Cena 1: Santo André, abril de 1971. O público formado por personalidades, artistas e estudantes está alvoroçado. A cortina se abre e está oficialmente inaugurado o Teatro Municipal. A peça escolhida é Guerra do Cansa-Cavalo, de Osman Lins, com direção de Celso Nunes. Na coxia a expectativa é grande. Uns roem unhas, outros estão tranquilos. Enquanto na platéia todos exibem vestimenta de festa, na coxia o figurino é rude. O público está ansioso e é forte o alarido ouvido nos bastidores. Na coxia há silêncio e todos estão concentrados, apreensivos. No elenco, ao lado de Cláudio Correa e Castro, Antônio Petrin e Sônia Guedes, está Augusto Maciel Neto vestido como jagunço. Seu personagem é um capanga.
Cena 2: Santo André, abril de 2001. O Teatro Municipal comemora 30 anos. A distância entre aquela inauguração e a interpretação de jagunço no palco marca a trajetória artística de Augusto Maciel Neto no movimento teatral da cidade. Afinal, são mais de três décadas dedicadas à arte de encenar, formar atores, dirigir espetáculos e angariar prêmios. Hoje Augusto Maciel demonstra um pouco de desânimo em relação ao teatro na região, mas continua sob os refletores. Sua história pessoal se confunde com a história do teatro contemporâneo de Santo André.
Augusto Maciel Neto nasceu há 61 anos em Ibitinga, no Interior paulista. Chegou a Santo André em 1953 para trabalhar como office-boy na então Firestone. Mesclava o trabalho com os estudos no colégio Américo Brasiliense. Depois das aulas frequentava a residência do casal Anibal e Sônia Guedes, onde se reunia a nata da intelectualidade da época para discutir vários assuntos, entre os quais o teatro. Foi a primeira vez que Maciel ouviu a palavra palco. Os Guedes tinham tradição nas artes cênicas, com passagem pelo extinto Teatro de Alumínio, e estavam organizados no Scasa (Sociedade Cultural Artística Santo André), que funcionava num teatro adaptado em antigo cinema na Rua Alfredo Flaquer. A construção da Avenida Perimetral colocou o teatro abaixo. O sonho de atores de Santo André de ter um espaço próprio foi compensado com a inauguração do Municipal.
No meio da efervescência cultural dos anos 60, em pleno 1968, surgiu Augusto Maciel Neto para o teatro. Sem nunca ter assistido a uma única encenação, subiu ao palco em 1969 pela primeira vez no Teatro Arthur de Azevedo, na Mooca, com a peça O Primo da Califórnia, uma comédia de costumes. "Não me importei com a casa lotada. Entrei, segui a marcação e dei as falas. Parecia um veterano" -- recorda. A estréia em Santo André aconteceu no palco do teatro do Colégio Júlio de Mesquita, com a mesma peça. A tranquilidade da estréia se repetiu. Nem mesmo a apresentação feita dias depois sobre um palanque montado no antigo Parque da GE, atual Parque Duque de Caxias, tirou a tranquilidade do novato.
Como ator, Augusto Maciel participou de apenas oito peças. Além de Guerra do Cansa-Cavalo e O Primo da Califórnia, encenou O Auto da Compadecida, Arena Conta Zumbi, Um Chapéu Cheio de Chuva, Paixão de Cristo, O Evangelho Segundo Zebedeu, Rumo à Cádiz e Cidade Assassinada. Com Cidade Assassinada participou também, como ator, da inauguração do Teatro Conchita de Moraes em texto escrito especialmente para a ocasião por Antônio Callado.
A grande contribuição de Augusto Maciel Neto ao teatro de Santo André se dá como diretor de cena. Foram 48 montagens dirigidas até agora, 15 das quais direcionadas ao público infantil. Sua estréia como diretor aconteceu com a peça Arena Conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1972, no Clube Primeiro de Maio. A primeira peça infantil dirigida por Maciel foi Um Lobo na Cartola, de Oscar Von Pfuhll, encenada no Teatro Conchita de Moraes. Já ganhou 11 prêmios como Melhor Diretor em diversos festivais de teatro. Nunca foi premiado como ator. Apenas teve uma indicação pela peça O Auto da Compadecida no Festival Estadual de Teatro em Botucatu. Maciel confessa: "Sou diretor de ator. Eu formo ator". Pelos seus cálculos, 200 atores já lhe passaram pelas mãos. "Entre eles destacaria Sílvia Borges, Henrique Lisboa (Taubaté), Marcos Cardelicchio, Isabel Maria e César Marchetti. A Sílvia é a única artista da região a ganhar um prêmio Moliére de Teatro" -- aponta orgulhoso. Devido ao prêmio, Sílvia Borges estudou um ano de teatro na França. Quando voltou ao Brasil, abandonou a arte. "Parece que está voltando para os palcos" -- anima-se Augusto Maciel.
Augusto Maciel Neto também enveredou pela dramaturgia. Já escreveu seis textos: Camisa de Força, Marginália, Mozart e Salieri, Agnus Gay, Um Dia de Chuva e Maria Quitéria. Quatro já foram encenados. Todos destinados ao público adulto. "Eu ainda vou escrever para crianças" -- promete. Camisa de Força ganhou prêmio de Melhor Texto nos festivais de teatro de Campinas, Santo André e Suzano. Maria Quitéria recebeu a mesma honraria em outro festival em Santo André e Mozart e Salieri teve destaque como texto teatral num encontro semelhante em São Caetano.
Augusto Maciel sempre trabalhou no Grande ABC e participou de 35 festivais de teatro, todos dentro do Estado de São Paulo. A participação nos eventos sempre foi dirigindo espetáculos em nome do Grupo Teco, que ajudou a criar em 1972. "Nessa época eu era assistente de direção do GTC (Grupo de Teatro da Cidade) na peça Mirandolina" -- rememora. Desejava ter autonomia. Então se juntou a Sidney Bueno de Godoy, Douglas Zanei, Noreta Vezzá, Luiz Di Angelis e Ana Maria Zanei e fundaram o Teco (Teatro e Comunicação). Dois anos depois o grupo se formalizava juridicamente e apresentava a montagem Calígula, de Albert Camus. O Grupo Teco já montou 40 peças. Somente duas não tiveram direção de Augusto Maciel. O grupo ganhou 130 prêmios, 80% dos quais conquistados por atores, o que reforça o dom de Augusto Maciel de formar intérpretes.
Leitor compulsivo, o dirigente cultural traça tudo o que vê pela frente. Jornais, revistas e livros. Já leu mais de 300 peças de teatro e nada lhe dá mais prazer do que os clássicos gregos. Adora Sófocles, mas tem a frustração de nunca ter montado Shakespeare. Se pudesse, Augusto Maciel encenaria Júlio César. Reconhece que é muito caro montar Shakespeare, principalmente por parte de grupos amadores. "Quem não gosta de Shakespeare, não gosta de teatro" -- arremata. Por gostar do teatro clássico, Maciel recebe críticas de alas mais jovens do movimento teatral da cidade. "Sou discriminado por não fazer um teatro engajado. Nunca fui engajado politicamente" -- define-se.
Isso não o impede de considerar o momento teatral da cidade e considerar que há uma certa decadência. "Com raras exceções, não há progresso em Santo André em termos de qualidade artística. A ELT (Escola Livre de Teatro), indiretamente, contribui para o desaparecimento dos grupos. Na época do Brandão (Newton Brandão, ex-prefeito) havia a Amandre, festival de teatro infantil e adulto" -- critica. A Amandre é a Federação de Teatro Amador que Augusto Maciel ajudou a criar em 1985 em Santo André e que hoje está desativada. Maciel também não poupa os cursos de teatro. Acha que não formam atores ao não ensinar interpretação. Para preencher a lacuna, vem ministrando aulas de interpretação e montagem na Ecus Escola de Teatro, em Santo André.
A crítica não se restringe ao movimento teatral. O militante cultural reclama da difícil arte de fazer arte nos dias de hoje. "Há muita dificuldade em arranjar patrocínio. Teatro amador não dá retorno de mídia. Se não tem mídia, é pouco visto. Ninguém patrocina algo que não é visto" -- resume. O grande sonho é ter um teatro próprio, onde encenaria suas produções e abriria as portas para grupos que sequer têm local para ensaiar. "Até encontrar teatro para mostrar nossas peças está difícil. As prefeituras estão cada vez mais burocratizadas, dificultando a cessão do espaço" -- reclama.
Para Augusto Maciel, o teatro sobrevive em função de nomes. Só quem tem atores famosos no elenco angaria sucesso, aponta. Isso estaria contribuindo para a deformação de muitos aspirantes a atores. "O pessoal é muito influenciado pela TV. Imagina fazer o mesmo sucesso! Não se faz mais teatro por amor ou lazer" -- constata o diretor. Como o caminho para a televisão não é fácil, os iniciantes se sentem desestimulados e abandonam o teatro.
Fora dos palcos, a contribuição de Augusto Maciel Neto ao movimento cultural se intensificou em 1985, quando foi eleito vice-presidente da Amandre. Ainda no campo artístico contabiliza participação, nos anos 80, no filme Nenê Bandalha, de Emílio Fontana, no qual atuou ao lado de Jô Soares e Miriam Muniz em película baseada em texto de Plínio Marcos.
As cortinas se abrem novamente no mês que vem para Augusto Maciel Neto. Ele estréia um texto seu dirigindo a peça Marginália, com produção do Grupo Teco. Já prepara para o segundo semestre nova montagem com a encenação de As Troianas, de Eurípedes, um clássico grego. Espera lançar novos intérpretes. "O ator não se faz. Ele nasce feito. Pode ser lapidado. A maioria dos atores precisa aprender a falar" -- ensina o diretor, que teve o privilégio, quando menino, de participar dos festejos do IV Centenário de Santo André.
De festa em festa, assim como Baco, que na Grécia criou os festivais, Augusto Maciel Neto cria atores de teatro e contribui para o desenvolvimento da arte em Santo André. Na festa dos 30 anos do Teatro Municipal, a cena estará aberta, à espera de um tranquilo jagunço. Desta vez ele não vai estar palco, mas na platéia aplaudindo o elixir de sua vida: o teatro.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!