Sociedade

Sobrou para
o ouvidor

TUGA MARTINS - 05/05/2000

Nem bem tomou posse no cargo de ouvidor da Prefeitura de Santo André, o empresário Saul Gelman já tem em mãos uma batata quente: gerenciar o incidente envolvendo a Administração Pública e moradores das imediações da Avenida José Amazonas por causa do ABC Folia, realizado nos dias 7, 8 e 9 de abril em comemoração ao aniversário da cidade. Reclamantes e organizadores do evento têm Gelman como fiel depositário das mais díspares expectativas -- aguardam providências tanto para os transtornos denunciados quanto para os saldos positivos apresentados. Enquanto vizinhos da festa providenciam abaixo-assinado, a empresa organizadora Viva ABC encomenda pesquisa ao Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior), de São Caetano, para avaliar a aceitação popular do evento que trouxe a elite da cultura axé da Bahia para o Grande ABC, como Ivete Sangalo e os blocos Araketu e Ásia de Águia.


"Organizamos um documento endossado por mais de 100 assinaturas e encaminhamos para a Ouvidoria. A questão não é mudar o evento de lugar; basta respeitar horários da programação" -- adianta Flávio Stanquevisch, morador da Rua Catequese. "Por que a Ivete Sangalo pode atrasar quase quatro horas e atrapalhar meu sono?" -- questiona, expondo o desconforto pelo qual passou o espaço geográfico mais nobre da cidade, representado por bairros predominantemente residenciais como Jardim, Bela Vista e Vila Bastos. Stanquevisch acionou o Semasa (Serviço Municipal de Água e Saneamento Ambiental), que detém o poder de fiscalização nos casos de infração da chamada Lei do Silêncio. Sem eco às denúncias, disse que pretende mudar-se de Santo André.


O Semasa não teve como interferir. A realização do ABC Folia estava totalmente respaldada em lei. O artigo 12 do decreto 14.307/99 libera de fiscalização manifestações culturais, shows, festas de caráter cívico ou cultural realizados em espaços públicos abertos. "Se o evento tivesse outro caráter, certamente teríamos executado vistoria, medição de decibéis, apresentado advertência, etc" -- afirma o diretor de Gestão Ambiental do Semasa, João Ricardo Guimarães Caetano. Os argumentos do representante da autarquia, no entanto, não são suficientes para apaziguar os ânimos do vereador Franco Masiero, do PTB. Ele tomou a frente dos questionamentos ao Executivo. Em requerimento de informações protocolado no Legislativo, o oposicionista vasculha queixas, atitudes dos órgãos competentes, emissão de alvarás e cumprimento à lei. "Descontado o incômodo, vale dizer que o evento é um desperdício de dinheiro público" -- dispara o parlamentar. Franco Masiero não nega intenção de levar o assunto ao Ministério Público.


A Prefeitura investiu no ABC Folia R$ 60 mil. Foram três dias de apresentações gratuitas, -- sem cordão que desobriga a compra do abadá -- incluindo a estrutura dos trios elétricos, hospedagem, alimentação e passagens. Além disso, a Administração Municipal firmou termo de cooperação com o Sehal (Sindicato das Empresas de Hotelaria e Alimentação do Grande ABC) para ceder bloqueio viário, segurança da Guarda Municipal, limpeza das vias públicas e autorização para utilização da Avenida José Amazonas. Parceria dessa natureza é considerada fundamental para estimular a produção cultural e o mercado de serviços em Santo André.


"O ABC Folia movimentou a cidade por três dias em amplitude jamais vista. Grandes atrações somadas à enorme participação do público acabou por divulgar Santo André em todo o País como novo e potencial pólo de entretenimento, em condições de receber investimentos da indústria do lazer. A festa possibilitou lazer gratuito a moradores dos bairros mais distantes aos mais centrais, atraindo também pessoas de cidades vizinhas, inclusive São Paulo. O desconforto causado pelo evento, motivo de reclamação por parte de parcela de moradores, precisa ser relativizado. Boa parte da vizinhança da Avenida José Amazonas teve vista privilegiada do evento e mostrou-se satisfeita com isso" -- avalia o prefeito Celso Daniel.


A concentração popular de cerca de 150 mil pessoas na maioria da periferia -- a Polícia Militar fecha o número em 94 mil -- causou espanto. Afinal, não é todo dia que os contrastes sociais são escancarados. "Durante dois anos estudamos a cidade. Identificamos número significativo de nordestinos na população. Optar pela música baiana foi atender ao gosto da maioria" -- afirma Jesus Sangalo, sócio-executivo da Caco de Telha Produções, empresa contratada pela Viva ABC para colocar o bloco na rua. Os números apresentados são animadores para quem pretendia acordar a economia local. O evento envolveu 800 pessoas e engoliu US$ 500 mil em investimentos da livre iniciativa, sem computar gastos indiretos.


"Calculamos incremento de 5% no movimento dos restaurantes e 10% nos motéis por conta da festa" -- comemora o presidente do Sehal, Wilson Bianchi.


Embora as críticas direcionem-se principalmente ao volume do som dos trios elétricos, as antipatias ao ABC Folia também permeiam a falta de segurança e atos de vandalismo. Os organizadores resumem as ocorrências a fatos isolados. Nos três dias foram registrados 26 socorros médicos, grande parte por excessos de bebida alcoólica. "Colocamos mil homens só em segurança" -- garante Jesus Sangalo. A empresa contratada para prestar serviço de segurança foi a Radar, de São Bernardo. Fora a baiana Caco de Telha, que assinou o know-how da festa, as demais empresas envolvidas na organização e realização do evento têm endereço no Grande ABC. São cinco empreendedores, que constituíram a Viva ABC.


O programa liderado pelo Sehal e pela Viva ABC, com apoio da Prefeitura, não se esgota nos três dias do ABC Folia. Projeto Régua e Compasso destinado a crianças com apoio do Olodum, forró, festival gastronômico, Música Instrumental em Paranapiacaba, danceteria itinerante, entre outros, completam o primeiro calendário de eventos. E tem mais programação sendo negociada. "Essa é a indústria do futuro em qualquer lugar do mundo" -- dispara Mauro Andrietta, sócio-executivo da Viva ABC.


Os organizadores só encontram fatos favoráveis no evento. Afinal, Santo André despontou na grande mídia como pólo de entretenimento. "É bem mais fácil atrair investimentos para o Município por meio dessa imagem do que das contumazes cenas de violência, enchente e degradação urbana. Nenhum empreendedor põe dinheiro num inferno" -- avalia Andrietta.


Por que os organizadores do ABC Folia escolheram a Avenida José Amazonas para a festa baiana? Facilidade de transporte, localização central e proximidade com equipamentos públicos. "Qualquer projeto, por mais perfeito que seja, não consegue agradar a todos" -- afirma Jesus Sangalo, que promete: "No ano que vem tem mais".


Leia mais matérias desta seção: Sociedade

Total de 1097 matérias | Página 1

21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!
20/01/2025 CELSO DANIEL NÃO ESTÁ MAIS AQUI
19/12/2024 CIDADANIA ANESTESIADA, CIDADANIA ESCRAVIZADA
12/12/2024 QUANTOS DECIDIRIAM DEIXAR SANTO ANDRÉ?
04/12/2024 DE CÃES DE ALUGUEL A BANDIDOS SOCIAIS
03/12/2024 MUITO CUIDADO COM OS VIGARISTAS SIMPÁTICOS
29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO
19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS
08/11/2024 DUAS FACES DA REGIONALIDADE
05/11/2024 SUSTENTABILIDADE CONSTRANGEDORA
14/10/2024 Olivetto e Celso Daniel juntos após 22 anos
20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?
18/09/2024 Eleições só confirmam sociedade em declínio
11/09/2024 Convidados especiais chegam de madrugada
19/08/2024 A DELICADEZA DE LIDAR COM A MORTE
16/08/2024 Klein x Klein: assinaturas agora são caso de Polícia
14/08/2024 Gataborralheirismo muito mais dramático
29/07/2024 DETROIT À BRASILEIRA PARA VOCÊ CONHECER