Nada menos que 46% dos moradores deixariam o Grande ABC se pudessem mudar de vida. O resultado é da pesquisa do Instituto ABC Dados que estamos vasculhando para entender a “Cara do ABC”. Esses moradores não formam a maioria. Nada menos que 53% não sairiam da região. Mas os moradores de São Caetano são os mais fieis a se manterem aqui. Apenas 28% dos entrevistados pensariam em trocar de endereço, retirando a região do domicílio.
Os demais números envolvendo moradores da região são menos confortáveis. Santo André perderia 48% da população se houvesse uma varinha mágica que atendesse ao desejo dos moradores. Em São Bernardo o universo de desistentes seria maior: 51%. Diadema e Mauá surpreendem com menos potenciais retirantes: 43% e 42%.
Em Ribeirão Pires há empate entre quem ficaria e quem sairia: 50% para cada lado. Rio Grande da Serra, o menor Município da região, com apenas 2% da população, perderia 55% dos moradores se a pesquisa virasse realidade.
A liderança de São Caetano não surpreende num quesito que tem tudo a ver com autoestima municipal, muito mais que regional. Sobram vetores históricos de qualidade de vida que pesam nas avaliações. Tanto que os dados que publicamos ontem sobre o nível de satisfação dos moradores da região com os serviços públicos de Educação, Saúde, Segurança e Transporte, além de Trânsito, colocam São Caetano na liderança disparada do ranking regional com 81 pontos positivos. As demais, menos São Bernardo, só colecionaram índices negativos.
Gata Borralheira
O que se pergunta é se o eixo da indagação do Instituto ABC Dados não estaria de alguma forma contaminando os resultados, dadas as características muito peculiaridades de São Caetano, de sentimento coletivo com certo grau de exclusividade no território regional. Tratei disso com clareza no livro Complexo de Gata Borralheira, lançado na noite de 16 de abril de 2002 em homenagem ao 51º aniversário de Celso Daniel, prefeito de Santo André assassinado dois meses antes.
A pergunta-chave respondida pelos entrevistados em meados de janeiro agora pelo Instituto ABC Dados tem o seguinte enunciado:
Caso pudesse, sairia da região do ABC para viver em outra cidade ou região, ou não sairia da região do ABC?
O que se coloca como pergunta mais apropriada a dar um toque indispensavelmente municipal ao questionário seria o seguinte:
Caso pudesse, sairia de São Caetano para viver em outra cidade desta região ou fora desta região ou não sairia de São Caetano jeito nenhum?
O questionário seria adaptado para cada cidade da região, sempre com as duas questões em paralelo. Explica-se essa proposta: o morador de um determinado Município da região pode pretender deixar o domicilio em favor de outro Município da região. Uma pergunta que se desdobraria dessa resposta comportaria ao entrevistado apontar qual a cidade da região na qual gostaria de morar.
Na prática nem seria necessária nova pergunta. Bastava seguir a indagação sugerida e oferecer as opções, como em tantas outras questões apresentadas.
Sem alternativa regional
O que quero dizer com isso é que existe um potencial de pretensão de saída de moradores do Grande ABC que, explorados em algumas alternativas, poderia apontar outro endereço regional como domicilio sonhado. Mais que isso: quando se coloca o questionamento deliberadamente municipal, como proponho, a lógica municipalista predominante numa região sem regionalidade seria muito mais aderente.
Quem entende que essa correção de rumo seria um exagero conceitual recomendamos atenção a outro resultado da pesquisa do Instituto ABC Dados como elemento à avaliação mais cuidadosa. Trata-se da seguinte indagação:
Em sua opinião, a região do ABC é um lugar (ótimo, bom, regular, ruim, péssimo ou não soube responder) para se viver?
De novo a configuração da pergunta em torno do ABC como um todo, não de um Município de forma específica, gera conflitos quanto ao resultado final porque, repetimos, o municipalismo materializa-se historicamente na região, da mesma forma que o subjetivismo comportamental e sensorial.
São Caetano lidera na baixa intenção de saída dos moradores (apenas 28%) e conta com 81% de moradores que optaram por “ótimo” ou “bom” como resposta a viver na região. Entretanto, perde para os 84% de Ribeirão Pires e 85% de Rio Grande da Serra, cujos moradores manifestaram, na questão anterior, 50% e 55% de intenção de sair da região. Ou seja: quase o dobro do índice de São Caetano.
Contradições latentes
O que essa contradição poderia sugerir? Que os moradores de São Caetano só não se sentem mais adeptos de “ótimo” e “bom” para morar na região porque moram na região, não especificamente em São Caetano, como induz o questionário. E, diverso disso, os moradores de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, mais adeptos de retirada da região, se sentem mais felizes por morar nessa mesma região exatamente porque a pergunta trata da região, não dos respectivos municípios em que residem.
É claro que essa definição comporta novas versões, mas algo parece imutável como centro explicativo: o municipalismo não pode ser desprezado quando se trata de conhecer a autoestima e assemelhados dos moradores da região. Eles estão na região por circunstâncias geográficas, apenas ou na maioria dos casos. Afinal, são cidadãos municipalistas. Tanto quanto autoridades públicas, empresários, agentes sociais e tantos outros. Regionalismo aqui é em larga escala pregar no deserto.
Somente quem não tem intimidade com a região, quem superestima a região ou quem quer forçar a barra sobre a realidade é que acredita que existe regionalismo na região. O livro Complexo de Gata Borralheira mostra tudo isso e muito mais. É leitura obrigatória a todos que moram na região e indispensável a quem aporta na região.
Mais exemplos
Os casos de São Bernardo e de Santo André também merecem atenção. Em Santo André, 71% dos moradores entrevistados entre os mil da pesquisa regional optaram pelas alternativas “ótimo” e “bom” sobre viver no ABC, mas, em seguida, 48% manifestaram interesse em sair da região. Índice superior, portanto, aos 43% de Diadema e aos 42% de Mauá, cujas marcas de “ótimo” e “bom” quanto a viver na região não passaram de 63% e igualmente 63%.
Em São Bernardo, os números são parecidos aos de Santo André: 68% consideraram “ótimo” e “bom” viver na região, mas 51% afirmaram que gostaria de sair da região. O que se questiona é se o peso da região não atrapalha o peso de morar no Município em São Bernardo e Santo André.
Uma terceira questão apresentada aos mil entrevistados e que está entrelaçada às duas anteriores refere-se ao sentimento de morar no Grande ABC. De novo, coloca-se a questão regional como matriz de questionamento, não a cultura municipal. Eis o enunciado:
Diria que sente orgulho ou não sente orgulho de morar na região do ABC?
Confrontos esclarecedores
Um confronto entre uma São Caetano de Primeiro Mundo e uma Rio Grande da Serra de indicadores sociais e econômicos bem abaixo da média regional, além de serviços públicos de qualidade inferiores, deixa um enorme ponto de interrogação a ser desvendado ou, no mínimo, especulado.
Como é possível que 65% dos moradores de Rio Grande da Serra “sente muito orgulho” de morar na região enquanto que em São Caetano são apenas 48%? Uma pergunta que deve ser considerada relevante: o morador de Rio Grande respondeu com base na realidade municipal em que vive, no canto do mapa do Grande ABC, e despreza condicionantes que tornam a vida metropolitana uma enorme complicação que os moradores de São Caetano sofrem por se envolverem mais no dia a dia dessa imensidão geográfica? Parece que o municipalismo contraria o regionalismo do questionamento.
Mauá é um exemplo de municipalismo de sentimentos evidenciado de forma expressiva, em contraponto dinamitador à pergunta de cunho regional. O sentimento de orgulho regional na questão apresentada pelo Instituto ABC Dados foi jogado no lixo pelos moradores de Mauá entrevistados porque apenas 26% disseram que “sente muito orgulho”, enquanto os demais “sente pouco orgulho” e “não sente orgulho”.
O sentimento positivo de orgulho regional proposto pela pesquisa em Mauá (26%) é muito inferior aos 44% registrados em Diadema. Essa comparação é pertinente e oportuna porque quando se respondeu à questão sobre “viver no ABC”, houve empate de 63% entre “ótimo e “bom”. Coincidentemente, a decisão de sair da região envolvendo os moradores dos dois municípios também é de empate técnico: 43% deixariam Diadema e 42% Mauá.
Qual é, portanto, a explicação à baixa estima de Mauá quando se trata de morar na região, conforme está formulada a questão na pesquisa? Simples: os moradores de Mauá responderam com base no que vivem, historicamente depreciativo por série de razões, agravadas nos últimos tempos por série de escândalos políticos, com troca-troca de prefeitos por causa de ações da Polícia Federal e do Judiciário.
Traduzindo: a cabeça do morador de Mauá se manifestou de forma semelhante à dos moradores dos demais municípios, com graus supostamente variáveis de situações positivas e negativas, respondendo, portanto, aos anseios municipais, não da região.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!