Depois da solene desimportância a que tem sido submetida, a segurança pública promete sair da inércia no Grande ABC. A decisão de dois prefeitos de só agora dar ao assunto status de primeiro escalão mostra o quanto demoraram para oficializar uma instância que atue de forma eficiente nestes tempos de barbárie em que se vive nas metrópoles. A criação da Coordenadoria de Defesa Social em Diadema e da Secretaria de Combate à Violência Urbana em Santo André sinaliza que está havendo algum tipo de aprendizado com os assaltos a cada farol e com a morte à espreita em cada esquina. Demonstra, além de tudo, que os prefeitos finalmente tomam a causa para si, como aconselhou sabiamente o coronel da reserva José Vicente da Silva em entrevista a LivreMercado Estadual de dezembro último.
O apanhado de considerações de José Vicente da Silva à LM, por sinal, serviu de base para grande parte do conteúdo das cartas de navegação das novas Pastas que vão tratar do combate à violência à região. O insuspeito coronel recomenda textualmente que o prefeito, na condição de maior autoridade local, passe a ser o grande animador e articulador das ações municipais com o Estado, que controla as polícias. "O prefeito deve conversar a cada 15 dias com os chefes de polícia e conhecer seus planos e resultados...Se perguntar para a maior parte deles onde estão acontecendo mais roubos e furtos de carros na cidade, simplesmente não sabem" -- aponta José Vicente da Silva. Palavras do delegado de polícia e novo coordenador de Defesa Social de Diadema em artigo ao Diário do Grande ABC de 22 de janeiro último: "Enganam-se aqueles que acreditam que só ao Poder Executivo estadual cabe a responsabilidade de garantir a segurança pública. Os prefeitos não só podem, mas devem integrar-se com afinco no combate à criminalidade...É indispensável que os prefeitos conheçam em profundidade os problemas de segurança pública em seus territórios. A violência deve ser dissecada. Isso possibilitará conhecer as causas e, consequentemente, definir o modo mais eficaz para combatê-la".
Com mais de 30 anos de trabalhos à PM, o coronel José Vicente da Silva coloca a informação em tempo real como pré-requisito para ações sinérgicas. "Os municípios podem investir em um banco de dados alimentado por boletins de ocorrência que chegam às delegacias. Pelo computador é possível fazer um mapa dos crimes,... importantíssimo para que a polícia aloque homens de forma mais precisa... A tecnologia permite quantificar e qualificar os tipos de crimes, e onde ocorrem. Isso quer dizer que a polícia não precisa estar em cada esquina. Precisa ser colocada exatamente no ponto do mapa em que é necessária". Anúncio do capitão Edson Sardano, secretário de Combate à Violência Urbana de Santo André em entrevista ao Diário em 4 de dezembro último: "Vamos ter na Prefeitura um acompanhamento, fazer um mapa dos índices, com horários, lugares e dias de maior incidência dos crimes. Para isso teremos uma sala de situação, que vai nos permitir acompanhamento constante disso tudo, para detectar e agir preventivamente. O próprio prefeito vai ter isso sempre às mãos".
Hoje à frente do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, entidade sediada na Capital e dedicada a estudos de problemas institucionais, o coronel José Vicente Silva também elencou como prioridade a integração entre todos os organismos de policiamento (Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e entidades comunitárias) como forma de -- cada qual dentro das respectivas atribuições -- potencializar os resultados. Cita o exemplo do Centro Integrado de Operações que São Caetano inaugurou para centralizar no telefone 199 todas as ocorrências. O próprio centro se encarrega de acionar o atendimento adequado. Ação listada pelo delegado Maximino Fernandes Filho, de Diadema, entre as providências municipais que considerada inadiáveis: "Instalar serviço telefônico gratuito para receber denúncias de traficantes e de crimes em geral". Em paralelo, Maximino Fernandes nomeou para o comando e o subcomando da Guarda Municipal, respectivamente, o coronel da reserva da PM, Arnaldo Assis Bastos Sobrinho, e o sargento do Corpo de Bombeiros, Tibério Nogueira Filho.
A força-tarefa planejada pelas duas prefeituras petistas do Grande ABC está na alça de mira do também petista Oswaldo Dias, de Mauá, que declarou interesse pelo que está sendo estruturado nos municípios vizinhos. O problema da violência urbana já bateu, aliás, na cúpula do partido. Num Brasil onde 81% da população vive em áreas urbanas -- algo sem paralelo no mundo -- a conquista de várias Capitais e de cidades importantes do País nas últimas eleições levou o PT a agendar para fins de março o que está sendo chamado de uma proposta nacional sobre o assunto. O Instituto de Cidadania, responsável pela elaboração dos programas de governo do partido, anuncia que quer trazer para o debate governantes de municípios com mais de 200 mil habitantes, capitaneados pela anfitriã cidade de São Paulo. O tema: Os Municípios e a Segurança. É a primeira vez que o PT aborda o assunto de forma programática, tal a amplitude que alcançou. A violência apareceu entre as cinco preocupações da população nas pesquisas de campanha eleitoral do partido, ao lado de bandeiras tradicionais da sigla: ética, emprego, saúde e educação. O PT teria decidido priorizar o tema diante da pecha de que defende em demasia direitos de bandidos. A prefeita paulistana Marta Suplicy, sentada num barril de pólvora sem precedentes, quer dar visibilidade ao que o partido batizou de Operação Estrela. O conceito de segurança petista não enfatiza a repressão policial, mas programas sociais de inclusão como renda mínima, bolsa-escola e urbanização de núcleos habitacionais com maior índice de criminalidade.
Não há notícias de que no Grande ABC, onde prefeituras socialistas já adotam tais ações, a violência tenha recuado. Tanto que estão sendo estruturadas secretarias específicas para a questão e as guardas municipais dobram de tamanho para ajudar no aparato. São Bernardo coloca no orçamento deste ano R$ 16,2 milhões só para a Guarda Municipal, mais que o dobro dos R$ 7 milhões destinados à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, em tese a ponta-de-lança da criação de empregos, geração de renda e ampliação da qualidade de vida no Município. O desespero com a situação é tal que a comunidade do Parque dos Pássaros, refém de sequestros que se multiplicam, vai custear os R$ 300 mil de que a PM necessita para instalar uma base de operação em São Bernardo. Nas áreas centrais empresários ajudam as Prefeituras a pagar sistemas de monitoramento de ruas, escolas e praças através de câmeras. São 48 câmeras em Ribeirão Pires e seis em São Bernardo em funcionamento, além de 64 prometidas por Mauá para este mês e outras 473 por São Bernardo ao longo do ano. Santo André anuncia para fevereiro a inauguração de quatro bases de segurança para monitorar as divisas com São Paulo, São Bernardo e Mauá com igual monitoramento das imagens por guardas municipais integradas as polícias Civil e Militar.
No Estado de São Paulo, o governo sancionou em janeiro lei aprovada pela Assembléia Legislativa que destina à segurança pública 10% da arrecadação com estatais privatizadas. Os recursos sobem de R$ 100 milhões para R$ 270 milhões em 2001. Outros 10% da privatização estão prometidos para a área social. A queda residual da violência no balanço do Estado em 2000 é desalentadora: foram 12,6 mil homicídios no ano passado frente a 12,8 mil em 1999. Houve 215,1 mil roubos, diante de 219,6 mil em 1999. Um dilúvio.
A percepção dos 2,3 milhões de moradores do Grande ABC é de que se tornou urgente recuperar a segurança nas ruas e o sentido de autoridade da polícia, tombada pela quantidade de ocorrências e pelo despreparo humano e material para agir. Quando o coronel José Vicente Silva sublinhou a LivreMercado que determinados pontos do Brasil já exibem níveis africanos e colombianos de violência, sabia do que falava. A AGP (American Glass Products) acaba de anunciar que procura áreas para se instalar no Brasil, tamanho seu nicho de mercado. Fabricante de vidros especiais, a AGP desembarca com dados aterradores: foram blindados quatro mil veículos no Brasil em 2000, contra 2,2 mil no México e 1,6 mil na Colômbia. É a primeira vez que o Brasil supera esses tradicionais líderes de blindagem movida a guerrilhas e narcotraficantes.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!