Sociedade

Muito mais que
jantares sociais

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/05/2000

O Grande ABC conta com pelotão especial de voluntários do bem. São homens de negócios e profissionais liberais que, além de dar duro no trabalho e se aperfeiçoar continuamente para não sucumbir à competitividade econômica, ainda encontram tempo e motivação para se dedicar à solidariedade. E que motivação! Distribuídos por 14 clubes, os 420 associados do Rotary Club International no Grande ABC se desdobram em ações sociais para abrandar a situação de uma região que atravessa longo processo de enfraquecimento econômico por razões que vão da velha evasão industrial à mais recente descentralização geográfica do setor automotivo. 

Juntos, os rotarianos dos clubes de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Ribeirão Pires e Mauá tocam obras sociais valiosas que só permanecem praticamente desconhecidas da maior parte do público por causa do caráter de discrição da instituição. Os rotarianos mantêm programas de qualificação de adolescentes para o mercado de trabalho, contam com clínicas para atendimentos médicos e odontológicos por preços mais do que subsidiados, promovem eventos para arrecadar recursos para entidades beneficentes e participam da gestão de entidades filantrópicas, entre outras ações amplamente respaldadas pelas esposas que se unem em associações paralelas. 

"Quando se fala em Rotary Club, muita gente recorre à imagem das colunas sociais e imagina senhores e senhoras bem-arrumados bebendo vinho importado em restaurantes chiques. Mas é muito mais do que isso" -- destaca Mário César Martins de Camargo, rotariano de Santo André e governador do distrito 4.420, que reúne 46 clubes da Zona Sul de São Paulo, Baixada Santista e Grande ABC. Mário César é diretor da Gráfica Bandeirantes, sediada em São Bernardo, e presidente da Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica).


Inserção profissional -- Tirar adolescentes das ruas para colocá-los no mercado de trabalho é uma das maiores especialidades do Rotary Club no Grande ABC. Juntos, os três clubes de São Bernardo, dois de Santo André e o de Diadema são responsáveis por 1,8 mil estagiários em cerca de 500 empresas. São jovens de 14 a 17 anos, de ambos os sexos, que recebem pelo menos um salário mínimo por mês.  "Fazemos a ponte entre a rua e o ambiente sadio das empresas" -- afirma Vanderlei Retondo, presidente do Rotary Santo André -- Norte e executivo de Recursos Humanos da Unipar, no Pólo Petroquímico de Capuava. "Muitos são efetivados nas empresas ao completar 18 anos" -- comenta Hélio Precinoti, vice e futuro presidente do Rotary Santo André-Norte e diretor da Colônia Imóveis. 

A colocação profissional corresponde à ultima etapa dos trabalhos, que começam com preparação técnica. Depois de selecionados por assistentes sociais, os jovens passam por curso de seis meses no qual aprendem datilografia, desvendam programas de computador e exercitam muitas rotinas de escritório. Cerca de 700 jovens participam do curso de quatro horas por dia. Têm alimentação inclusa em entidades criadas pelos Rotarys: Camp (Círculo de Amigos do Menor Patrulheiro) Piero Pollone, do Rotary Santo André -- Norte, sediado em Capuava; Corpo de Patrulheiros Mirins do Rotary Santo André -- Centro, na Vila Alice; Camp de São Bernardo, mantido em conjunto pelos três clubes locais no Bairro Assunção; e a Sodipron (Sociedade Diademense de Proteção ao Menor), de Diadema.  

O Camp de São Bernardo tem adicional em relação às demais unidades regionais: além de 400 adolescentes em preparação para o mercado de trabalho e 800 jovens estagiários em 200 organizações, outros 700 alunos estão em cursos extras de desenho técnico, espanhol, inglês, informática, matemática e música. Eles pagam mensalidades de R$ 15 a R$ 25 que apenas cobrem custos com professores. Os cursos especiais foram implantados em meados do ano passado para otimizar a estrutura de 1,5 mil metros quadrados construídos e 30 funcionários.


Saúde interessa -- Os rotarianos do Grande ABC também canalizam solidariedade para melhorar as condições de saúde dos excluídos num País e numa região em que atendimento médico é garantido de verdade somente para quem conta com planos privados. O melhor exemplo está em São Caetano: os três Rotarys locais fundaram e mantêm a Casa da Amizade, entidade filantrópica sediada no Bairro Olímpico que atende à população carente com vários serviços de saúde. 

"A Casa da Amizade foi creche até 1997, mas resolvemos mudar o foco porque o serviço passou a ser coberto a contento pelo Poder Público municipal" -- comenta Amilton Mauriz da Rocha, executivo de Recursos Humanos da Mercedes-Benz -- formado em Física -- e presidente do Rotary São Caetano -- Centro. O clube mantém a instituição ao lado do Rotary São Caetano -- Olímpico, comandado por José Claudimir Guidolin, executivo de Engenharia Industrial da General Motors, do Rotary São Caetano -- Oeste, dirigido pelo secretário e futuro presidente Gilberto Staingel, e do Rotary São Caetano-Leste, comandado por José Aurélio Martins. 

A Casa da Amizade realiza em torno de 1,2 mil atendimentos por mês no Núcleo de Desenvolvimento Infantil Lormínia Falchero. São 320 atendimentos mensais em fonoaudiologia, 190 em psicopedagogia, 480 em psicologia e 130 em odontologia. O valor pago pelos serviços depende das condições socioeconômicas dos beneficiados, mas nunca ultrapassa R$ 17 por seção. O último levantamento mostra que 62% dos pacientes pagaram R$ 7,50 por seção; 8% desembolsaram R$ 3,70; 15%, R$ 11,50; 6%, R$17; e para 9% o atendimento foi gratuito.

"Pretendemos ampliar a oferta de exames com fisioterapia e terapia ocupacional, além de instalar centro de diagnósticos com pediatria, neuropediatria e ortopedia" -- comenta Amilton Mauriz. O corpo técnico é formado por profissionais, mas todo o gerenciamento da Casa da Amizade é executado por esposas de rotarianos.

Quando não investem em estrutura própria como os clubes de São Caetano, os Rotarys do Grande ABC apóiam estabelecimentos médicos de terceiros. O Rotary de Diadema doou em 1996 US$ 10 mil em equipamentos para o setor de fisioterapia da Santa Casa de Diadema, por intermédio do Programa de Subsídios Equivalentes. A alternativa está prevista no estatuto do Rotary International, espécie de holding que controla quase 30 mil Rotarys Clubs no mundo inteiro. A Fundação Rotária entra com 50% dos recursos para projetos de comprovada relevância social e os 50% restantes são compartilhados entre o clube local e um parceiro estrangeiro; no caso de Diadema, o Rotary de Queens, nos Estados Unidos. 

"Os equipamentos permitiram duplicar a capacidade de atendimento. São 320 pacientes por mês, num total de oito mil procedimentos fisioterápicos" -- afirma Edson Ribeiro Vasques, presidente do Rotary de Diadema e também da Santa Casa. Edson é engenheiro civil e diretor da GRV Projetos e Instalações, empresa de arquitetura e de vistorias. 

Ações pontuais de grande relevância comunitária também integram o foco do Rotary no fragilizado setor de saúde. A Maratona da Saúde, promovida em fevereiro pelo Rotary Club São Bernardo -- Norte no estacionamento do Carrefour, atraiu centenas de pessoas com exames preventivos e gratuitos. Foram 428 exames para detecção de diabetes, 123 avaliações cardíacas com recurso de telecárdio, 450 de pressão arterial, 110 de bio-impedância e 260 avaliações para detecção de catarata. "Pretendemos promover uma maratona por ano" -- comenta o advogado Amauri Lima Soares, secretário e futuro presidente do Rotary São Bernardo -- Norte.  

O Rotary Club São Bernardo -- Centro, presidido pelo advogado Ivo Garbin, diretor da Imobiliária Garbin, dedica-se à reintegração de deficientes físicos por meio do Projeto Andar, conduzido em parceria com a Avape (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais) e com a Funap (Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel de Apoio ao Presidiário). O clube investiu no ano passado R$ 10 mil em equipamentos para produção de cadeiras de rodas. Os detentos da Penitenciária de Sorocaba têm direito a abatimento de um dia de pena a cada três trabalhados, além de um salário mínimo. As cadeiras produzidas pelos presos são doadas pelo Rotary e pela Avape.

Ivo Garbin afirma que 100 cadeiras de rodas já foram doadas e outras 300 serão produzidas até o fim do ano. Para tanto, o Rotary se comprometeu a repassar R$ 34,5 mil para a compra de matéria-prima.


Adoção de entidades -- Como casais bem-situados na vida que adotam crianças carentes, os clubes rotários do Grande ABC dão apoio a entidades assistenciais necessitadas de recursos financeiros. Trata-se de maneira particularmente eficiente de a sociedade civil contribuir para amenizar a exclusão social. Os esforços e as doações são direcionados a organizações não-governamentais cuja especialidade está justamente na capacidade de multiplicar recursos. Algo tradicionalmente pouco produtivo nas burocráticas e dispendiosas esferas governamentais.

O Rotary Santo André -- Campestre adotou o Núcleo de Apoio à Criança Madre Tereza de Calcutá, creche criada pela Pastoral do Menor e que acolhe 70 crianças de até seis anos no Bairro Camilópolis. Os rotarianos já doaram máquina de lavar roupa, televisão e videocassete. Visitam quinzenalmente a instituição para levar leite em pó, carne, arroz e outros gêneros alimentícios. "Ajudamos com tudo o que estiver ao nosso alcance" -- afirma o presidente Fernando Tadeu Ottolini, analista de sistemas que dirige a Arcca Consultoria e Sistemas e a Arccanos, loja de produtos de informática. 

O Rotary Club São Bernardo -- Norte adotou a Apae de São Bernardo, que não tem sede própria e está instalada na casa de um pai de excepcional, no Jardim Central. Doou computador, impressora, brinquedos educativos e contribui permanentemente com materiais de escritório e informática. O Rotary São Bernardo -- Planalto dá apoio permanente ao Projeto Cidadão do Futuro do Tiro de Guerra e à Associação Projeto Samaritano, albergue para indigentes no Centro do Município. Já ofertou roupas, bolas e até materiais para construção.

O Rotary Club de Ribeirão Pires beneficiou a Apae local quatro vezes pelo Programa de Subsídios Equivalentes. A estrela dos cerca de US$ 50 mil investidos nos últimos anos é um equipamento capaz de detectar perda auditiva em recém-nascidos, encontrado em poucos estabelecimentos médicos. O Rotary presidido por Osmar Zambroni, profissional do segmento de comércio de veículos novos e usados, também estende a mão à Pronovi (casa de recuperação de viciados em drogas), Labem (Lar de Idosos) e Copar (centro de iniciação profissional da Apae). Já o Rotary de Diadema doou US$ 16 mil para montagem de lavanderia completa no Lar do Ancião, no Bairro Serraria. Os recursos foram gerados pelo Programa de Subsídios Equivalentes.

A exceção à regra fica por conta do Rotary Club Santo André -- Sul. Mais do que adotar, criou entidade assistencial. O Espaço Infantil Cata Preta acolhe 80 crianças de três a seis anos que recebem alimentação e atividades educacionais e recreativas aos cuidados de 10 funcionários entre monitoras, auxiliares e cozinheiras. "Pretendemos aproveitar as quatro salas de aula também durante a noite com programa de alfabetização de adultos" -- comenta o presidente Pedro Silvério de Oliveira. Consultor organizacional na área de Recursos Humanos, Pedro Silvério dirige a Demand Serviços Empresariais, com sede em São Bernardo e escritório em Diadema. 


Know-how vale ouro -- Não é apenas com doação de equipamentos, materiais e mantimentos que os Rotarys Clubs atendem entidades filantrópicas. Os rotarianos também contribuem com repasse de know-how na condição de diretores e presidentes de instituições assistenciais da região. Na Casa da Esperança de Santo André, clínica médica e de recuperação com perfil profissionalizado mas que também conta com vertente assistencial de atendimento gratuito à população carente, a presidência e o conselho curador são formados por rotarianos. O mesmo ocorre em muitas outras entidades.

Dezenas de rotarianos e suas mulheres dedicam várias horas por dia a entidades assistenciais. "O papel da diretoria e da presidência é utilizar a experiência no mundo profissional e traçar estratégias para as instituições, além de valer-se de preciosos contatos pessoais para obter recursos financeiros. É correr atrás de recursos, buscar parceiros" -- explica José Antônio de Almeida, presidente da Casa da Esperança de Santo André.

A maior parte dos recursos financeiros aplicados pelos Rotarys regionais nas entidades assistenciais é gerada com eventos beneficentes. Forças-tarefas de mobilização envolvem não apenas rotarianos e esposas, mas outros familiares. Os eventos são os mais diversificados. Vão de chás, churrascadas e festas temáticas até eventos esportivos. É o caso da Corrida Ecológica do Rotary Club de Ribeirão Pires, versão regional da tradicional Corrida de São Silvestre que se estende por 16 quilômetros entre Paranapiacaba e a sede do Rotary em Ribeirão Pires. A quarta edição, em novembro de 1999, contou com 770 participantes e gerou R$ 7 mil com inscrições. 

A Festa do Queijo e Vinho integra o calendário do Rotary Club de Mauá. A 15ª edição está programada para junho, na Associação Atlética Industrial. "No ano passado foram mais de 400 participantes" -- comenta a presidente e advogada Anésia Guzdinskas, única mulher na presidência do Rotary no Grande ABC.


Rotary no mundo -- Os 14 clubes rotários do Grande ABC são a expressão local do Rotary Club International, maior organização não-governamental do mundo e a única com assento no conselho da ONU (Organização das Nações Unidas). A entidade foi criada em 1905 pelo advogado Paul Harris e outros três profissionais liberais para combater a falta de ética profissional e os problemas sociais da Chicago do início do século. Presente em 162 países, o Rotary International atua em nada menos que 50 mil projetos de prestação de serviços comunitários por meio de um batalhão de 1,170 milhão de associados, dos quais 52 mil associados brasileiros em 2.050 clubes. 

Os serviços incluem ações tão diversas quanto recuperação e profissionalização de deficientes físicos e mentais na Malásia, campanhas de prevenção à Aids no oeste africano e promoção de passeios ecológicos para deficientes físicos na Mata Atlântica brasileira. A empreitada social mais vultosa é a participação no programa Pólio Plus, cujo objetivo é a erradicação da poliomielite até 2.005, quando o Rotary International completará 100 anos. Mais de um bilhão de crianças foram imunizadas desde 1985 graças ao programa conduzido com a cooperação de governos nacionais e entidades não-governamentais como Organização Mundial da Saúde e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Os rotarianos terão contribuído com US$ 425 milhões até o final do programa, que consiste no oferecimento de vacinas, vigilância e mobilização social.

O Rotary International desfruta de abrangência global graças à política de atuação regional. Cada um dos 29.260 clubes em torno dos quais rotarianos de todas as nacionalidades se agrupam dedica-se ao atendimento das demandas sociais da região em que está inserido, além de desafios comuns como a poliomielite.

Na Finlândia, nação de primeiríssimo mundo onde não existe mendicância e meninos de rua, os esforços são voltados para a prevenção às drogas. Outra característica do Rotary está na seleção rigorosa de companheiros, como eles se chamam bem antes da fundação do PT.

O Rotary International se baseia em série de diretrizes para operar com eficiência nos quatro cantos do mundo. A principal é a democracia exercitada no rodízio de cargos diretivos. O mandato de presidente de cada clube tem validade de um ano. Assim, todos os rotarianos têm oportunidade de atuar à frente da organização. O rodízio vale também para a governadoria de distrito, que congrega Rotarys de determinada região geográfica, para a presidência nacional e internacional. É por isso que o nome da organização diz respeito ao termo inglês que significa rotativo. A adesão de novos associados se dá exclusivamente por indicação dos próprios rotarianos, nunca por candidatura.

A relevância do Rotary Internacional como instrumento de benchmarking para planejadores públicos e privados preocupados com os estilhaços do crescimento da exclusão social ganha realce quando contrastada com o momento delicado que a humanidade atravessa. Afinal, os avanços tecnológicos, científicos e culturais acumulados em milhares de anos não se mostram suficientes para estabelecer vida digna ao conjunto dos seres humanos.                                                         



Leia mais matérias desta seção: Sociedade

Total de 1097 matérias | Página 1

21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!
20/01/2025 CELSO DANIEL NÃO ESTÁ MAIS AQUI
19/12/2024 CIDADANIA ANESTESIADA, CIDADANIA ESCRAVIZADA
12/12/2024 QUANTOS DECIDIRIAM DEIXAR SANTO ANDRÉ?
04/12/2024 DE CÃES DE ALUGUEL A BANDIDOS SOCIAIS
03/12/2024 MUITO CUIDADO COM OS VIGARISTAS SIMPÁTICOS
29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO
19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS
08/11/2024 DUAS FACES DA REGIONALIDADE
05/11/2024 SUSTENTABILIDADE CONSTRANGEDORA
14/10/2024 Olivetto e Celso Daniel juntos após 22 anos
20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?
18/09/2024 Eleições só confirmam sociedade em declínio
11/09/2024 Convidados especiais chegam de madrugada
19/08/2024 A DELICADEZA DE LIDAR COM A MORTE
16/08/2024 Klein x Klein: assinaturas agora são caso de Polícia
14/08/2024 Gataborralheirismo muito mais dramático
29/07/2024 DETROIT À BRASILEIRA PARA VOCÊ CONHECER