Sociedade

Vem aí pesquisa que vai mostrar
cara da região. Um Frankenstein?

DANIEL LIMA - 11/01/2019

O Instituto ABC Dados promete esculpir a cara do Grande ABC em série de pesquisas, a primeira das quais vai ser anunciada neste dia 23 de janeiro num restaurante de Santo André. 

O lançamento oficial do ABC Dados é uma novidade no cenário regional tão pobre em matéria de investigação do que somos além dos dados estatísticos e análises que tanto LivreMercado quanto CapitalSocial esmerilham sistematicamente. 

Tomara que as inquietações que nos atormentam como rescaldo da desindustrialização continuada e ainda irrefreável saltem das pesquisas. Nossa viuvez industrial fez estragos. 

Um dia antes de os diretores do Instituto ABC Dados se reunirem com a Imprensa e convidados se completarão seis anos desde que, em 22 de janeiro de 2013, escrevi um texto para esta revista digital sob o título “Quantos deixariam a Província se fossem ouvidos pelo Ibope?”. Será que o ABC Dados vai responder?

Quando me refiro ao texto de seis anos atrás trato do fato de que, naquele ano, nada menos que 56% dos paulistanos deixariam São Paulo se tivessem oportunidade. “É uma pena que a Província do Grande ABC não tenha nada que se assemelhe à Rede Nossa São Paulo, ONG criada para buscar melhorias ao conjunto da população da Capital”, escrevi ao identificar a fonte daquela pesquisa contratado ao Ibope. 

Missão complicada 

O ABC Dados é uma empresa privada e só construirá reputação e, principalmente, com isso, preencherá as demandas da sociedade caso retrate um conjunto de valores, percepções e sentimentos com respaldo cientifico. É o que esperarmos. 

É muito difícil tentar desenhar a cara da região que o ABC Dados promete entregar a partir deste mês. Sem conhecer o questionário que já deve ter sido colocado no campo de jogo dos entrevistados, o que restaria não passaria de especulação. 

Mas quando se especula com base em experiência vivida, é diferente. Especulação ganha a forma de intuição, que não é outra coisa, entre tantas, que um rascunho pronto para ganhar formas definitivas, com direito a correções aqui e acolá. 

Também é preciso levar em conta que o enunciado de cada pergunta pode ser interpretado com determinado viés. O Instituto Paraná e o Datafolha fizeram recentemente sondagens. Foram saber o que pensam os brasileiros sobre determinadas questões. Uma das quais se referia às estatais. 

O Instituto Paraná detectou disposição majoritária de os brasileiros se livrarem das empresas do Estado de forma muito mais contundente que o Datafolha. Aliás, o Datafolha anunciou que a maioria segue contrária às privatizações. Algo, convenhamos, difícil de engolir após os atentados políticos contra a Petrobrás e tantas outras empresas supostamente do Estado, mas sequestradas por grupos de interesse.

Resultados eleitores 

A Folha de S. Paulo e seu braço de pesquisas não acumularam muito prestígio na última disputa eleitoral. Houve escorregões homéricos. Manchetíssimas sem lastro e projeções de resultados para lá de flácidas. 

A metodologia aplicada nem sempre resiste a uma operação pente fino de aplicabilidade cientifica. Mas os especialistas na área, que não são muitos, geralmente preferem o silêncio. 

O Brasil do politicamente correto é uma praga. Em nome do corporativismo, do compadrio, da covardia e de tantas outras coisas sedimentamos culturas de atraso. 

Ainda recentemente fiz análises inéditas sobre os resultados da eleição presidencial de outubro na região. Enquanto os jornais e sites preferiram o lugar-comum de sempre, registrando burocraticamente os resultados nos municípios, alguns com destaques aos distritos eleitorais, (caso do Diário do Grande ABC), trafeguei por caminho totalmente diverso. Cruzei os resultados de cada Município da região com bairros da Capital. Aproximei os assemelhados. Os resultados foram impressionantemente surpreendentes, como mostro no link abaixo. 

Responsáveis pelo ABC Dados, o engenheiro Mauricio Mindrisz e o especialista em opinião pública Marcos Soares sabem o tamanho dos desafios a enfrentar. O pioneirismo os colocaria em vantagem ante eventuais concorrentes, mas os riscos de arrumarem encrencas também aparecem no horizonte próximo. Não faltariam subjetividades de cunho político e partidário, por exemplo.

Escarrada e cuspida? 

O Grande ABC é uma colcha de retalhos comportamentais, resultado de diferentes realidades sociais e econômicas. Mas como está incrustrado na Região Metropolitana mais turbulenta da América Latina, também carrega fortes doses de compatibilizações naturais ou metabolizadas pela natureza desse enxame de mais de 20 milhões de habitantes em oito mil quilômetros de metros quadrados. Essa contradição é um desafio aos pesquisadores. Seremos uma São Paulo cuspida e escarrada nos ônus e com pouco saldo positivo nos bônus? Não tenho dúvidas sobre isso. 

No livro “Complexo de Gata Borralheira” pretendi mostrar síntese do que interpretava e interpreto como a cara e a alma do Grande ABC. A obra foi lançada em forma física e também em leitura dramática em abril de 2002 num Teatro Municipal de Santo André lotado. Era o aniversário de Celso Daniel, assassinado dois meses antes. Celso completaria 51 anos naquela noite. 

O vetor central de “Complexo de Gata Borralheira” não resiste de forma tão alarmante no Grande ABC desde muito tempo, mas o conjunto da obra segue estreitamente ligado em cada parágrafo, porque como bem definiu o jornalista Rafael Guelta, um dos prefaciadores, “é sociologia pura”. 

Contaminação nacional 

A criminalidade na região e na metrópole, motivação do assassinato do prefeito, entrou desde então em curva descendente. O governo do estado adotou políticas públicas a toque de caixa para amenizar aquele incidente. Além, é claro, de ter criado a fantasia de crime de encomenda massificado pela mídia. Também aproximou as forças policiais das forças do crime organizado. Coisa do governador Geraldo Alckmin que João Doria pretende eliminar.

Creio que os resultados do Instituto ABC Dados não fugirão do enquadramento que os institutos de pesquisas nacionais obtêm do ambiente nacional, os quais apontam a área de saúde como o calcanhar de Aquiles. É claro que a criminalidade segue incomodando, mas nem se compara àqueles tempos. 

Entre o manancial de informações que pretendo ver saltar das planilhas do ABC Dados está o que chamaria de sentimento de pertencimento à região. Isso quer dizer que quero saber quantos por cento da população de cada Município gostaria de ir embora da cidade, da região e quem sabe até do Estado. Qual o destino preferido de quem quer partir? E quantos não trocam a região por nada desse mundo? 

Teremos, nesse aspecto e em outros também um Grande ABC subdividido em vários departamentos comportamentais? Quem mora em Mauá é mais feliz do que quem mora em Santo André? E quem mora em São Caetano não quer saber de morar em outro Município da região? Como a população de São Bernardo encara uma pergunta que diz respeito à intenção de mudança de Município nestes tempos em que a recessão apanhou de frente o setor automotivo? Qual é a imagem dos sindicalistas no território regional? 

Contradições regionais 

Seria o Grande ABC a configuração geral de um Frankenstein comportamental por conta das peculiaridades de cada Município ou as diferenças históricas não pesam tanto na definição do rosto regional porque a vida cotidiana acaba por fundir sentimentos, reações, perspectivas, independentemente do Município em que se vive?

Vou tentar traduzir esse aparente emaranhado teórico. Quero dizer que seria a população de Mauá menos feliz por morar em Mauá do que a população de São Caetano por morar em São Caetano, municípios de fundos contrastes em indicadores sociais e econômicos? 

Especulativamente diria que a probabilidade de a resposta ser negativa é forte. Quem compartilha de ambiente semelhante com outros moradores acaba por cultivar valores sensoriais igualmente semelhantes. O desconforto ou a satisfação provavelmente mudaria de rumo para quem troca Mauá por São Caetano e São Caetano por Mauá. O choque seria inevitável. 

Conclusão: a população de Mauá pode ter sim o mesmo ou semelhante grau de satisfação ou de insatisfação de morar onde mora em relação a população de São Caetano por também morar onde mora. Realidades diferentes, sentimentos iguais. 

Nada, entretanto, garante que o resultado, mesmo que eventualmente diferente, seja extraordinariamente diferente: o fator balaio de gatos metropolitanos pesa sensivelmente. Sobremodo porque grande parte da população economicamente ativa dos sete municípios da região atua fora dos respectivos territórios, muitos dos quais, principalmente, na Capital tão próxima e logisticamente tão desgastante.

Ambiente metropolitano 

Talvez uma pergunta-chave se sobreporia inclusive à satisfação de endereço de moradia caso se pergunte aos entrevistados sobre a satisfação de morar numa cidade que faz parte da região e que, por sua vez, está na maior metrópole brasileira. Traduzindo: o entrevistado se sente feliz, tanto faz ou infeliz por morar numa área geográfica de mais de 20 milhões de habitantes? 

Também entendo que o ABC Dados poderia tirar a limpo o sentimento de Gata Borralheira que impregna as relações com a cinderelesca São Paulo. Numa das próximas rodadas de pesquisa poderia esmiuçar o assunto como perguntas-chave. 

No livro que escrevi sobre o tema mencionei diversos exemplos e nada se alterou desde então: a Capital é vista como um oásis em várias atividades. Tanto é verdade que lendo outro dia a coluna social do Diário do Grande ABC observei que uma grande banca de advogados de Santo André festejou o aniversário da empresa no Terraço Itália, em São Paulo. Tudo registrado e publicado com a euforia de quem visita a Torre de Pizza. 

Nosso gataborralheirismo tem componentes de lógica evidente, porque Capital é Capital, mas também se manifesta como sentimento de inferioridade cultural. Dirigentes do Diário do Grande ABC dos bons tempos, tempos em que a publicação era a Rede Globo da região, se orgulhavam de reforçar empresas de comunicação de São Paulo que buscavam talentos na Rua Catequese. E jornalista que se prestava a dar impulso na carreira virava a bunda para a Meca paulistana como objeto de desejo. Se a região era assim nos tempos de fartura, imaginem agora. 

06/11/2018 - Somos Bela Vista, Itaquera, Mooca, Pinheiros e muito mais 



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