Sociedade

Região é mesmo contrária a
teses de Bolsonaro? Duvido

DANIEL LIMA - 11/02/2019

Duvido mesmo que o Instituto ABC Dados reproduza o sentimento majoritário regional nas questões que apresentou a um grupo de mil entrevistados para saber se o governo de Jair Bolsonaro conta com o apoio ou com a discordância em teses essenciais à vitória na eleição em outubro do ano passado. Para resumir o que destrincho em seguida, o que temos são enunciados de pesquisadores descolados das narrativas que dominaram a disputa eleitoral. Contraponho o simplismo desses enunciados à síntese do pensamento programático, por assim dizer, do então candidato à presidência da República. Em seguida, me posiciono para os leitores entenderem o que penso sem o disfarce do politicamente correto da maioria. 

Para ser mais enfático ainda sobre os resultados da pesquisa: o ABC Dados pode estar reproduzindo com fidelidade absoluta sentimento às questões apresentadas sem a devida contextualização, não à essência das teses debatidas na campanha eleitoral. 

Vou tentar explicar o que é uma coisa e o que é outra coisa, porque quando se coloca tudo num balaio de gatos interpretativos, o resultado é sempre desastroso.

Há uma diferença enorme entre uma coisa e outra, portanto. Trocando em miúdos: as questões apresentadas em meados de janeiro deste ano a moradores locais falsificam o ambiente regional neste novo governo federal. 

Bolsonaro ganhou a disputa presidencial por um conjunto de valores ou propostas, entre os quais, como reitera de forma enviesada o ABC Dados, pautas incorporadas à pesquisa. O problema é que os enunciados divergem. O que separa a realidade eleitoral das propostas apresentadas na pesquisa é como água e óleo. 

Há uma diferença brutal entre uma coisa e outra. Por isso, o resultado colide frontalmente com a expectativa regional positiva do novo governo, conforme resultados divulgados anteriormente pelo mesmo ABC Dados. Bolsonaro contou com 58% de aprovação quanto a um cenário de expectativas positivas. Um pouco abaixo dos 65% detectados pelo Datafolha em nível nacional um mês antes. Nada a surpreender: o eleitorado da região vai na valsa da indústria automotiva. Em situação de crise, ou de início de pós-crise, o azedume ainda floresce.

Conflito de resultados 

Nas teses apresentadas pelo instituto aos moradores os números são totalmente adversos dos resultados sobre a expectativa dos moradores sobre o governo Bolsonaro. O que aparentemente seria um paradoxo de fato é imprecisão, é inadequação, é leitura inapropriada da proposta de ouvir os moradores. 

Sem lero-lero, vamos às questões apresentadas e aos respectivos resultados do Instituto ABC Dados. Em seguida, fechando este texto, vou dar sentido prático à inobservância da realidade eleitoral de outubro passado quando transposta ao escrutínio de janeiro deste ano pelo Instituto ABC Dados. Vendeu-se gato de valores agregados do discurso do candidato que virou presidente por lebre do discurso de valores agregados de pesquisadores donos de enunciados sob outra perspectiva. 

Leiam os respectivos enunciados formulados pelo instituto de pesquisas e entendam por que estão divorciados das mensagens da campanha de Jair Bolsonaro e, portanto, distante do pensamento majoritário dos moradores da região: 

 O governo deve privatizar, ou seja, vender, o maior número possível de empresas estatais?

 É preciso ter menos leis trabalhistas?

 Possuir uma arma legalizada em casa deveria ser um direito do cidadão para se defender?

 Poder andar livremente com uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender?

 Ensino de Educação sexual nas escolas?

 Ensino de Assuntos políticos nas escolas?

Todas essas questões foram formuladas tendo o seguinte enunciado para definição de posicionamento:

 Vou citar algumas frases e peço que me diga se concorda totalmente, concorda em parte, não concorda nem discorda, discorda em parte ou discorda totalmente. 

Resultados da pesquisa 

O relatório do Instituto ABC Dados informa que a maioria discorda das principais teses do novo governo. Deixou de dizer que essas não são as principais teses do novo governo federal. São teses dos formuladores da pesquisa. Leiam alguns parágrafos:

 A maioria dos moradores do ABC, quando apresentadas às principais pautas do recém-iniciado governo Bolsonaro, demostra discordância com todas elas. Para alcançar esse resultado foi apresentado aos entrevistados um conjunto de frases e a eles foi perguntado o quanto concordavam ou discordavam de cada uma delas. As frases visavam representar os temas mais polêmicos defendidos pelo novo governo, como a defesa da privatização, a posse e o porte de armas, menos direitos trabalhistas e o conceito do projeto “escola sem partido”. O resultado mostra que há um distanciamento da população em relação ao que defende o novo governo. A maioria se posiciona de maneira oposta às teses governistas – escreveram os representantes do Instituto. 

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 Para medir a adesão à intenção do novo governo de privatização de estatais, foi apresentada a seguinte frase (...). A maioria discorda da afirmação, 13% discorda em parte e 41% discorda totalmente; 31% concorda totalmente ou em parte e 9% nem discorda. 

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 “Menos direitos trabalhistas”, essa frase foi apresentada aos entrevistados para avaliar o quanto eles estavam de acordo com a tese da diminuição de direitos trabalhistas para garantir ou gerar empregos (...). A maioria, 53%, discorda da afirmação; 16% discorda em parte e 37% discorda totalmente; 32% concorda totalmente ou em parte e 12% nem concorda nem discorda. 

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 O governo Bolsonaro apresentou nos seus dias iniciais um projeto que facilita a posse de armas para qualquer cidadão. Para medir a adesão a essa iniciativa, foi apresentada a seguinte afirmação (...). A maioria dos moradores do ABC discorda totalmente dessa ideia (51%) e outros 10% discorda em parte; 32% concordam totalmente ou em parte e 5% nem concordam nem discordam. 

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 A pesquisa questionou também a respeito da defesa do porte de armas, ou seja, o direito de qualquer cidadão portar uma arma consigo. A frase apresentada (...). Aqui a discordância é ainda maior: 66% dos entrevistados discordam totalmente com a defesa do porte de armas, outros 11% discordam em parte; 19% concordam totalmente ou em parte e 4% não concordam nem discordam.

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 O projeto “Escola sem Partido”, que entre outras coisas propunha restringir a discussão de sexualidade e política em salas de aula, tem a defesa de muitos membros do novo governo. (...). Metade dos moradores do ABC concorda que haja educação sexual nas escolas. Outros 41% discordam totalmente ou em parte. (...). Em relação à discussão sobre política em sala de aula, a concordância é majoritária entre os moradores do ABC: 50% concorda totalmente e outros 18% concorda em parte; 22% discorda totalmente ou em parte e 9% não concorda nem discorda. 

Enunciados adequados 

Quem tem alguma noção do significado de pesquisa de opinião pública sabe que nem sempre o que é cor de rosa se apresenta como cor de rosa. Ou outro exemplo cromático qualquer. Para que se pudesse vincular sem deformação a expectativa dos moradores sobre o governo Bolsonaro levando-se em conta a realidade dos fatos apresentados na temporada de caça aos votos, as questões formuladas deveriam obedecer ao seguinte critério conceitual -- tratando-se das questões apresentadas pelo Instituto ABC Dados e mantendo as alternativas de escolhas de cada entrevistado:

 Levando-se em conta os enormes prejuízos e os escândalos nas empresas estatais do governo federal, ou seja, empresas mantidas com dinheiro público, do contribuinte, o senhor venderia o maior número possível dessas empresas instrumentalizadas por políticos de carreira e funcionários públicos inescrupulosos?

 Considerando-se que temos perto de 30 milhões de brasileiros na informalidade ou subempregados por conta, entre as principais, da rigidez das relações entre empregados e empregadores, o senhor acredita que é preciso proceder a uma reforma trabalhista? 

 Considerando-se que os cidadãos brasileiros estão cada vez mais vulneráveis à bandidagem, o senhor defende a legalização de uso exclusivamente domiciliar, em casa, de arma de fogo e que, portanto, essa decisão é um direito para se defender?

 O senhor entende que é justo qualquer cidadão habilitado por organismos de Segurança Pública sair às ruas, ir a ambientes públicos e privados, podendo andar livremente, portanto, com uma arma legalizada?

 O senhor considera natural o uso da escola como local não só de aprendizagem formal e necessária para a melhoria dos indicadores educacionais do País como também para doutrinação sexual?

 Considerando-se as fragilidades do ensino no País, como entende a introdução na agenda escolar de assuntos relativos à partidarização, ou seja, a escola como palco de doutrinação política?

Questão de fidelidade 

Não custa repetir aos eventuais opositores do conceito utilizado nestes questionamentos: estou estendendo o elástico temporal, de forma pragmática, sem sofisticação malandra, tendo como ponto de partida o que expôs literalmente o candidato vencedor na campanha eleitoral, sobremodo nas redes sociais, e o que os moradores de maneira geral reúnem de informações sólidas sobre esses assuntos. 

Vou tentar ser mais enfático e objetivo: aos moradores ouvidos pelo Instituto ABC Dados, diante da expectativa do que observam no novo comando federal, os enunciados das principais teses desse mesmo governo, conforme consta da pesquisa, não poderiam jamais descolar-se do núcleo do discurso apresentado. 

Ou seja, apenas para citar um dos seis casos das teses: existe uma diferença abissal entre a seguinte pergunta (“Ensino de Assuntos políticos nas escolas”), e as respectivas alternativas de “concorda totalmente”, “concorda em parte”, “não concorda nem discorda”, “discorda totalmente” e “não soube responder”, e a versão que acabo de formular: “O senhor considera natural o uso da escola como palco à sexualização...”?

Não venham com tergiversações. Essa é a questão chave das questões apresentadas, com perdão da redundância: a campanha de Jair Bolsonaro expôs e dissecou os cinco pontos temáticos que constam superficialmente, e, portanto, com fundas imprecisões, do questionário do Instituto ABC Dados.  

Fosse feita a ligação direta entre a clareza de entendimento do eleitorado sobre esses pontos em outubro e a pesquisa de campo em janeiro, o resultado teria sido muito diferente do anunciado pelo ABC Dados. Jair Bolsonaro seria aprovado pelos moradores em consonância com a aprovação à expectativa de governo. 

Meus posicionamentos 

E para que não fiquem dúvidas sobre minhas opções nas questões abordadas, respondo sem pestanejar:

 O governo federal, os governos estaduais e os municípios devem privatizar tudo que seja possível e desenvolverem mecanismos-padrão de fiscalização pós-privatização. Pior que empresários sanguinolentos são os burocratas públicos ávidos por malandragens com o dinheiro dos outros.

 As leis trabalhistas da ditadura Vargas já não suportam os novos tempos em que a indústria digital passou a ser a queridinha do mercado de produção. A precarização do trabalho é um processo inescapável mesmo entre os bem-aventurados com-carteira, sobremodo em economias que insistem em permanecer na última fileira de competitividade.  

 O uso de arma em ambiente doméstico, seguindo-se preceitos de legalidade e destreza, é um risco semelhante ao de não poder contar com essa medida. A individualização da responsabilidade não fere direitos de terceiros, desde que terceiros não invadam a casa dos primeiros. 

 Andar livremente com arma legalizada é uma roubada. Jamais o farei porque posso dar de cara com bandidos em busca de pretexto para me eliminarem. Sem contar que meu temperamento latino pode estar num dia azedo.  

 Ensino sexual nas escolas que não sabem ensinar nem dentro dos padrões convencionais poderá se tornar um ramal de esculhambação geral da putaria institucionalizada. A estridência do interesseirismo tem evidente conteúdo ideológico, mesmo que não seja no grau de terrorismo destilado pelos conservadores mais conservadores.

 Ensino de assuntos políticos nas escolas majoritariamente dominadas por fósseis ideológicos à direita e à esquerda é um convite à estupidez com prazo de validade ininterrupto. Está na hora de buscar saídas para melhorar o ranking brasileiro em diferentes modalidades educacionais. Chega de analfabetos funcionais e de espertalhões político-ideológicos. 



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