Sociedade

Nem Plano Real
salva metrópole

DA REDAÇÃO - 05/10/1999

Aumentou o desemprego, aumentou o número de famílias que moram em favelas, aumentou o consumo de bens e aumentou também a disparidade de rendas. Estes são alguns dos resultados da terceira Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo, Grande ABC incluído, realizada pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados). Houve quem, apressadamente, tenha observado os estudos pelo ângulo do ufanismo, considerando alvissareiro o crescimento da renda familiar de 32%, mas não é assim. Aliás, não é nada assim. A pesquisa, que compara o período de junho a novembro de 1998 com maio a julho de 1994, exige cautela redobrada.

Os efeitos da globalização da economia e da crescente vulnerabilidade do Estado como provedor de serviços colocam os dados da Grande São Paulo em dois vértices: um de análise responsável e outro de cartomancia pura. Convém, por isso, cuidados. Só o fato de a pesquisa constatar a redução do peso da indústria no total de empregos na Região Metropolitana, de 23,8% para 19,1% nos quatro anos de estabilidade monetária, indica que o padrão de qualidade de vida se esvai por meio da exclusão funcional, irmã siamesa da exclusão social. Os estudos também constataram, segundo Paulo Jannuzzi, analista socioeconômico do Seade, que a maior quantidade de oferta de emprego no setor de serviços ficou polarizada. De um lado, vaga para consultores, publicitários, advogados e outros prestadores de serviços que dominam conhecimento e novas tecnologias. De outro, trabalhadores de áreas menos nobres como motoristas, seguranças e faxineiros, entre outros. A desigualdade de renda, como se observa, também é subproduto das desigualdades salariais, não só do desemprego. 

No ano passado, os 5% das famílias mais ricas da Região Metropolitana tinham renda mensal 45 vezes superior aos 5% das famílias mais pobres. Essa diferença era de 37,4% em 1994, quando do lançamento do Plano Real. Pedro Paulo Martoni Branco, diretor do Seade, lembrou durante a entrevista coletiva que, enquanto os 10% mais ricos detinham quase 40% da massa total de rendimentos na Região Metropolitana no ano passado, os 10% mais pobres recebiam apenas 1%. Traduzindo: colocar no mesmo saco a média de crescimento de renda das famílias da Grande São Paulo, como se isso fosse um fato positivo, é acreditar que está na temperatura ideal um corpo metade na geladeira, metade no fogaréu. 

Nível de renda -- Nem mesmo um fato considerado positivo pelo Seade resiste à prospecção. Martoni Branco disse que, apesar da disparidade na distribuição de renda, os pesquisadores descobriram que o nível de renda dos trabalhadores melhorou no período. Citou o exemplo de que o número de pessoas que ganhavam mais de R$ 390 saltou de 19,5% em 1994 para 23,4% no ano passado.

A explicação é simples: como o desemprego aumentou de 14,6% para 17,3% (no Grande ABC já chegou a assustadores 23,5%, segundo anúncio do próprio Seade no final do mês), o que está de fato ocorrendo é a redução do quadro de trabalhadores de salários e qualificação mais baixos em troca da manutenção de trabalhadores mais qualificados, em alguns casos com aumento de salários e a contrapartida da multifuncionalidade. Ou seja: uma empresa que tenha massa salarial de R$ 100 mil com 50 trabalhadores, reduz para R$ 85 mil com 35 trabalhadores e, com isso, eleva automaticamente os valores médios dos holerites dos empregados. 

Também o aumento do consumo de bens duráveis e não-duráveis deve ser observado com restrições. Parte do resultado da pesquisa se deve à estabilidade da moeda, que deixou de ser corroída pela inflação, e parte pela redução dos valores de aplicações financeiras, incluindo-se a caderneta de poupança, constatada pela pesquisa. 

Um outro indicador de que a qualidade de vida na Região Metropolitana não conseguiu sustentar-se nem mesmo durante os quatro anos de sucesso do Plano Real é o explosivo número de famílias faveladas, que aumentou 47%. Um total de 6,2% das famílias vivia em barracos isolados ou favelas em 1994, contra 9,1% no ano passado. Também as famílias que moram em cortiço desafiaram a estabilidade, passando de 4,6% para 5%. 


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