Sociedade

Portas abertas e
propostas ousadas

WILSON MOÇO - 05/10/1999

Derrubar o velho e ultrapassado dogma de que um sindicato só deve estar preocupado com seus associados foi o primeiro passo do Sindicato do Comércio Varejista do ABC, agora sob a marca Sincomércio ABC, para se livrar de vez da dependência das contribuições do quadro associativo e tornar-se cada vez mais atuante. Às vésperas do ano 2000, o Sincomércio decidiu pôr o bloco na rua e abrir as portas para todo e qualquer empresário do setor varejista da região, dentro do que o gerente de Marketing, Ricardo Fioravanti, chama de novo sindicalismo. Mas as ações da entidade trazem propostas mais ousadas, como a criação de inédito Núcleo Intersindical de Conciliação e um clube de compras.

No caso do Núcleo de Conciliação, destinado a resolver problemas trabalhistas antes que virem ação na Justiça, Fioravanti explica que um pré-estatuto está pronto e em mãos dos dirigentes dos sindicatos patronais e de trabalhadores. A eles caberá, desde que aceitem a proposta, apresentar mudanças e aprovar a criação do núcleo. Como o órgão tem missão democrática, teria um representante de cada sindicato e um especialista na área da Justiça, que poderia ser um juiz, por exemplo. "Mas se não houver acordo, é claro que caberá ação na Justiça" -- explica Fioravanti.

Se a criação de uma instância extra-judicial que terá como missão promover acordos entre partes historicamente antagônicas como é o caso do capital e do trabalho já é um desafio gigantesco, a meta projetada pelo Sincomércio é ousadia da grossa. Afinal, o objetivo é que após três anos de atividades o Núcleo de Conciliação esteja resolvendo 95% dos casos que poderiam ir parar na Justiça do Trabalho. Meta que, com certeza, soa até como utopia, mas não tão distante quanto a crença de que a evolução dos trabalhos do Núcleo de Conciliação leve, a médio prazo, ao fim da data-base da categoria, pelo menos da forma como é hoje.

"Como será um fórum de discussão permanente, outros assuntos que envolvam os dois sindicatos poderão ter solução no âmbito do núcleo. No caso, não haverá mais uma data específica para a negociação" -- prevê o gerente de Marketing do Sincomércio.

Portas abertas -- A questão colocada há algum tempo no meio sindical é que as entidades não podem mais ficar na dependência da receita originária dos associados, sobretudo numa economia que, com altos e baixos, a cada dia enxuga o quadro de filiados. A saída, então, é buscar alternativas para gerar recursos capazes de manter a máquina funcionando e, principalmente, impedindo que se torne obsoleta num mundo que gira rápido no rastro da globalização.

Foi pensando em não perder o bonde da história que o Sincomércio decidiu abrir as portas, detonando o processo que seus dirigentes entendem ser o novo sindicalismo. Ou seja, tanto a sede de Santo André quanto a de São Bernardo têm como premissa máxima dar toda retaguarda ao setor varejista da região, associado ou não, cuja base é estimada em 30 mil estabelecimentos. "Não por acaso estamos desde agosto com um trabalho pesado nas ruas, a fim de informar à base que o sindicato é um prestador de serviços, mas com excelência" -- informa Ricardo Fioravanti.

Prestação de serviços, aliás, foi exatamente o caminho encontrado pelo Sincomércio para fugir da dependência financeira das contribuições dos associados. Entre as fontes alternativas para geração de recursos está o aluguel de salas para realização de cursos e de auditório com 60 lugares, na sede de Santo André, cujas obras de ampliação terminaram em agosto. Praticamente as mesmas opções são oferecidas em São Bernardo.

Mas é a nova sede de Santo André que parece ser a menina-dos-olhos do Sincomércio. Instalada em ampla construção de design interno moderno e prático na Rua General Glicério, conta com 10 consultórios médicos, duas salas de cursos e reuniões, três de consultoria, auditório, consultório odontológico (outro fica pronto em breve) e uma sala onde funciona o atendimento a assuntos ligados à segurança do trabalho.

Os consultórios médicos são destinados à medicina do trabalho, como exames demissional e admissional e os chamados periódicos (ao qual todos os empregados são submetidos anualmente). Ricardo Fioravanti expõe os números de atendimentos: são aproximadamente 60 exames diários. Revela também ação do Sincomércio que surpreende quem é de fora e faz estremecer a arcaica estrutura corporativista dos sindicatos de modo geral: o serviço odontológico, ao contrário do que se imagina, tem como maiores beneficiários os empregados do comércio e seus dependentes. Ou seja, é o empregado usando a estrutura do sindicato patronal para cuidar da saúde.

"Aliás, bem poucos empresários do setor se utilizam do serviço, que está sob os cuidados de dois profissionais capacitados (são professores universitários) e com preços bem abaixo dos praticados no mercado" -- comenta Fioravanti. Ele anuncia que o Sincomércio está apto a também realizar cursos para membros de Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e de primeiros-socorros. As aulas poderão ser na própria entidade, na empresa ou em local determinado pelo contratante.

Clube de compras -- A incessante chegada de shoppings e de grandes redes de supermercados à região traz preocupação extra para micros e pequenos empresários do setor varejista: a ameaça constante de serem dizimados pelo poder de fogo da concorrência. Preocupado em garantir a sobrevivência dos pequenos que formam a grande rede do varejo, o Sincomércio já começou a discutir a criação de um clube de compras, que envolveria praticamente todos os ramos da área varejista.

O assunto está em fase de discussões preliminares, mas o horizonte já é visível: tornar o pequeno forte. Como? Dando-lhe maior poder de negociação com fornecedores, tanto em termos de preço quanto em prazos de pagamento, e possibilitar agilidade na obtenção de crédito. A idéia não é inédita na região. Em julho, Orlando Morando Júnior, diretor do Supermercado Morando, de São Bernardo, liderava movimento na cidade para a criação de uma associação. Objetivo imediato: usar a compra coletiva para ganhar no preço de compra e, consequentemente, maior competitividade. Morando explicava que a opção por reunir apenas pequenos mercadistas de São Paulo estava ligada à logística da distribuição.

A diferença na proposta do Sincomércio é que o clube de compras centralizaria todo o processo na região. Com isso, o poder de fogo dos pequenos varejistas seria imensamente maior. 



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