapiacaba para o turismo vai se assentando mesmo que sem planejamento. Adeptos de roteiros alternativos começam a encontrar na Vila empresas direcionadas ao ecoturismo. É o caso da Preservar Trecking e Atividades Ambientais, em operação há cinco meses. Ocupa uma das casas da parte baixa cedida pela Rede e já contabiliza a marca de dois mil clientes em 120 dias. "Este volume foi registrado mesmo sem qualquer divulgação da empresa" -- comemora o proprietário Roberto Lima.
Além dos dotes naturais, a história de Paranapiacaba e a arquitetura local despertam o interesse de turistas. Inicialmente a Vila era apenas um acampamento rudimentar onde operários da São Paulo Railway moravam durante as obras. Os ares atuais só começaram a aparecer em 1867 quando a estrada foi inaugurada. As antigas casas de pau-a-pique foram substituídas por casas de madeira e telhado de ardósia em estilo inglês. Eram habitadas pelos funcionários da empresa. O traçado da Vila permitia perfeita observação do engenheiro-chefe que morava no Castelinho.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!