As sapatilhas foram aposentadas há 20 anos, mas a fascinação que a dança exerce sobre o espírito dos artistas jamais afastou a empresária Marisa Ballarini dos palcos. Deixou de dançar para criar coreografias e ensinar passo-a-passo a trilha dos aplausos. Os frutos da decisão ela colhe com orgulho. Aos 42 anos, responde por uma das mais bem-sucedidas iniciativas artísticas da região: o Ballet Quartier Latin, em Santo André, tutor de 250 alunos. Verdadeira fábrica de talentos, o Quartier exportou os bailarinos Giovana Magnani para a Ópera de Viena, na Áustria, e Cleyton Diomkinas para a Ópera de Hassen, na Alemanha. Na estante expõe memórias de mais de 100 primeiros lugares conquistados em festivais e o brilho do prêmio de melhor coreografia no Concurso Internacional de Dança de Joinville com o espetáculo Delírio Noturno.
Apesar de não gostar do título de empresária, Marisa se dedica integralmente à escola. Percebeu a profundidade dessa simbiose quando há um ano deu à luz o filho Theo. "É uma experiência enlouquecedora porque é preciso administrar as incompatibilidades da profissão com a nova maternidade" -- desabafa. Ela já havia protagonizado o papel de mãe aos 21 anos, quando Vivian nasceu.
Atualmente Marisa persegue o desafio de transformar o Quartier em pólo cultural do Grande ABC. Em nova sede, a escola irá acolher anfiteatro com palco e estrutura profissionais. Bom para a região que, a reboque do País, pouco tem a oferecer para quem trabalha com arte. Afinal, os brasileiros carecem de tradição em dança. Sequer há curso regulamentar instituído. "Não existe mercado de trabalho para bailarinos no Brasil. Por isso incentivo a ida de alunos promissores para países onde a dança integra a vida cotidiana" -- pontua. E vida de bailarino não é fácil. Exige talento e disciplina. Além de ter de enfrentar terreno árido no Brasil, convive com cobrança de seis a oito horas de trabalho árduo. "Somente assim o corpo responde aos comandos do cérebro" -- ensina Marisa. Normalmente o que leva a estudar dança é a fascinação, a leveza, o palco, o show. Somente cerca de 1% desiste e bem menos do que isso atinge o ápice.
Para quem confessa estar amalgamada à profissão, Marisa Ballarini reclama do ritmo frenético da vida. Viagens, montagens, correria, ela é presença garantida em aeroportos pelo menos quatro vezes por ano. Voltaria para todos os lugares, sem exceção. "A distância é muito oportuna para enxergar melhor" -- filosofa. Objeto de desejo? "Queria ter uma vida mais tranquila. Fazer tudo o que faço sem ter de me rasgar" -- admite. Busca um tanto impossível para quem já varou o mundo de ponta a ponta. Japão, Estados Unidos, Cuba e diversos países da Europa carimbam o passaporte da empresária. Na bagagem traz enriquecimento pessoal e rescaldo de lazer. De todos os desembarques, Nova Iorque será paixão eterna. É no coração da maior cidade norte-americana que pulsa o fascínio de Marisa: a Broadway. "Assistir aos espetáculos é comovente pelo talento, competência, profissionalismo e capacidade de transformar arte em dinheiro" -- diz.
Em solo nacional, Marisa ainda mantém raízes em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Lá nasceu e morou com os pais Linda e Ludovico até os 18 anos, quando a família Ballarini voltou para Santo André, onde nasceu. Recorda da adolescência apoiada no irmão mais velho Rafael. "Fui namoradeira" -- diz. Na agenda da época priorizava festas, passeios e bailes. O balé fazia parte do cotidiano. Até hoje elege o Teatro São Pedro, em Porto Alegre, entre todos os palcos do mundo. "Foi onde dancei desde pequena e onde tive o prazer de apresentar meu trabalho quando adulta" -- emociona-se. Junto às lembranças arrasta a frustração de não ter mais dançado no Teatro São Pedro depois que o palco passou por reforma. "Nunca alcei grandes vôos como bailarina" -- afirma.
A volta para São Paulo iniciou o trajeto rumo ao sucesso. Marisa foi convidada para dirigir o curso de dança clássica do paulistano Ballet Oficina. A partir daí, o bicho da criação foi libertado para sempre. No ano passado, parceria com a Prefeitura de Santo André permitiu a realização do espetáculo Quebra Nozes. Vivenciou o êxtase de pôr no mesmo palco sapatilhas renomadas e alunos do Quartier. A opção por atrair artistas famosos fez parte de estratégia de marketing montada pela própria Marisa. Afinal, para aparecer na mídia o espetáculo tinha de ter chamarizes. Nessa mesma esteira de consagração, Marisa Ballarini começa a trançar pauzinhos para impressionar a região em junho de 2000. A comemoração da maioridade do Quartier Latin já começou a ser preparada. A produção inclui os bailarinos da escola que estão atuando fora do País. O tema? A empresária mantém sob o lacre do mundo profissional.
Ao lado do marido Paulo Chacon, Marisa Ballarini exibe sua melhor performance a dois. Se por um lado ele se empenha nas questões da escola, ela não hesita em afirmar que é péssima dona-de-casa. Relações com comida, só pratos artesanais que incitem a criação. Fora isso, protagoniza com arrependimento a arte de comer. Entre as preferências à mesa, tudo o que engorda. "Preciso abandonar esse vício" -- critica-se. Herança do sangue italiano do pai Ludovico. Aliás, Marisa ainda não conhece a terra natal do pai. Diz que pensa em morar na Itália, mas logo emenda que o plano é para futuro mais distante. Quando a escola lhe permite um tempinho de folga, circula pelas feiras de antiguidade do Bixiga e do vão do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Sente falta das tardes em que ia às sessões de cinema do Belas Artes.
O estilo sóbrio levemente despojado acompanha a empresária no dia-a-dia. Marisa observa a moda como referência, mas não sucumbe às grifes. Revela que costuma expor a própria vaidade por meio do trabalho. Não é novidade que o balé massageia a face narcisista do artista. "Prefiro inventar um guarda-roupa exclusivo para mim" -- diz. Para as coreografias tem queda absoluta pelas formas eruditas. Tem pesquisado outras fontes, mas admite que é preciso muita disciplina para não recair no clássico. "Já fiz experiências com baterias e tecnos" -- conta.
Joãozinho Trinta que a perdoe, mas Marisa é enfática no repúdio ao Carnaval: "Acho os desfiles burros e sem criatividade" -- dispara. Nos momentos intimistas Marisa Ballarini deixa aflorar as afinidades com o Kardecismo. Acredita que o universo conspira a favor das pessoas e que cada um tem milhões de oportunidades, ou seja, novas vidas para novas tentativas.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!