Sociedade

Ária dedicada ao
mundo forense

TUGA MARTINS - 05/01/2001

Nem que seja em pensamento, o advogado Plínio Vinícius Ramacciotti pega-se cantarolando uma ária de ópera por todo o tempo. Esse vício vem desde a infância, quando se deliciava em ouvir a ária E Lucevan le Stelle, ópera tosca de Giacomo Puccini, a qual batizara de La Vita. Os temas variam hoje de acordo com o ambiente, a pessoa com quem conversa ou o trabalho que comanda. Podem ser românticas, alegres ou dramáticas. "Quando atendo a um cônjuge traído no escritório logo me aparece Otello de Giuseppe Verdi ou Pagliacci de Leon Cavallo" -- conta. 

Embora a ópera lhe corra quente nas veias, Ramacciotti admite que deixou fugir a grande possibilidade de carreira lírica em meados dos anos 70, quando apenas dois teatros no Brasil apostavam nesse estilo clássico. Os estudos do tenor dramático heróico, tipo raro de voz, foram cortados em razão de desentendimento da coordenação do Teatro Municipal de São Paulo com a maestra Hermínia Russo, hoje com 97 anos e ainda considerada a maior entendedora de voz humana no País. Afastado do palco, Ramacciotti passou a dedicar-se integralmente à sua segunda paixão: o Direito.

Criminalista em Santo André conceituado no meio forense, ele confessa que na juventude alimentava projetos genéricos e que nunca se ateve a especialidades. Foi a pedido do irmão Virgílio que estudou para o vestibular e ingressou na Faculdade de Direito de Bauru. Na época Ramacciotti era funcionário do Banco do Brasil, onde trabalhou por 10 anos. Depois parou os estudos e passou a integrar a equipe da gerência de Marketing da Rhodia Têxtil, em São Paulo. Do Banco do Brasil Ramacciotti herdou a disciplina e o orgulho patriótico e da Rhodia, o tratamento gentil dispensado aos funcionários e o relacionamento hierárquico moderno, verticalizado, sem obstáculos de acesso às chefias. "Foram duas escolas extraordinárias" -- comenta o advogado. Embora estivesse estabilizado no mercado de trabalho, Plínio Ramacciotti acabou mais uma vez cedendo aos apelos do irmão Virgílio, que o levou novamente para as salas de aula. Desta vez na Faculdade de Direito de Guarulhos, onde terminou o curso. Colou grau em 1972 e começou a advogar em 1975.

Mas foi por conta de um bate-papo informal com o então gerente de Marketing da Rhodia, Carlos Bartolomeu Porto Cavalcante, que Ramacciotti se convenceu de que tinha alma de advogado. "Ele disse que eu tinha traços de seu finado avô advogado e eu acreditei nisso" -- comenta com sarcasmo. Dos mais de 30 anos enfrentando tribunais, guarda coleção de 400 plenárias de júri e a frustração de não ter vencido causa em favor de um rapaz que matou um outro que havia atentado sexualmente contra a esposa. "Houve injustiça" -- sentencia. Nesse corre-corre, tempo para canto somente no banheiro, onde, segundo o astro José Carreras, é o único lugar possível de arriscar a voz. "A acústica permite ouvir detalhes quase imperceptíveis. É como um grande teatro" -- afirma Ramacciotti.

Não bastasse o excesso de trabalho para afastá-lo da ópera, Plínio Ramacciotti enfrentou em 2000 pneumonia e traqueíte que por pouco não lhe comprometeram a voz. "Em 2001 pretendo me reorganizar para retomar o canto" -- promete. Isso significa voltar a entregar-se às orientações da maestrina austríaca Mitzi Fröhlich pelos menos três vezes por semana. Quem sabe será possível ouvir novamente o Hino Nacional entoado em tom original, como o apresentado por Ramacciotti na solenidade de comemoração dos 70 anos do Clube Atlético Aramaçan.

Nascido em Garça, no Interior de São Paulo, Ramacciotti desembarcou no Grande ABC por força do casamento em 1973 com Terezinha, com quem divide a criação dos filhos Patrícia, já formada em Psicologia, Thaís Helena, que é cantora, e Caio Plínio, estudante de Direito. Nas relações familiares confessa ser pai linha dura misturado com o tipo paizão. "Não aceito nada que possa comprometer a família" -- dispara, e justifica: "A situação tenebrosa que vivemos hoje é causada pela degeneração da família". 

Com a esposa não divide tarefas caseiras, mas fala quase em segredo que já foi mais romântico. E como! Num único dia enviou 150 cartões, cada um com uma poesia diferente para a amada Terezinha. Ramacciotti afirma que desliza do romântico arrebatador à dureza ímpar, mas que, por maior que seja a braveza, uma simples proposta de entendimento o leva a amolecer de imediato. Não tente convencê-lo, entretanto, por meio de conversa cínica. "A aplicação da maiêutica socrática causa-me irritação profunda, pois sou absolutamente vigilante às dissimulações" -- arremata. Entre 1995 e 1996, durante o governo de Newton Brandão, Ramacciotti comandou a Diretoria de Cultura da Prefeitura de Santo André. Na outra frente, disputou sem êxito em 2000 a presidência da OAB no Município.

À cabeceira da cama mantém a Oração dos Moços, de Rui Barbosa, espécie de evangelho de quem alinha Dante Allighieri, Willian Shakespeare, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Olavo Bilac e Guerra Junqueira nas estantes da biblioteca pessoal. Diante das obras hollywoodianas entrega-se a espetáculos como Titanic, mas deleita-se com filmes biográficos e clássicos como Na Estrada da Vida, de Federico Fellini. Entre as vaidades cultiva a mania de limpeza e o orgulho de ser maçon. "Maçonaria é a mais sublime das instituições humanas porque eleva o homem ao criador e traz o criador aos homens" -- filosofa. Criado sob as orientações kardecistas, ele confessa ser apreciador do belo, revive o poetinha Vinícius de Morais com o clichê da beleza fundamental e expande o pensamento à alma do ser humano.

Com autocrítica aguçadíssima, Plínio Ramacciotti só reverencia ao pai, Rollando, comerciante e filantropo fundador do Nosso Lar, em São Bernardo, que o incentivou ao canto lírico quando propôs que o filho acompanhasse o vozeirão de Ledo Romagnoli. Os ídolos da juventude como Jânio Quadros, bem como da maturidade, Fernando Collor de Mello, ruíram sem pedir licença. Mas a tietagem em torno das vozes líricas permanece aquecida. Ramacciotti empolga-se ao citar Aurelino Pertilli, Franco Covelli, Mario Del Monaco, Beniamino Gigli e Giuseppe Di Stefano. Não descarta o valor dos contemporâneos Plácido Domingos e Luciano Pavarotti. Mas enche o peito quando numa fórmula matemática diz que a soma de todas essas vozes não chegaria aos pés de Enrico Caruso. Ramacciotti conta que desde os sete anos estuda a vida de quem compõe a trilha sonora de seus 60 anos.

Entre os hobbies tem escrito poemas, que vai guardando junto com as centenas de processos que acumula no escritório instalado no Centro de Santo André. Plínio Ramacciotti usa a poesia das maneiras mais inusitadas. Para a professora Hermínia Russo, reserva desde 1964 agenda ilustrada com soneto de próprio punho. E para lembrar a professora de Língua Portuguesa Maria Luiza Ferreira da Costa sobre o livro A Caridade e a Justiça, de Guerra Junqueira, que pedira emprestado, enviou estrofes melodiosas.


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