Não peça ao frei Sebastião o nome de um bom vinho. Abstêmio confesso, no máximo ele leva à boca o vinho canônico das liturgias. Mas se o conselho for sobre administrar negócios, as possibilidades são de nove em 10 de contar histórias fantásticas sobre como gerir caixa, captar recursos, promover telemarketing, aumentar o leque de produtos e fazer crescer o público-alvo e o volume de parceiros, entre outras ferramentas modernas que todo empreendedor persegue. Afinal, frei Sebastião está erguendo nada menos que a quarta igreja na comunidade pertencente à Paróquia Santíssima Virgem, em São Bernardo, façanha que só se assemelha à Cidade da Imaculada em Santo André, de onde comanda a Rede Mariana de Rádio, uma revista mensal, edições de livros, o próprio jornal da Santíssima Virgem e, desde o mês passado, a Rede Mariana de Televisão, primeira TV católica aberta que o governo concede a uma fundação, já que a Rede Vida pertence à iniciativa privada.
Nascido Benito Quaglio na região do Vêneto, ao norte da Itália, e no Brasil há 25 anos, frei Sebastião sorri quando lhe dão o rótulo de bem-sucedido empreendedor de Deus. Como desvinculá-lo do sucesso com esse aparato de meios de comunicação por trás e uma legião de 10 mil fiéis que lotam as missas de fim-de-semana na paróquia que dirige? "É um milagre de Nossa Senhora" -- responde de pronto o padre franciscano, um entusiasta de Maria, mãe de Cristo.
Mesmo sob outra inspiração -- contabilizar cristãos, não lucros; pregar a fraternidade humana, não vender mercadorias --, não há como esconder que frei Sebastião executa com maestria e discrição a visão estratégica do chefe empresarial. Controla de perto todos os detalhes operacionais, mas descentraliza atividades. Outorga responsabilidades e autonomia, mas cobra tarefas. Aliás, o primeiro passo da trajetória, em 1975, foi acreditar nos leigos e é a eles que atribui a conquista desse miniimpério do qual se tornou líder espiritual e administrativo. Desde que a Igreja Católica afrouxou o ritual formal e austero das missas e do relacionamento com fiéis, a participação da comunidade tornou-se prioridade zero. Somente na Santíssima Virgem, que também abraça a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro da vizinha favela do DER, são 52 grupos e equipes de leigos que se multiplicam em incontáveis ações. Uma das mais antigas atividades, a Catequese Infantil, prepara hoje 1050 crianças para a Primeira Comunhão. Um dos grupos mais recentes, o Razão e Viver, que há dois anos dá mão forte a quem quer deixar as drogas e o álcool, soma atendimento a cerca de 200 famílias. Há grupos de jovens, de evangelização de rua, de pastoral carcerária, de encontro de casais, entre tantos outros.
"Descobri a importância do leigo. Abri as portas da Igreja para pessoas comuns e confiei nelas. Tinha esse propósito: vou dar ao leigo a orientação religiosa, a esperança, o ânimo, a coragem, tudo que pudesse trabalhar a palavra de Deus. Enfim, um espaço na Igreja para que ele seja o agente. Tudo que se vê aqui é o leigo quem faz" -- relata o sacerdote, com olhar de quem sabe que muitas paróquias duelam contra a falta de voluntários.
É o frei Sebastião, entretanto, quem bota pilha em toda essa gente. Incansável nas ações, há 12 anos ele implantou a Milícia da Imaculada em Santo André. Trata-se de movimento mariano fundado por São Maximiliano Kolbe, padre que se ofereceu à morte em 1941 no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, em lugar de um pai de família. O lema desse mártir de guerra -- Conquistar o Mundo Inteiro para Cristo por Meio da Imaculada -- formou par perfeito com a filosofia da Ordem de São Francisco de Assis vinda ao Brasil por meio da Basílica de Santo Antonio de Pádua, linhagem à qual pertence frei Sebastião: evangelizar em outros países, sobretudo onde há migrantes.
E como evangelizar num mundo sem fronteiras imposto pela globalização? "A Igreja Católica ampliou a visão sobre a importância dos meios de comunicação para a chamada evangelização capilar, que começou e continua com a visita porta-a-porta, pessoa a pessoa e a bagagem literária que acumula em livros e revistas. Mas não há como fugir dessa imensa penetração proporcionada pelos meios eletrônicos" -- analisa o frei, admitindo que os católicos chegaram tarde se considerar o avanço de outras crenças no uso da mídia eletrônica.
Laçar a comunidade para a empreitada da rádio exigiu determinação. Foi preciso mais do que nunca despertar o cristão adormecido em cada um. Dono de um discurso despolitizado, que aprecia o conceito da Teologia da Libertação de liberar o homem dos males físico e espiritual, mas que rejeita o caminho do confronto de classes para se chegar a esse objetivo, frei Sebastião ancorou mais do que nunca os sermões na linha espiritual. Nada de misturar religião e política partidária. Chamou todos ao apostolado evangelizador apelando para o espírito de solidariedade e religiosidade. No começo alugavam-se alguns horários na programação de emissoras do Grande ABC e de São Paulo. As gravações eram improvisadas no próprio salão paroquial, hoje uma igreja agregada à Igreja Cristo Rei erguida atrás da Santíssima Virgem, que também edificou.
Até a compra de uma emissora própria, foram mais oito anos de pura energia em campanhas por paróquias da região e visitas à Itália junto à Ordem Franciscana. Como frei Sebastião é daqueles que lutam até os 45 minutos do segundo tempo para conquistar o objetivo, em 1995 a Milícia conseguiu adquirir a Rádio Mauá, rebatizada de Rádio Imaculada Conceição 1490 AM e transferida para Santo André. Nesse meio tempo, abriu os olhos do Instituto Padre Kolbe para o Brasil. Foi buscar missionárias na Itália, sede da instituição. Depois fundou em São Bernardo o Instituto dos Missionários da Imaculada, abrindo a organização para homens, um pioneirismo mundial. Já são duas dezenas os rapazes que decidiram se consagrar ao carisma de São Maximiliano na causa da evangelização por todos os meios.
"A Rádio Imaculada está 24 horas no ar com programação exclusivamente religiosa e integrada à Rede Católica de Rádio. Entre a rede e as retransmissoras que entram a partir da meia-noite, são 95 emissoras em todo o Brasil. Calculamos atingir diariamente entre 15 e 20 milhões de brasileiros a partir da programação feita em Santo André. Tudo por satélite, com equipamentos de vanguarda e sempre em busca de maior potência. Com a TV conquistamos também a concessão de uma rádio de ondas tropicais em Londrina, no Paraná, e uma FM em Atibaia, Interior de São Paulo" -- fala frei Sebastião com incontido entusiasmo, como que purgando o peso da agenda sempre lotada, que começa, de domingo a domingo, às 5h ou 6h da manhã e se estende invariavelmente até meia-noite.
As manhãs são dedicadas à Milícia e à rádio, tocada por exército de 60 funcionários e 120 voluntários que se revezam em plantões, além de cerca de 20 equipes de divulgação com 15 a 20 membros cada. Sem falar nos representantes em várias localidades do Brasil. As tardes são da comunidade Santíssima Virgem: missas, reuniões de grupos, cursos de Teologia, visitas a hospitais, cadeias, doentes, famílias necessitadas, casais em conflito. Muitos vão até o frei, na Casa Paroquial. Congestionam corredores atrás de uma palavra de conforto, de um agasalho, de um conselho para o filho desajustado, de um trocado para comprar remédios. Aos sábados são entregues cerca de duas mil cestas básicas para famílias carentes. O frei é sempre a bússola.
A TV assusta, mas não rouba o entusiasmo desse sacerdote que não revela a idade porque entende que o passar dos anos estigmatiza as pessoas a achar que devem desacelerar as atividades. Tudo o que sabe por enquanto sobre um canal de televisão é que se trata de outro desafio gigante em termos de investimentos, equipamentos, sinais, conexões, equipe, voluntários e renúncia de momentos pessoais cada vez mais escassos. Apesar de empilhar inúmeras realizações, frei Sebastião mantém firme o compromisso de não abrir mão da missa matinal com frades com os quais vive no convento em Santo André, dos 20 minutos diários de exercícios físicos em argolas e da reza do rosário, dividido em três momentos ao longo do dia. "Gosto muito de ficar sozinho com Deus, mesmo que seja dirigindo de Santo André a São Bernardo e vice-versa. Isso quero preservar" -- confidencia o frei. Em público, é fervoroso nas palavras de amor fraterno, fé, perseverança, uma divindade superior acolhendo a todos. Muito antes do fenômeno padre Marcelo Rossi, o pároco da Santíssima Virgem eletriza platéias com mensagens motivacionais que mexem com a auto-estima humana.
Nada da Rádio Imaculada deve ser aproveitado para a montagem da Rede Mariana de Televisão, até porque são estruturas diferentes. "A TV trabalha muito com programação pré-montada e gravada. A rádio é mais interativa, permite que você converse mais ao vivo" -- aprecia o frei. A primeira idéia é fazer parcerias com emissoras de televisão já instaladas e inserir gradualmente a programação gerada pela própria Milícia. Ainda não sabe exatamente de onde virá o dinheiro para a empreitada. Só sabe que será muito. Para levantar a torre e instalar transmissores, estúdios e aparelhagem da Rádio Imaculada foram mais de R$ 1 milhão. Só a concessão exigiu R$ 2 milhões. Para mantê-la no ar 24 horas, são R$ 230 mil por mês de gastos com funcionários, ajuda às rádios retransmissoras e aluguel de satélite.
Muito da ajuda vem de doações e de mensalidades de 120 mil sócios da Milícia, que o frei quer dobrar neste 2000 acreditando na eficiência da equipe de marketing e nas missões, nova forma de seduzir cristãos. Mesmo polarizados em relação aos protestantes, os católicos decidiram também ir às praças e casas levar a palavra de Deus. "Temos de admirar os crentes porque são mais arrojados. Não digo nos métodos, mas na dinâmica com a qual se movimentam. Veja com que insistência visitam residências, pregam nas ruas e usam exaustivamente a mídia" -- cita.
Na reconquista dos católicos, frei Sebastião também aposta nos novos ares do Terceiro Milênio. Acredita ser uma data simbólica que deve inspirar a todos na renovação da fé e da conduta humana. Não se conforma que, 2000 anos após o nascimento de Jesus, o Cristianismo tenha tão baixa penetração. São dois bilhões de cristãos entre seis bilhões de habitantes na Terra, um bilhão dos quais católicos. "Benito Mussolini disse certa vez que, se tivesse o Evangelho dos cristãos nas mãos, conquistaria o mundo. Temos de incomodar mais, entrar mais nas instituições e influenciar da mesma forma que influenciam a Ciência, a política, as organizações não-governamentais" -- sugere. Frei Sebastião também se choca com o fato de, no alvorecer de um novo milênio, guerras ainda estarem na ordem do dia para solucionar diferenças entre os homens. "A humanidade não cresceu nesse sentido" -- lamenta. O respeito às diferenças, aliás, é um dos princípios do Cristianismo, ao contrário do que muitos enxergam ao levar ao pé da letra a prática da semelhança pregada por Jesus: "O homem deve ser igual no amor. Mas cada um vence conforme o talento natural, a dedicação. Até no céu há hierarquia: temos santos, anjos, arcanjos, querubins e serafins. Jesus quer apenas que os diferentes vivam em harmonia; que o rico se coloque à disposição dos menos favorecidos, que o empresário empreenda em favor do trabalho nobre e salários justos" -- propaga.
Virtudes como mansidão, perdão, tolerância e humildade não significam passividade, diz o frei. Embora o mundo moderno passe como um furacão sobre o dia-a-dia, há sempre formas de praticar esses princípios pregados há 2000 anos e, ao mesmo tempo, ter o dinamismo que a contemporaneidade exige. "Não adianta ficar orando no altar e deixar de visitar presos na cadeia, não acudir um doente ou não se interessar pelos semelhantes. Aquelas orações não valem nada para Jesus" -- adverte.
No rastro da igreja multimídia e planetária, frei Sebastião é mesmo infatigável. Está transformando a Milícia em empresa ponto-com, (www.miliciamariana.org.br), no melhor estilo das corporações que não vêem fronteiras para os negócios. Seu objetivo chega ao outro lado do mundo: alcançar com a mensagem da Imaculada os 300 mil brasileiros que trabalham no Japão, via Internet. Animou-se com os 1,5 mil números da revista mensal do movimento, O Mílite, que seguem para os dekasseguis cadastrados. "São Maximiliano dizia assim: não devemos excluir nenhum meio para evangelizar. Artístico, técnico, humano, tudo pela causa. Ele mobilizou bombeiros, escritores, filósofos, imprimia revistas, mas sua maior alegria foi irradiar um programa religioso numa época dura como a guerra. É exemplo de ousadia que todos devemos seguir" -- convida.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!