Sociedade

Quando o olho é o
espelho da alma

TUGA MARTINS - 05/09/2000

O cabo do Corpo de Bombeiros apelidado Jabá não fazia idéia de que o chute desferido na canela do colega de graduação Celso Fernandes Batello seria o estalo para levá-lo às salas de aula da Faculdade de Medicina do ABC. Em plena década de 70, quando a juventude alinhava-se ao movimento hippie, Celso Batello iniciava carreira no Hospital Militar de São Paulo e apercebia-se de que precisava de mais liberdade para exercer a profissão. Essa consciência ficava clara na medida em que alternava atendimentos rotineiros com chamados de resgates memoráveis, como o do incêndio da Volkswagen que exigiu mais que coragem do grupamento na hora de retirar vítimas debaixo dos escombros, então sustentados por um guindaste que não inspirava muita confiança. "Não foi fácil decidir entrar, mas enfrentamos e resgatamos aquelas pessoas na Volks. Adorava ser bombeiro. Foi uma experiência de doação e desafios, de viver perigosamente. Mas queria fazer mais para preservar a vida humana" -- conta Batello, que aos 25 anos pediu baixa da corporação e embrenhou-se na pesquisa médica.


Foi então que um filme chinês apresentado pelo cardiologista Eurícledes de Jesus Zerbini o seduziu para o universo alternativo da medicina. O filme trazia cenas de cirurgia cardíaca feita sob sedação por acupuntura, técnica oriental que utiliza agulhas em pontos estratégicos dos meridianos do corpo. O jovem médico ficou impressionado e também entusiasmado. Tinha achado a vertente. Quase três décadas depois, Celso Batello, hoje com 49 anos, não tem dúvidas de que tomou o caminho certo. Homeopata e especialista em iridologia, ciência que analisa as condições de saúde por meio de avaliação das íris do paciente, Batello defende o uso da acupuntura como coadjuvante da anestesia clássica e comemora os resultados de pós-operatórios. "Medicina é uma só. O que muda é a forma de terapia. Mas uma não exclui a outra. Ao contrário, complementam-se" -- pontua o médico de Santo André. 


Não satisfeito com o volume de aprendizado adquirido no Brasil, Celso Batello correu atrás do melhor para incrementar os conhecimentos. Escolheu para mestre nada menos que Jensen Bernard, papa em iridologia no mundo. Depois disso, iniciou mestrado em Homeopatia na Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo, onde defende a tese Poder Anti-Radical Livre do Medicamento Homeopático.


É por conta dessa bagagem acadêmica selecionada a dedo que na sala 21 do número 356 da Rua das Bandeiras, no Bairro Jardim, que Batello atende pessoas de todo o Brasil. Lamenta que a maior procura é de pacientes que de alguma maneira não conseguiram resultados satisfatórios na medicina tradicional. Há também aqueles que recorrem ao método por curiosidade ou para fazer check-up. O preâmbulo do atendimento de Batello é a homeopatia clássica e se baseia na descoberta do medicamento de fundo de cada indivíduo. Ou seja, a substância que levará ao equilíbrio do organismo. 


Nascido em São Caetano, num tempo em que a área da General Motors acolhia matagal e a Avenida Kennedy não era mais que um córrego, Batello recorda a dureza dos tempos de estudante de escola pública na Vila Gerti, quando a necessidade de ter o próprio dinheiro o dissuadiu dos estudos e o levou precocemente ao mercado de trabalho. Por sorte ingressou no Corpo de Bombeiros.


Os anos dedicados aos estudos científicos não sufocaram a intuição de Celso Batello. Ele admite ser supersticioso. Acredita em Deus e na reencarnação ao mesmo tempo. Comunga o estilo literário de Paulo Coelho, mas discute a precisão de fenômenos sobrenaturais. "Não acho que os mortos têm permissão de vir e nem que os vivos tenham meios de recebê-los" -- dispara. Atualmente reserva interesse e vontade de aprender a cabala judaica, mas o cotidiano puxado pelas responsabilidades da profissão mantém a agenda comprometida cerca de 14 horas por dia. Para conter a hiperatividade confessa, caminha no Parque Duque de Caxias quatro vezes por semana depois do almoço e relaxa com a prática de Hata Yoga. "Já fiz Tae Kon Dô, mas a Hata Yoga é melhor para manter o equilíbrio" -- considera.


Apesar do prazer que desfruta no aconchego da família, Batello diz que precisa estar sozinho em alguns momentos. Se o assunto é viagem, está sempre de malas prontas para percorrer trilha ecológica ou para embarcar num avião rumo à Europa. Para o passaporte reserva espaço para carimbo peruano. Destino? Matchu Pitchu. Mas se o assunto é morar... Só Lisboa substituiria Santo André. O perfil delineado pela polaridade que Batello transparece também se expressa na paternidade. Na auto-crítica, diz-se afetuoso, porém rígido. Garante que dá direitos e deveres iguais aos filhos Caio Márcio e Marcella. Com a esposa Valéria mantém relacionamento espelhado na convivência harmônica dos pais Oscar e Clarisse. "Meu pai era muito prestativo" -- comenta, ao citar que no começo do casamento costumava até lavar louça.


Batello dedica o tempo que tem para lazer e entretenimento aos livros, seja para ler ou escrever. É autor de quase uma dezena de obras. Individualmente assina Iridologia e Irisdiagnose, Homeopatia x Alopatia, Homeopatia para Pacientes e Interessados, Hipoglicemia e a Síndrome do Pânico; Iridologia: O Que os Olhos Podem Revelar, Pressão Alta & Pressão Baixa, Terapêutica com Oligoelementos em Medicina Ortomolecular e Alimentação: Um Segredo da Saúde. Com colegas da Sociedade de Médicos Escritores divide a coletânea Iridologia Total, no qual solta veia poética. Entre as predileções literárias destaca a ficção de Isaac Azimov, autor da trilogia Fundação. Do cinema arquiva o clássico de David Lean, A Ponte do Rio Kwai, e a também trilogia Guerra nas Estrelas, de George Lucas. Experimentou a política filiando-se ao Partido Liberal então comandado no País por Afif Domingos, mas diz que perdeu o encanto. "Hoje temos poucas instituições sólidas. Acho que ainda restam a Igreja e o PT" -- polariza.


Batello crê piamente na teoria da conspiração, mas não se diz anti-americano. Desconfia das intenções de Walt Disney ao criar o personagem Zé Carioca que creditou à população do Rio de Janeiro rótulo de malandragem e vadiagem. "Apenas vejo com reserva o que eles fazem com a gente" -- justifica. E continua: "Tudo o que os Estados Unidos exportam, como modelos comportamentais com valores degradados e outros conceitos sócio-culturais explorados pelo cinema, não são praticados pela sociedade norte-americana". 


Para quem o dito popular de que os olhos são o espelho da alma ultrapassa a cercania cultural, Celso Batello avalia que o povo brasileiro perdeu o arquétipo. Ou seja, vive uma confusão de papéis. Foi iniciado nesse caminho pelo padre Rubens Chaborneau e indica para os interessados a leitura de História Secreta do Brasil, de Cláudia Pacheco. Para o papel de guru escolheu o coronel Sidney de Almeida, que oferecia a racionalidade para contrapor as intuições desde os tempos do quartel. "Os americanos têm Hillary Clinton como exemplo de primeira-dama, e nós temos a Nicéia Pitta" -- expõe. 


Além das convicções e decepções, Batello remói também frustrações, entre as quais a vontade de ter aprendido música. Diz-se encantado quando pensa no modo de criação dos compositores, especialmente os clássicos. Cita Luzes da Ribalta, que ajudou a imortalizar Charles Chaplin numa arte ainda muda. Na vitrola da juventude tocou The Beattles e Jovem Guarda e colheu posturas dignas na casa do amigo espanhol Manoel Palácio Lopez. Lá conviveu com o comportamento ao mesmo tempo forte e doce de dona Antônia, Mãe de Manuel. "Tive a felicidade de conviver com pessoas boas" -- registra.


Quando se olha no espelho Batello não nega que já foi vaidoso, mas que substituiu os cuidados com a aparência pela atenção à saúde. "É questão de amadurecimento" -- pontua. Embora arquitete estratégia alimentar para manter a boa saúde, o iridologista não enjeita boa e farta comida.


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