Sociedade

Arte e fé perdem
dois bravos

VANESSA DE OLIVEIRA - 05/03/2003

Dois personagens de projeção nacional, um religioso e um artista, recentemente deixaram de fazer parte do cenário do Grande ABC. Mas apenas fisicamente. Aos 78 anos e com mais de meio século de carreira, o pintor e escultor andreense Luiz Sacilotto, figura central do movimento concretista brasileiro, morreu pouco tempo depois de receber, mesmo que tardias, homenagem e reconhecimento da terra natal. Outra perda igualmente pranteada pela região foi a do arcebispo Dom Décio Pereira aos 62 anos, vítima de infarto do miocárdio. 

Tanto Sacilotto quanto Dom Décio foram tema de matérias na revista LivreMercado. No Prêmio Desempenho de 2002 o religioso subiu ao palco para completar a homenagem às 10 Nossas Madres Terezas reveladas pela revista pelo segundo ano consecutivo. A campanha que em 2001 homenageou nove agentes sociais voluntárias, tema de matéria de capa de LivreMercado, é patrocinada por várias empresas da região, entre as quais COOP e MZM, e recebeu o título espelhada na trajetória de Madre Tereza de Calcutá, religiosa que trocou o conforto do convento pela obra social com os pobres da Índia. 

Solidariedade e religiosidade que também trilharam o caminho de Dom Décio não apenas em 35 anos de sacerdócio, mas desde os 11 anos, quando ainda menino no paulistano Bairro Belém abandonou as brincadeiras da infância pela carreira religiosa. Terceiro bispo da Diocese de Santo André, que congrega 89 paróquias do Grande ABC, o sacerdote rapidamente arrebanhou a confiança dos católicos da região. Nem o fato do antecessor, o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, ser cotado como candidato à sucessão papal, intimidou o missionário que respirava religiosidade 24 horas. Incansável na missão de manter a chama do catolicismo acesa mesmo em tempos inglórios, Dom Décio visitou todas as igrejas e dava grande ênfase ao trabalho social com os excluídos. 

Após sérios problemas de estresse entre 2000 e 2001, Dom Décio foi forçado a se afastar por seis meses, depois de seis anos no cargo. Aparentemente recuperado, retomou a rotina com vigor, bem como os preparativos do Ano Jubilar em comemoração ao cinquentenário da Cúria de Santo André em 2003. Duas grandes satisfações acompanharam o atleta da fé antes de sua última maratona. A viagem a Roma em janeiro para a visita ad limina apostolorum — junto do túmulo dos apóstolos —, quando os bispos apresentam ao papa relatório das atividades nos últimos cinco anos, e a viagem a Múrsia, cidade natal dos avós. 

Uma parada cardíaca também silenciou as idéias geométricas-abstratas do maior artista plástico da região e uma das figuras mais conceituadas da arte brasileira do século XX. Já bastante debilitado devido a série de problemas de saúde, Sacilotto estava internado no Hospital-Maternidade Saúde São Bernardo. Muito mais que um filho ilustre, Santo André perde um dos maiores ícones da Arte Concreta, movimento artístico que influenciou a literatura, arquitetura, música, desenho industrial e a comunicação visual. 

Sacilotto fincou seu ateliê-residência na Rua Senador Fláquer, onde vivia com a esposa Helena e os filhos Adamastor, Oscar e Valter. Embora com trabalhos expostos em acervos dos mais conceituados museus do Brasil, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, espaços como Dan Galeria e Galeria Sylvio Nery e exposições internacionais na Itália, Inglaterra, Holanda e França, apenas há poucos anos Sacilotto saboreava o reconhecimento na sua própria terra, onde uma monumental instalação do pintor e escultor passou a forrar o calçadão da Oliveira Lima. Outros trabalhos podem ser apreciados no Paço Municipal, em frente à Escola Estadual Américo Brasiliense e no Sesc. 

Filho de imigrantes italianos, Luiz Sacilotto começou a pintar aos 18 anos, incursionou pela Associação Paulista de Belas Artes e foi contemplado com diversos prêmios, como o Prêmio Governador do Estado em pintura, em 1952, e em escultura, em 1956. Foi um dos fundadores do movimento concretista nacional ao lado de nomes como Waldemar Cordeiro e Lothar Charoux, com o lançamento do Grupo Ruptura em 1952 e a exposição no MAM. Max Bill e Piet Mondrian, que desenvolveram a arte concreta na Europa, pontuaram sua criação. 

Sucesso financeiro nunca foi a principal meta do mestre concretista. Prova disso era a vida sem ostentação que levou ao lado da família. Receber amigos e crianças em seu ateliê, ou ter obras reproduzidas em relevo para que portadores de deficiência visual pudessem admirá-las, eram alguns dos seus maiores prazeres. Consagração maior veio pelas mãos do amigo e crítico de arte Enock Sacramento com a publicação do livro Sacilotto. Selando de vez o talento do mestre concretista, a APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) concedeu-lhe o título de Artista do Ano de 2000. O título de cidadão andreense também serviu para desfazer a mágoa e reparar a grande injustiça em não ser reconhecido em sua própria terra. Sacilotto é um dos imortais do Prêmio Desempenho da Editora Livre Mercado. 


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