É possível uma entidade que orienta jovens carentes para uma profissão, manter-se economicamente viável mesmo procurada até por famílias de classe média?
A entidade existe em Diadema há 30 anos, já formou 25 mil jovens, ou mais de 7% da população da cidade, só que não é pública como muitos pensariam inicialmente, mas fruto da união de empresários locais. A Sodiprom (Sociedade Diademense de Proteção ao Menor) evoluiu na prestação de um serviço essencial e serve de exemplo para iniciativas semelhantes que preservem o maior patrimônio de qualquer sociedade: o jovem. Estrutura enxuta e profissional garante política eficiente de parceria entre Poder Público e iniciativa privada e aponta alternativa para novos empreendimentos na área social.
Todo semestre, cerca de dois mil jovens de Diadema disputam 250 vagas da Sodiprom. Muitos são filhos da classe média, embora a instituição destine prioritariamente os cursos para famílias carentes. O motivo para tanta disputa é que ser estagiário da Sodiprom é passaporte quase garantido para um emprego. Não existe segredo para a fórmula dar certo. Ao contrário da maior parte das entidades beneficentes, a Sodiprom superou a fase de atividade exclusivamente benemérita para adotar o profissionalismo no trabalho social.
Quando surgiu, por iniciativa do empresário José Baraldi e do juiz Álvaro Damasio Galhanone, então titular da Vara de Menores de Diadema, a entidade tinha por objetivo tirar meninos e meninas das ruas, chaga social que só teria dimensões preocupantes anos depois. A idéia veio do escotismo, movimento criado pelo inglês Baden Powell no início do século para dar noções de cidadania aos jovens com base em atividades no campo. De início, apenas 10 ou 15 crianças e adolescentes eram orientados na entidade. A vocação industrial de Diadema e o acirramento da crise econômica que reduziu a oferta de empregos foram, aos poucos, moldando a Sodiprom para o atual objetivo de orientar adolescentes no desenvolvimento profissional. A base pedagógica é a capacitação do jovem com fundamentos sobre o trabalho em escritórios. "Os estagiários passam a saber o que é duplicata, depósito bancário, mexem com contas a pagar e a receber" -- explica o presidente da entidade, o empresário César Roberto Mesquita.
O curso dura cinco meses e tem conteúdo abrangente na carga de 400 horas. O aluno recebe aulas de Técnicas Comerciais (com práticas e rotinas administrativas), Português (aperfeiçoamento de redação e interpretação de textos), Matemática (conceitos básicos e medidas de tempo, frações e percentagem), História, Geografia (com discussão de aspectos humanos e econômicos e físicos de Diadema, Estado e País), Civismo (noções de cidadania), Saúde (noções básicas de higiene e saneamento básico, palestras sobre drogas, Aids e primeiros-socorros), Relações Humanas (no grupo social, família e trabalho), Informática (noções sobre os programas Word, Excel e Windows), Orientação Profissional e Prevenção Psicossocial (auto-estima, orientação espiritual e sexualidade).
Ao final, o aluno é avaliado e poderá repetir o curso se não obtiver bom aproveitamento. Caso contrário, começa período de dois anos de estágio profissional em duas empresas diferentes -- um ano em cada. Em 1999, dos 485 alunos do curso, 411 conseguiram fazer estágio. É obrigatório que o jovem esteja cursando a escola formal. Caso apresente dificuldade nos estudos, terá na Sodiprom reforço escolar.
Projeto Despertar -- Como o público-alvo da entidade são jovens de famílias carentes, grande parte dos inscritos para o curso não tinham conhecimentos mínimos de Português e Matemática para acompanhar as aulas, produto de deficiências psicomotoras presentes nas camadas mais pobres da população. Por isso, desde 1996 a Sodiprom organizou o Projeto Despertar para desenvolver noções elementares como as quatro operações e rudimentos de redação e interpretação de textos. "Fazemos aquilo que a escola pública deveria fazer" -- declara César Mesquita.
Mas a Sodiprom faz muito mais. Os estagiários têm convênio médico, assistência psicológica, social e familiar, tratamento odontológico e seguro de vida quando na fase de estágio profissional. Mesmo depois de passar pelo curso e o estágio, ex-alunos ainda têm direito a orientação psicológica, social e odontológica. A gama de atendimentos fez com que, de mero trabalho assistencial, a Sodiprom passasse a ser procurada até por jovens com maior poder econômico. "Até famílias de classe média procuram nosso curso pela qualidade e porque a Sodiprom é conceituada como formadora profissional entre os empresários" -- explica o presidente.
A demanda obrigou a entidade a organizar espécie de exame vestibular para todos que são previamente selecionados. São provas de Português e Matemática que indicam a capacidade de aprendizado dos alunos. Para se inscrever, o jovem deve ter no mínimo 14 anos e estar matriculado e cursando a quinta série do Ensino Fundamental. Os critérios de seleção priorizam adolescentes de família com renda per capita inferior a R$ 50 ou que estejam acima dessa média mas com problemas de estrutura domésticas, como órfãos, casos de alcoolismo ou dependência química na família, maus tratos e negligência dos pais. A procura pelo curso da Sodiprom é grande porque ao longo dos 30 anos de atuação a entidade construiu imagem conceituada junto ao empresariado pela capacitação profissional, qualidade de ensino e apoio social junto à população. Pelas salas de aula da Sociedade Diademense de Proteção ao Menor passaram cerca de 30 mil jovens. Muitos se tornaram advogados, economistas, gerentes de banco e profissionais liberais. Um dos ex-estagiários da Sodiprom é o atual secretário de Governo da Prefeitura, Manoel Antônio da Silva.
Independência financeira -- "A Sodiprom não dá prejuízo porque anda sozinha, com as próprias pernas" -- declara com ponta indisfarçável de orgulho o presidente César Mesquita, ele próprio proprietário de empresa de autopeças e que consegue o milagre de sobreviver na selva econômica da globalização. Com receita de R$ 28 mil mensais, a entidade foi concebida pelos fundadores, todos empresários ligados ao Rotary Club, de forma a se pagar. Sabiam que era difícil se manter apenas com verbas governamentais e de política social ou atividades como bingos e churrascos, até porque a comunidade de Diadema tem poucos meios materiais. Perceberam também que os jovens que ingressassem na Sodriprom precisariam colocar em prática de imediato o que aprendiam nos bancos escolares da entidade.
A saída encontrada foi a parceria com indústrias, órgãos públicos e empresas de serviços que aceitassem estagiários a serem remunerados. A fórmula é simples: o parceiro dá ao jovem bolsa-auxílio de um salário mínimo por mês, além de doar à Sodiprom outra quantia, correspondente à metade da ajuda ao aluno. A doação de meio salário mínimo por estagiário permite que a entidade mantenha instalações e equipamentos adequados para os cursos e tenha nos quadros profissionais capacitados, além de oferecer convênio médico e psicológico aos adolescentes. Da receita mensal da entidade, perto de 65% destina-se a pagamento do seguro de vida e do plano de saúde dos alunos. O restante é revertido à manutenção. A Prefeitura de Diadema é o maior parceiro da Sodiprom: abriga 60 estagiários em secretarias e departamento municipais. Contribui também com 90% das despesas com alimentação. No entender de César Mesquita, é fundamental que o aluno tenha durante o curso boa alimentação, o que significa uma refeição de verdade por dia, com sopa, macarrão, arroz, feijão, carne e salada.
A independência financeira deu à Sodiprom condições de sobressair-se em meio à crise que sepultou inúmeras iniciativas sociais semelhantes. Mais do que a simples sobrevivência, a entidade obteve outra vitória. "Com a recessão dos últimos anos conseguimos efetivar 23% dos estagiários como contratados nas empresas, quando o saldo de empregos foi negativo" -- revela César Mesquita. Esse índice pode ser maior pois muitos jovens nem aguardam o final do estágio e a contratação na empresa porque conseguem outros empregos. Outros alunos saem da Sodiprom e ingressam no Senai de Diadema para dar prosseguimento a formação profissional mais apurada.
Independência financeira, qualidade no ensino e bons resultados são produtos de gestão profissional adotada pela Sodiprom desde o início da década de 90. Até então, apenas entre 60 e 70 jovens faziam o curso da entidade a cada semestre. Hoje, em cada semestre, cerca de 250 jovens passam pelas salas de aula da entidade, quase cinco vezes mais do que a capacidade inicial. O salto de qualidade nos serviços aconteceu há 10 anos. De um lado, uma direção reduzida e ágil: diretoria executiva de seis pessoas e conselho de administração com 20 membros, todos empresários em Diadema. De outro, uma estrutura funcional enxuta: 23 funcionários. Uma assistente social é também coordenadora. Há ainda um dentista, duas psicólogas, uma estagiária de assistente social que faz acompanhamento de todo o trabalho, seis escriturárias, três cozinheiras e nove monitores para as aulas.
"Antes a entidade era conhecida como a guardinha de Diadema. Mudamos esse conceito" -- ressalta César Mesquita, engenheiro mecânico formado pela FEI (Faculdade de Engenharia Industrial) no início dos anos 70 que trabalhou em montadoras da região e que em 1980 decidiu trilhar caminho próprio com empresa de autopeças. Mesquita tem opiniões definidas sobre a atual legislação de proteção de crianças e jovens. "O Estatuto da Criança e do Adolescente é genérico. É muita filosofia e pouca prática" -- afirma o empresário, que se declara contra o trabalho de menores de 14 anos. "Mas também temos de dar condições para os adolescentes entrarem no mercado de trabalho" -- opina.
Para mudar o conceito da Sodiprom, César Mesquita teve de enfrentar práticas consagradas como o clientelismo exercido por muitos vereadores, que indicavam candidatos para o curso. "Agora isso acabou: só entram os carentes" -- sentencia o presidente da entidade. O investimento na qualidade também se tornou prática na Sodiprom, que recentemente injetou R$ 35 mil na compra de 18 novos computadores para as aulas de informática. Nos planos de expansão está a conclusão de cinco novas salas de aula para dobrar a capacidade de atendimento. A Sodiprom está instalada em terreno doado pela família de Alda Moreira Estrazulas, que deu nome à avenida Alda, na rua Oriente Monte, ao lado da Praça da Moça, área central da cidade. Entre as novas preocupações de César Mesquita consta adaptar a entidade para dar conta da procura. Os cálculos incluem necessariamente a contratação de novos funcionários e professores, além da compra de mais material de apoio. O presidente não descarta até mesmo buscar o certificado ISO 9002 para carimbar a excelência dos serviços da Sociedade Diademense, que tem sua diretoria renovada a cada dois anos.
César Mesquita divide-se entre a empresa e a Sodiprom. O tempo todo tenta convencer mais empresários para encampar a idéia de fortalecer o projeto de dar orientação profissional para jovens da cidade, uma tarefa nada fácil. "São poucos que se dispõem a participar. Os outros dizem que não têm tempo" -- lamenta, ao interpretar que o empresariado deveria ter papel social mais destacado. "Eles também têm a função de educar e ensinar, e não ficar só esperando o governo fazer alguma coisa" -- afirma.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!