Ninguém duvida de que os 43 mil metros quadrados em área nobre de São Bernardo e que carregam o status de ex-Hollywood brasileira são importante símbolo do Grande ABC e podem ser usados como tônico eficiente para o relançamento da economia regional. Animadores culturais e homens de negócios dividem-se, entretanto, quanto à maneira de fazer a Nova Vera Cruz emergir como pólo cultural e de entretenimento. Há quem reprove totalmente o uso dos três estúdios -- que rodaram os primeiros filmes nacionais -- para sediar feiras de móveis, malhas e afins. Há quem defenda o reaproveitamento das megainstalações que restaram para atividades culturais e também comerciais, sob alegação de gerarem receitas que tornem o empreendimento auto-sustentável.
De qualquer forma, é unânime a cobrança para que o governo do Estado retome sua parte de R$ 5 milhões nos R$ 17,6 milhões planejados para custeio das obras, a fim de animar a livre iniciativa a também interessar-se por investir no empreendimento. Tudo o que a região deseja é que o projeto saia da zona escura do esquecimento das autoridades, que há dois anos rebatizaram o espaço de Nova Vera Cruz e anunciaram um supercomplexo cultural com teatro, museu do cinema, área para exposições e atividades artísticas, oficinas para agentes culturais e formação de mão-de-obra voltada à indústria cinematográfica, além de pólo produtor de filmes para cinema e TV ancorado na última palavra em laboratórios de audiovisual. A idéia é atrair apoiadores culturais e sócios-investidores para participação direta na bilheteria das produções e no uso dos espaços e equipamentos, não só como mecenato das artes, planeja o coordenador Ivan Ísola.
"Revitalizar a Vera Cruz é resgatar um ícone, além de uma possibilidade concreta de oferecer ao Grande ABC espaço digno de seu passado cultural. Será que a região poderá dar exemplo de respeito e valor à nossa história, como ocorreu recentemente em São Paulo com a recuperação da Estação Júlio Prestes?" -- desafia a jornalista Lúcia Sauerbronn, inconformada com a pouca importância que a cultura desperta no Brasil, geralmente relegada nos orçamentos públicos e com projetos seccionados a cada troca de comando político. "Sou absolutamente favorável à participação da iniciativa privada em projetos culturais. Por que não criar uma fundação que reúna livre iniciativa e Poder Público para acelerar, controlar e administrar de forma eficaz um projeto como esse?" -- sugere.
Além do possível -- A professora Terezinha Miquilin, dirigente do Colégio São Carlos em São Bernardo, e o empresário Hermes Soncini, presidente do Sindicato da Indústria de Móveis do Grande ABC, são veementes na defesa da retomada dos estúdios, mas acreditam que a Vera Cruz será viável como empreendimento se assumir perfil multifuncional. "O projeto deve levar em conta tanto o aspecto cultural como de gerador de recursos necessários para sustentá-lo economicamente, sem depender apenas de patrocínio do Estado ou da iniciativa privada. Deve haver adequação entre o desejável, o possível e o realizável. E as dimensões do projeto estão muito além do possível" -- acredita a professora Terezinha, que acha condizente unir atividades e produções culturais com feiras e exposições comerciais. É o que também pensa Hermes Soncini, cujo sindicato ocupou por vários anos a Vera Cruz para as tradicionais feiras de móveis da região. "Infelizmente a cultura não é prestigiada no País. Se o empreendimento for somente cultural, vai depender eternamente de injeção de dinheiro público. Congressos, feiras e shows são formas de também divulgar o Grande ABC em um espaço nobre do qual carecemos" -- defende Soncini.
"Feiras? Pra que feiras?" -- protesta o advogado e cantor lírico Plínio Ramacciotti, ex-secretário de Cultura de Santo André e defensor intransigente da Vera Cruz como espaço cultural que abrigue e multiplique todas as manifestações de artes. "Precisamos convencer o ilustre prefeito de São Bernardo, um homem voltado ao bem comum, a dirigir sua vontade política no sentido de fazer acontecer a Nova Vera Cruz" -- acrescenta. Ramacciotti acredita que o espaço permitirá que a iniciativa privada voltada diretamente à cultura, ou apoiadora da atividade, desenvolva espetáculos e exposições que poderão maximizar os estúdios em favor do Grande ABC. "O projeto é, na verdade, até pequeno diante da grandeza da região e da própria necessidade do mercado cultural, que parece à mingua de espaços adequados" -- expõe.
Igual opinião tem o secretário de Cultura e Esportes de Mauá, José Aparecido Barbosa, que não faz qualquer reparo quanto à Nova Vera Cruz originalmente destinada à cultura e às artes. "Nenhum projeto será megalomaníaco se for concebido considerando a capacidade de sua ocupação. É preciso esforço concentrado de governos, iniciativa privada e população para acelerar a recuperação do espaço" -- sublinha, convidando sobretudo empresários à empreitada: "Estará cada vez mais difícil o financiamento da cultura com recursos públicos".
A hipótese de voltar a desviar a finalidade da ex-Hollywood brasileira foi levantada pelo secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo, Fernando Longo. Dona da área, a Prefeitura usava-a para eventos sociais diversos e cedeu-a ao Estado para que custeasse a revitalização como pólo cinematográfico junto com a iniciativa privada. Em troca, administraria o Centro Cultural, o menor dos três estúdios e onde estão previstos teatro com mil lugares, área de exposição, escola de formação de mão-de-obra e biblioteca-museu. Com o repasse irregular da cota-parte do governo paulista, que até agora liberou R$ 1,7 milhão e voltou a prometer a retomada das parcelas para este mês, as obras sofrem constantes paralisações. Desanimado, também o prefeito Maurício Soares chegou a duvidar da continuidade do empreendimento original e cogitou retomá-lo para feiras e exposições. O secretário de Estado da Cultura, Marcos Mendonça, que durante um mês não retornou aos pedidos de entrevista de LM, teria anunciado a Maurício o reinício das obras e culpado mais uma vez a instabilidade econômica pelo aperto no orçamento público e o pouco interesse da iniciativa privada. Somente a Volkswagen do Brasil empenhou até agora R$ 500 mil ao Centro Cultural.
Jogo político -- "A vontade do Poder Público depende de jogos políticos de difícil decifração para a sociedade civil. Só a sociedade organizada poderia intervir nesse irritante processo slow-motion (lerdo). Nós ainda não temos essa organização, por isso a Vera Cruz deveria ser uma bandeira hasteada pela Câmara Regional, Consórcio de Prefeitos e Fórum da Cidadania" -- afirma enfática a escritora Dalila Teles Veras, de Santo André. Dalila é inabalável: rejeita qualquer idéia de dividir o espaço com eventos comerciais. "A volta à forma improvisada das feiras seria uma tragédia e uma tremenda frustração para toda a região, que há quase uma década vive de ouvir boas novas alternadas de sobressaltos e longos interregnos" -- expõe. A escritora faz ressalva à privatização dos serviços e produções dos estúdios, como pensa o coordenador Ivan Ísola. Dalila acha que a iniciativa privada pode ser sócia no sentido do lucro, mas precisaria ser muito mais parceira na ação cultural local. "Parte do lucro deveria voltar para onde foi retirado" -- propõe.
Outros que se dividem nas opiniões são o publicitário Adriano Kalhau, da Kad Propaganda de Santo André, e Ricardo Fioravanti, diretor de Marketing do Sincomércio (Sindicato do Comércio Varejista do Grande ABC). Adriano acha que o Grande ABC deve apostar fichas no projeto de Ivan Ísola de olhos fechados. "O megalomaníaco se relaciona com o impossível. O visionário trabalha com o real. Tudo depende de quem está no comando, distinguindo o que se quer e o que se pode fazer. Se Ísola possui as qualidades para ser nosso Bugsy, temos de apoiá-lo porque serão muitos os beneficiários" -- relata o publicitário, fazendo referência ao empresário norte-americano que transformou o deserto de Las Vegas em um dos principais pólos turísticos e de jogos do mundo. "Entretenimento, filmes, documentários, enfim cultura, serão um grande filão do século XXI e as empresas já estão percebendo isso" -- anima-se.
Ricardo Fioravanti acha que a questão cultural está acima de qualquer discussão, mas hesita em acreditar em espaços que se prestem a uma única manifestação. Ele já trabalhou no marketing da Sociedade Oliveira Lima em Santo André e acha que quase sempre o sucesso das atividades está ancorado na múltipla utilização que o equipamento público ou espaço privado possa ter. Tornar os financiadores sócios da iniciativa é outra forma de viabilizar a Nova Vera Cruz com agilidade. "Acho o projeto grandioso e gosto de projetos grandiosos. Gostaria de ver todo o potencial do audiovisual instalado na região e de volta as feiras e todos os novos eventos de negócios que se poderão organizar com infra-estrutura e profissionalismo" -- afirma.
A executiva Silvana Pompermayer contemporiza. Gerente do Sebrae São Bernardo, Silvana acredita que toda grande transformação deve ser executada por etapas e sofrer ajustes durante a implementação. Acha possível, por isso, unir objetivos sociais e empresariais. "Um pólo cultural resgata o indivíduo como cidadão e também abre novas frentes e mercados, pois aquece os segmentos comercial, de serviços, turismo e hotelaria" -- conceitua. Interesses comerciais e necessidades regionais de difusão da cultura, para ela, podem ser complementares no que se refere ao fomento regional de negócios e empregos. Sobre isso, o coordenador Ivan Ísola já tem resposta pronta: 28 filmes financiados desde 1996 pelo PIC-TV Cultura (Projeto de Integração Cinema-Televisão) geraram 3,2 mil empregos, quase uma Ford de São Bernardo, ao custo de R$ 3 milhões cada produção.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!