As cortinas do show da vida abriram-se muito cedo para Evelyn Agabiti. A garotinha só tinha três anos quando a mãe a levou para uma escola de balé no Bairro do Ipiranga, em São Paulo. Corria o ano de 1956 e a única menina entre os quatro filhos do casal Emílio e Julieta ensaiava os primeiros passos para se conduzir pelo caminho dos poucos privilegiados que conseguem sobreviver da arte. A dança da vida foi generosa com Evelyn. Acolheu o seu talento, lapidou o espírito empreendedor e permitiu-lhe protagonizar ato contínuo que já dura 45 anos.
A escola Ballet Evelyn, criada e dirigida por ela, comemorou bodas de prata no ano passado. À parte conotações festivas, a data sintetizou a realização do velho desejo de meninas que querem ser bailarinas. Neste caso específico, revelou também pitadas daquele sonho escondido que os pais, mesmo involuntariamente, costumam transferir para os filhos. Evelyn não cresceu numa família de artistas. Mas o talento e a dedicação da filha alimentam até o hoje o incentivo incondicional dos pais.
No primeiro dia de aula, a professora quase não lhe deu atenção. Era tão franzina em relação às outras alunas do curso que parecia estar ali por capricho. A menina impressionou e não parou de dançar até hoje. Mãe de dois homens, viúva do primeiro casamento e divorciada do segundo, a bailarina só deixa a escola após às 21h e aproveita o tempo que resta para se dedicar à família. É daí que vem o suporte emocional para protagonizar atos reais que se desenrolam nos palcos da vida, sem data previamente marcada.
O currículo da bailarina não exibe participação em famosas companhias de dança. A coreografia da trajetória profissional desenhou o paux de dèus de Evelyn Agabiti com parceiro que não usa sapatilhas, mas mesmo assim lhe permite exercitar o poder de criação que corre pelas veias. A bailarina que se formou na tradicional Escola de Bailado, do Teatro Municipal de São Paulo, decidiu se transformar em professora de dança. O ensino é o canal por onde escoa o talento e a sensibilidade que aprendeu a apurar durante tanto tempo de dedicação à dança.
Bailarino não costuma aparecer na lista de profissões que os pais projetam para os filhos. Os exemplos vêm da própria escola que Evelyn Agabiti dirige. A maioria dos 1,5 mil alunos que formou em 25 anos não seguiu carreira. São pessoas que procuram a dança por afinidade, prazer ou alívio do estresse. Até os cinco integrantes efetivos e três estagiários do corpo de baile da escola possuem outras ocupações profissionais. Mesmo assim, o balé ainda exerce fascínio. Principalmente sobre meninas entre sete e 16 anos. Como as aulas exigem disciplina, superação dos limites e aperfeiçoamento do contato humano, contribuem para a formação pessoal da criança e do adolescente. "A maioria dos pais não coloca expectativa no balé como profissão. No Brasil o campo é restrito demais. Diferentemente da Europa, onde os moradores já nascem dentro de museus e respiram arte desde criança" -- desabafa.
O Ballet Evelyn, no entanto, tem revelado talentos para as principais companhias de dança do País. Valéria Magalhães atua no Ballet Stagium, de São Paulo, e no Grupo Castro Alves, da Bahia. Alex Soares e Rita de Oliveira exercitam os ensinamentos de Evelyn no Ballet da Cidade de São Paulo. Não são famosos nem ganham fortunas como jogadores de futebol, mas se sobressaem em carreira igualmente difícil e passageira.
A comandante da escola de São Bernardo nunca teve como meta ser estrela de corpo de baile. Preferiu fundar sua escola e fazer os próprios experimentos. O estilo contemporâneo que projetou Evelyn Agabiti para o Brasil foi adquirido com o subsídio de curso de especialização no Ballet Stagium e na Escola de Ballet Alvin Ayle, de Nova York. Muita pesquisa e literatura especializada também ajudam a dar tom de modernidade às montagens que assina.
Se a opção por ensinar afastou a leveza dos movimentos de Evelyn dos palcos e platéias do mundo, o talento como professora já é reconhecido além das fronteiras nacionais. Recentemente, a bailarina esteve em Paris para dar aulas e montar coreografia para alunos do Centre Culturel Espace Alain Poher. O centro cultural é dirigido pelos bailarinos brasileiros Marcos Verzani e Beatriz Cardoso, radicados na França há 10 anos. Ambos trabalharam na escola de Evelyn e pensam em intensificar o intercâmbio entre as duas instituições para criação de novas peças. Durante a estada em Paris, Evelyn Agabiti montou duas coreografias para os franceses, sempre no estilo contemporâneo. Uma envolveu crianças de oito a 10 anos e outra, adultos.
As apresentações anuais do Ballet Evelyn levam ao público espécie de resumo do trabalho desenvolvido na escola e acontecem sempre com casa lotada. Para acomodar público médio de 1,5 mil pessoas foi necessário transferir o espetáculo de São Bernardo para o Teatro Cultura Artística, em São Paulo. Motivo: falta de espaço adequado e também de um empurrãozinho do Poder Público. A escola e os alunos arcam com todos os custos da produção. "A arte não sobrevive sem patrocínio. Bilheteria dificilmente cobre os custos de um espetáculo" -- reconhece.
O Ballet Evelyn, aliás, tem tentado se tornar a companhia de dança oficial de São Bernardo há algum tempo. O projeto já foi apresentado à Prefeitura, mas até agora a resposta não veio. Obviamente que a iniciativa demandaria recursos financeiros por parte do Poder Público, mas também contribuiria para projetar positivamente a imagem do Município. Que o diga Diadema com sua requisitada Companhia de Danças.
Currículo e honrarias para representar São Bernardo a escola tem de sobra. A lista de premiações inclui títulos conquistados nos renomados festivais de Joinville, em Santa Catarina, e Uberlândia, em Minas Gerais. Nos últimos anos Evelyn diminuiu a participação em concursos para dedicar tempo quase integral às montagens anuais da própria escola. O esmero já rendeu três menções no Mapa Cultural Paulista -- guia dos principais eventos artísticos e culturais selecionados pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
O público habituado a assistir aos espetáculos do Ballet Evelyn não perde por esperar e por se deslocar da região até São Paulo. O esboço da montagem de 2001 já está na cabeça da bailarina. Será uma adaptação do tradicional Quebra Nozes. A história da menina pobre que sonha com os presentes de Natal vai ganhar estilo bem brasileiro nos atos de coreografia preliminarmente denominada Quebra Nós. À inebriante música de Tchaikovisk serão acrescentados ritmos bem nacionais.
Em 45 anos de bailarina e 25 como professora de dança, Evelyn Agabiti guardou muitas das fantasias utilizadas nas apresentações. Confessa que daria para formar pequeno museu, mas não tem mais a primeira sapatilha. O principal apetrecho de uma bailarina era totalmente inadequado a uma menininha: preta e de ponta. Histórias pitorescas também não faltam e devem compôr um livro com coletânea de fotos. A mais peculiar relembra viagem do corpo de baile em ônibus estilo jardineira para cidadezinha no Interior da Paraíba. A apresentação estava marcada para um salão de festas enfeitado com bandeirinhas de papel. As divisões do palco foram improvisadas com cadeiras empilhadas e o público nunca tinha assistido espetáculo de balé ao vivo. A expectativa era tão grande que a comunidade local preparou verdadeiro banquete para saudar os artistas. A mesa estava repleta de doces, bolos e salgadinhos. Detalhe: as guloseimas foram servidas antes da apresentação e a festa virou manchete até da Rede Globo local.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!