Empresários e executivos decididos a trocar o sedentarismo por vida mais ativa e saudável encontram desafio maior que a preguiça de quem se acostumou a ficar refestelado no sofá: superar a desinformação. Um terremoto de contradições e informações truncadas acaba por confundir os menos atentos no campo das atividades físicas. Durante muito tempo alertou-se que a musculação era esporte perigoso, com base na imagem negativa de brucutus malhadores que sofreram colapso cardíaco e outros graves problemas de saúde por ingestão de esteróides anabolizantes. Mas estudos recentes mostram que a prática responsável do levantamento de pesos não apenas fortalece a musculatura e contribui para corrigir problemas posturais, como ajuda a combater a osteoporose na terceira idade.
A seara alimentar também é constantemente bombardeada por vaticínios contraditórios. Nutricionistas renomados já afirmaram que ingestão maciça de proteínas e eliminação de carboidratos representavam dieta ideal para perda de peso. Pouco tempo depois, vieram recomendações especializadas diametralmente opostas, de que evitar carnes e consumir massas e pães era a melhor maneira para se livrar de quilos extras. Soube-se, mais tarde, que a refeição perfeita reúne porções equilibradas de proteínas, carboidratos e vitaminas, porque o organismo depende dos três tipos de alimentos para funções específicas e complementares.
Mas uma das questões mais controvertidas no universo da saúde e da boa forma é provavelmente a que procura definir o que é melhor: caminhar ou correr? Qual das duas atividades deve ser adotada por quem deseja abandonar o sedentarismo e usufruir dos benefícios físicos e psicológicos da atividade física sistemática e moderada? É provável que gordinhos tendam a afirmar que o ideal é caminhar com a mesma convicção com que os mais magrinhos dirão que o melhor mesmo é correr. A verdade é que não há o melhor ou o pior. As modalidades são igualmente benéficas quando praticadas de forma consciente e igualmente maléficas se executadas fora de parâmetros de bom senso físico.
“Tanto a caminhada quanto a corrida são exercícios muito bons, mas também podem ser prejudiciais quando realizadas inadequadamente” — responde o preparador físico Nuno Cobra, um dos mais conceituados especialistas brasileiros na matéria, responsável pelo treinamento do tricampeão Ayrton Senna. “Precisamos esclarecer definitivamente que o que faz bem ou mal não é caminhar ou correr, mas sim realizar um trabalho físico fora do equilíbrio cardiovascular de cada um. Isso vale não apenas para a corrida e a caminhada mas para todas as atividades aeróbicas, incluindo ciclismo e natação” — explica o especialista, cujo livro A Semente da Vitória, escrito em oito anos e lançado em abril de 2001, contabiliza mais de 100 mil exemplares vendidos pela Editora Senac.
Nuno Cobra acerta o eixo da discussão e explica que o importante é exercitar-se em ritmo compatível ao que o aparelho cardiovascular pode suportar. A observação do especialista embute preocupação com as condições físicas específicas de cada indivíduo ao mesmo tempo em que desqualifica generalizações vazias. Tanto pode a corrida trazer benefícios para quem está bem condicionado como a caminhada ser prejudicial para quem está despreparado para o mínimo de esforço físico.
“É bom lembrar que o senador Luís Eduardo Magalhães morreu caminhando, e não correndo” — afirma o especialista, referindo-se ao filho do ex-senador Antônio Carlos Magalhães atingido por infarto fulminante em abril de 1998. Luís Eduardo era hipertenso, fumava e tinha vida estressante. “Seu caso exemplifica a importância de não realizar trabalho físico acima do que o coração pode suportar, independente se se está correndo ou caminhando” — completa. No trabalho cardiovascular equilibrado, o gasto de oxigênio pelas células é equivalente ao absorvido pela corrente sanguínea através da respiração. Quando o dispêndio de oxigênio celular ocorre em intensidade superior à capacidade de reposição, o coração sofre para cumprir a tarefa vital de bombear sangue oxigenado.
Nuno Cobra esclarece que descobrir o ritmo ideal do exercício físico é simples. Basta prestar atenção na respiração, porta-voz do coração que reflete em tempo real o que é agradável ou não para o organismo. “A respiração deve ser tranquila, nunca ofegante. O parâmetro para se saber se está bem em qualquer patamar é um teste muito simples: durante a atividade física, depois de inspirar, vá soltando o ar enquanto tenta dizer pausadamente e sem nenhuma interrupção: eu moro para lá de Paranapiacaba. Se não conseguir dizer isso com uma única tomada de ar, é sinal de que o trabalho está forte para o seu organismo” - escreve Nuno Cobra em A Semente da Vitória, referindo-se à vila inglesa pertencente à Santo André, tombada como patrimônio da humanidade.
Batimentos — Monitorar batimentos cardíacos é outro método simples e eficiente para exercitar-se em equilíbrio com o sistema cardiovascular. Basta subtrair a idade do número 220 para chegar à frequência máxima. No caso de uma pessoa de 27 anos é de 193 batimentos por minuto. A regra de ouro manda trabalhar sempre na faixa entre 60% e 85% da capacidade máxima — de 116 a 164 batimentos por minuto no caso de alguém com 27 anos. Superar o teto significa sobrecarga para o sistema cardiovascular. Trabalhar aquém da base representa poucos benefícios à saúde.
A maneira mais prática de medir a pulsação é tomar os batimentos durante 15 segundos e multiplicar por quatro. É possível sentir a pulsação com os dedos indicador e médio no pescoço, mas vários modelos de relógio, esteiras e bicicletas vêm equipados com medidores.
Assim como as conexões neuronais se multiplicam com a atividade cerebral da leitura ou do aprendizado de línguas estrangeiras, a capacidade aeróbica, muscular e cardiovascular se amplia na medida em que o organismo é submetido a exercícios sistemáticos, por pura adaptação. O caráter dinâmico da resistência física recomenda que os pouco condicionados comecem com caminhada leve. O ritmo deve evoluir gradativamente para os interessados em colher benefícios físicos mais expressivos.
“Com o passar do tempo o coração e a circulação vão se desenvolvendo e, por mais que a caminhada seja cada vez mais rápida, não atinge a frequência cardíaca ideal de trabalho, deixando de ser um estímulo ao desenvolvimento cardiovascular e tornando-se até uma agressão à coluna vertebral. A coluna pode sofrer com torções exageradas do quadril durante a caminhada rápida. Quando caminhar não eleva mais a frequência cardíaca ao mínimo necessário, deve-se começar a correr” — afirma o preparador físico, que compreende a aversão que muitos demonstram pela corrida. “Muitos não gostam de correr porque sofreram nas primeiras tentativas, partindo de um ritmo acelerado” — observa.
Nuno Cobra esclarece que a intensidade do exercício sobre o sistema cardiovascular não deve ser medida pela rapidez das passadas. O que conta é o nível de condicionamento individual, que é aperfeiçoado paulatinamente, nunca aos saltos. “Quando alguém começa a desenvolver o coração pela prática do movimento em equilíbrio de oxigênio, sente que sua respiração fica tranquila, apesar de ter aumentado a performance. É uma equação assim: a eficiência faz com que você caminhe ou corra mais depressa tendo uma respiração mais lenta porque a cada bombeada do coração, a ejeção sistólica (movimento de contração do músculo cardíaco) manda o sangue de forma cada vez mais fácil — a circulação já está com o calibre maior — para oxigenar todas as células do cérebro, do coração, do fígado, dos rins, dos músculos etc. Há uma interação dos órgãos com o córtex cerebral, que comanda o funcionamento do organismo, e o córtex mandará, conforme a necessidade, que o coração bata mais ou menos vezes por minuto e que o pulmão aumente ou diminua o ritmo da respiração. Se a pessoa é sedentária, tem o coração atrofiado e a circulação sanguínea constrita, é obvio que esse coração vai ter de bater muito mais e mais forte. Pondo o pé na estrada, desenvolvendo o músculo cardíaco e aumentando o diâmetro dos vasos sanguíneos, diminui-se a pressão arterial. Por isso, não espere chegar a hipertensão, que pode ser evitada ou controlada. Você só precisa do movimento adequado” — sustenta Nuno Cobra, referindo-se à principal causa de ataques cardíacos e derrames cerebrais, como são conhecidos popularmente os AVCs (Acidentes Vasculares Cerebrais).
A necessidade de aumentar o ritmo gradativamente de acordo com a melhora do condicionamento físico é explicada sob o ponto de vista fisiológico. “O movimento provoca algo que é chamado de estrago pelos especialistas. Por que estrago? Sempre que alguém faz uma caminhada, por exemplo, tem um gasto de energia e provoca uma agressão ao organismo. Esse estrago causa, pela lei da ação e reação, uma resposta orgânica. O organismo trabalha a todo vapor para estabelecer uma série de adaptações que provocam uma sequência de transformações orgânicas denominada supercompensação. O praticante vai então ao nível que estava inicialmente, mas com um pequeno progresso. Fazendo-se novamente o exercício, tem-se outro estrago para causar supercompensação e ter mais um avanço. O que vai acontecer? Lá na frente, depois de vários estragos e da supercompensação, alcança-se um nível superior de condição física. Se a palavra para definir o desgaste físico é estrago, é porque realmente ocorre uma violência contra o organismo. Só que é o estrago que força a reação orgânica para a transformação física, propiciando nível superior ao anterior. Se a intensidade do exercício for muito baixa, resulta tão somente em perda de tempo, sem progresso no desenvolvimento orgânico” — escreve Nuno Cobra em A Semente da Vitória.
Um estudo anunciado recentemente pela Universidade de Harvard reitera o caráter evolutivo enfatizado por Nuno Cobra. Depois de acompanhar quase 45 mil homens por 12 anos, os pesquisadores concluíram que as vantagens da corrida na prevenção de males cardíacos superam as da caminhada. Quem corre 20 minutos, três vezes por semana, está duas vezes mais protegido do que quem anda meia hora por dia.
Nuno cobra lembra que além de atuar na prevenção de algumas das principais causas de morte do homem moderno, reduzir a gordura corporal e fortalecer a musculatura dos membros inferiores, a prática de exercícios aeróbicos adequados à capacidade cardiovascular desencadeia a liberação de substância glandular chamada beta-endorfina, que proporciona sensação de bem-estar e relaxamento sem efeitos colaterais. Esta é a razão pela qual muitos se dizem viciados em exercícios físicos.
Cooper tropeçou — Ninguém contribuiu mais para a polarização maniqueísta e infértil caminhada versus corrida quanto o fisiologista norte-americano Kenneth Cooper, idealizador do método de condicionamento físico que leva seu nome, em 1968. Quatorze anos depois de universalizar a prática da corrida, Cooper se contradisse afirmando que correr é perigoso, em 1992. “Kenneth Cooper errou duas vezes em sua vida. Primeiro quando mandou todo mundo correr com base em pesquisa com militares marinheiros altamente treinados e, posteriormente, quando passou a dizer que correr faz mal, ao perceber o engano que havia cometido” — afirma Nuno Cobra.
“Conheci Cooper pessoalmente no Rio de Janeiro durante congresso realizado em 1970 e naquela época já me posicionava contra seu método por sugestionar pessoas despreparadas ao perigoso desafio de ultrapassar o próprio limite. Mas eu era muito jovem para ser ouvido pelos colegas” — conta. Nuno Cobra é exemplo de que a corrida não faz mal. Em plena forma física com 64 anos de idade, corre cinco vezes por semana, além de fazer exercícios em barra fixa e barra paralela olímpica. “Pratico atividade física sistemática há pouco mais de 50 anos. Independentemente da idade, todos não somente podem, mas devem realizar trabalho cardiovascular adequado à própria condição física. O ser humano é o animal do movimento. Atividades físicas regulares proporcionam uma vida de mais energia, vitalidade e disposição. É de tal força a atividade cardiovascular ao cérebro, que proporciona até rejuvenescimento e reestabelecimento de neurônios moribundos” — explica Nuno Cobra. “Existe menos riscos à saúde de alguém com excesso de peso, mas com aparelho cardiovascular desenvolvido, do que para quem é magro e sedentário” — completa.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!