O Grande ABC está vivendo uma inusitada onda imobiliária e comportamental: a onda dos condomínios fechados horizontais, como são conhecidos os empreendimentos que têm no badalado Alphaville o exemplo mais grandioso e conhecido. Na contramão da falta de planejamento urbano que contaminou na origem a qualidade de vida da região, pipocam espaços planejados de loteamentos e conjuntos residenciais que fazem do equilíbrio uma marca registrada. Condomínios horizontais estabelecem novo conceito de morar bem num Grande ABC sangrado pela explosão demográfica, mas que ainda oferece espaços planejados a quem dispõe entre R$ 65 mil e R$ 400 mil para escolher onde morar.
“A despeito da escassez de terrenos amplos e bem localizados, a oferta de condomínios horizontais intensifica-se no Grande ABC seguindo tendência consolidada em praticamente toda a Grande São Paulo e em várias cidades do Interior paulista localizadas na órbita da metrópole” — destaca o consultor imobiliário Idivaldo da Cunha, um dos maiores especialistas no segmento e que há poucos meses participou de curso sobre condomínios horizontais promovido pelo Secovi (Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis de São Paulo).
Idivaldo acaba de deixar a diretoria de vendas da construtora MZM para criar a Alliance, agência especializada em marketing e vendas para o setor imobiliário. A MZM é exemplo de empresa que apostou no filão com o lançamento do House Garden na Vila Assunção, em Santo André, assim como a Alto Padrão, de Mauá, Raíza e M.Bigucci, de São Bernardo, AEPL, sediada em Marília, além da paulistana Plaza, entre outras.
É fácil entender por quê condomínios horizontais florescem mesmo em regiões como o Grande ABC, onde o custo da terra é mais elevado por conta do adensamento demográfico. A resposta está nos atrativos vislumbrados pelos compradores. Condomínio horizontal é espécie de transgênico de dois formatos habitacionais antigos e consagrados, pois mescla a autonomia e a liberdade típicas das residências térreas com a segurança proporcionada pelos prédios de apartamentos. É também uma evolução das vilas de casas surgidas no início do século passado, quando as áreas urbanas das cidades começaram a ser ocupadas. Trata-se, em resumo, de um prato cheio para a faixa de público mais exigente que procura alternativa à insegurança das casas avulsas e aos inconvenientes da vida em apartamento.
“A maior parte do público que opta por condomínios horizontais já viveu em casas avulsas ou em apartamentos. É uma espécie de evolução, assim como a casa própria para quem deseja sair do aluguel” — explica o consultor Idivaldo da Cunha. “O formato é ideal para quem não gosta de viver em apartamentos, mas coloca a segurança como fator preponderante no momento de decidir sobre a compra do imóvel” — reforça o presidente da Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC, Milton Bigucci.
“As construtoras encontraram um nicho para atender a público específico e oferecer um produto diferenciado” — observa Paulo Bio, que atua no ramo imobiliário há 30 anos e é diretor das Organizações Paulo Bio, de Mauá, além de vereador.
O fator segurança é, sem sombra de dúvida, o maior apelo dos condomínios horizontais. Assim como prédios de apartamentos, condomínios horizontais são fortalezas nestes tempos de guerra civil não declarada. Independentemente de variáveis como dimensão do terreno e padrão construtivo, todos são cercados por muros altos e geralmente eletrificados para manter verdadeiras minicomunidades livres de invasores. A portaria controlada por vigilantes libera carros e pedestres apenas com autorização expressa dos moradores.
A diferença é que condomínios horizontais proporcionam liberdade e espaço inimagináveis para quem vive nas torres de concreto que marcam o cenário das grandes cidades. Que o digam os moradores do Swiss Park, o mais amplo e sofisticado condomínio horizontal fechado do Grande ABC, instalado no Bairro Demarchi, atrás da Volkswagen do Brasil. Criado em área de uma antiga fazenda, o empreendimento tem nada menos que 726 mil metros quadrados. No interior da fortaleza protegida por 4,5 quilômetros de muros três lagos totalizam mais de 100 mil metros quadrados de espelho d’água, além de 14 quilômetros de ruas pelas quais é possível correr, caminhar e pedalar.
“O Swiss Park proporciona vida campestre em plena cidade grande. É ideal para quem quer desfrutar da vida do Interior mas tem preguiça de pegar a estrada” — sintetiza Valter Patrão, diretor da Ativo Imóveis e Consultoria, representante exclusiva de vendas no empreendimento da construtora AEPL. “É uma ilha de tranquilidade no meio da cidade” — endossa o casal Fábio José Trindade Martins e Rosana de Lucca, que vivem no Swiss Park há pouco mais de um ano com os filhos pequenos Mariana e Tales, além do cão boxer Conan. De fato, é possível ouvir o canto dos pássaros e até esquecer que se está na conturbada São Bernardo ao se contemplar a placidez de lagos que atingem 18 metros de profundidade. Além do espaço verde e arborizado pertencente ao condomínio, os moradores contam com a proximidade de área de preservação ambiental somando 152 mil metros quadrados.
Fábio e Rosana personificam os principais motivos que levam famílias a optar pela vida em condomínios fechados. Antes de se decidirem pelo Swiss Park, eles viveram em uma casa na Vila Bastos, em Santo André, e em apartamento no Rudge Ramos, São Bernardo. “No apartamento havia segurança, mas faltava liberdade para ter um cachorro, por exemplo. Na casa tínhamos liberdade, mas não havia segurança. Aqui é possível reunir os dois” — resume o engenheiro civil Fábio Martins.
O Swiss Park é um condomínio fechado do tipo loteamento, a modalidade que mais cresceu no Interior paulista por conta da farta disponibilidade de terrenos. Do total de 726 mil metros quadrados do Swiss Park, 411 mil equivalem à soma dos lotes para construção. Os 315 mil metros quadrados restantes compõem as chamadas áreas de uso comum, que abrangem os espaços naturais e a infra-estrutura de lazer e entretenimento. Do total de 908 lotes com 420 ou 850 metros quadrados, 750 foram vendidos desde o lançamento, em agosto de 1996. Há cerca de 120 casas prontas e outras 250 em construção. E que casas! Diferentemente do vale-tudo observado em cidades onde impera o caos urbano, nos loteamentos em condomínio fechado existem normas voltadas à manutenção da ordem e do padrão construtivo.
Nos lotes de 420 metros quadrados a construção mínima é de 210 metros quadrados. E nos terrenos de 850 metros quadrados não se pode erguer casa com menos de 425 metros quadrados. Levando-se em conta que os lotes custam R$ 150 mil e a construção mais modesta não sai por menos de R$ 200 mil, é preciso desembolsar pelo menos R$ 350 mil para ter endereço no Swiss Park. A quantia estratosférica para a grande maioria dos brasileiros rivaliza com o preço de apartamentos em edifícios de alto padrão. “O Swiss Park virou uma grife procurada por quem quer exclusividade” — sintetiza o consultor imobiliário Valter Patrão.
A exclusividade pode ser detectada em requintes como o anfiteatro para 450 espectadores, com palco, bilheteria e camarim. “É para o caso de os moradores resolverem contratar a apresentação de uma peça, por exemplo” — explica. A estrutura de lazer envolve ainda centro esportivo com três quadras de tênis, três quadras poliesportivas e sede social, além de centro de convivência com salão de festas para até 400 convidados, salão de jogos, american bar e academia de ginástica. Não é sem motivos, portanto, que o casal de moradores Fábio e Rosana não faz questão de sair aos finais de semana. “Recebemos amigos para jogar tênis ou pedalar pelo condomínio” — comenta Fábio Martins.
Valter Patrão afirma que 70% dos compradores são do Grande ABC e 30% moravam ou trabalham em São Paulo. Ele cita a posição logística como atrativo adicional. “Estamos perto de tudo. O condomínio tem acesso imediato à Via Anchieta e está a quatro quilômetros e meio da Rodovia dos Imigrantes” — argumenta.
Mauá ganhou o primeiro condomínio horizontal fechado com o Residencial Country Park, instalado na Vila Bocaina, a dois quilômetros do Centro. Com 50 mil metros quadrados, o empreendimento não se compara ao Swiss Park sob o ponto de vista dimensional, mas o conceito é o mesmo: lotes generosos em espaço protegido e arborizado. São 49 lotes de 500 metros quadrados. Todos vendidos no prazo de 18 meses após o lançamento, em outubro de 1998.
“O empreendimento responde à necessidade de proporcionar qualidade de vida a uma classe ascendente radicada em Mauá e que, por vínculos emocionais e familiares, faz questão de permanecer na cidade” — explica Tácito Andrade, diretor comercial da incorporadora, construtora e imobiliária Alto Padrão.
O empresário Helvio Bozzato se encaixa com perfeição no perfil traçado por Tácito Andrade. Com família radicada na cidade desde a chegada dos ascendentes italianos no início do século passado, Helvio mudou-se de um sobrado no Jardim Pedroso — considerado um dos bairros nobres da cidade — para o Country Park movido principalmente pela necessidade de buscar segurança. A casa nova tem 300 metros quadrados construídos e uma bela piscina nos fundos.
“O condomínio é ideal porque não gosto de apartamento. Aqui as crianças podem pisar descalças na terra” — afirma, referindo-se aos filhos Caio, de 12 anos, e Patrick, com 10. Helvio Bozzato é proprietário do Shopping Green Plaza e presidente da associação dos moradores do Residencial Country Park.
O Country Park tem oito casas prontas e 12 em construção. A maior parte dos lotes, portanto, está nas mãos de gente que espera a hora certa de começar as obras ou pretende se capitalizar com a venda de terrenos. “Por ser o único condomínio horizontal da cidade, os lotes tiveram valorização excepcional. A última venda foi efetivada por R$ 90 mil” — afirma Paulo Eduardo Person, sócio-diretor da Alto Padrão.
Gasta-se pelo menos R$ 190 mil para morar no Country Park, levando-se em conta o custo do terreno e a construção mínima de 120 metros quadrados estimada em R$ 100 mil. Isso em teoria. “Na prática as casas são maiores e não custam menos de R$ 300 mil” — recalcula Tácito Andrade.
Horizontalidade acessível — Engana-se, entretanto, quem imagina que morar em condomínio horizontal é privilégio reservado apenas a quem tem bolso forte para comprar lotes amplos e investir em construções personalizadas. Além dos loteamentos, indisfarçavelmente voltados a um público com conta bancária mais polpuda, surgem na região opções mais acessíveis na forma de condomínios horizontais de casas prontas para morar. “Há no mercado várias opções por preço de apartamentos simples ou de padrão médio” — explica o consultor Idivaldo da Cunha.
O Residencial House Garden é exemplo de condomínio horizontal previamente configurado pelo construtor. São 25 sobrados com previsão de entrega em junho de 2003 na Vila Assunção, um dos bairros mais bem localizados e valorizados de Santo André. “Condomínios horizontais fechados têm público cativo porque a segurança assume importância enorme hoje em dia e, por outro lado, existe uma fatia de público que reluta em morar em apartamento. Principalmente casais com filhos pequenos” — afirma Roberto Alves, diretor de vendas da construtora MZM, responsável pelo empreendimento, cujas unidades foram comercializadas por preços que variaram entre R$ 100 mil e R$ 130 mil, dependendo da fase de comercialização.
A demanda apontada por Roberto Alves pode ser mensurada de duas maneiras. Primeiro, pela própria decisão da construtora de apostar em condomínio horizontal em vez de construir prédio vertical teoricamente mais lucrativo por proporcionar quantidade maior de unidades habitacionais. Segundo, pela aceitação: os 25 sobrados foram vendidos três meses após o lançamento, em junho de 2002. E praticamente sem divulgação, já que o único meio utilizado foi uma placa colocada no próprio local. “Se tivéssemos optado por prédio em vez de condomínio horizontal, provavelmente não teríamos concluído as vendas em tão pouco tempo. O segmento vertical é muito mais concorrido” — comenta o diretor da MZM.
Os sobrados em estilo americano têm 139 metros quadrados de área privativa. No piso de baixo há sala para dois ambientes, lavabo, cozinha e área de serviço, além de quintal com churrasqueira e garagem para dois automóveis. No andar de cima ficam três dormitórios, dos quais um com suíte, além de um banheiro. A segurança conta com guarita elevada em relação ao nível da rua, sistema integrado de monitoramento e acesso de veículos por sistema de ante-câmera, pelo qual veículos são filmados enquanto aguardam a liberação. O lazer dos condôminos é garantido com salão de festas, salão de jogos, playground, fitness center (academia de ginástica), minicampo de futebol, além de grill area, como os construtores chamam a área comum para churrasco.
A poucos metros do empreendimento da MZM — também na Rua Rio Branco, na Vila Assunção — outro condomínio horizontal do tipo prêt-à-porter está em construção. É o Portal dos Nobres, empreitada da construtora M.Bigucci que prevê 36 unidades de 134 metros quadrados, três dormitórios com suíte, duas vagas na garagem, estrutura de lazer e segurança ao preço médio de R$ 140 mil. O empreendimento já está com 60% dos imóveis vendidos e a entrega obedecerá três etapas que acompanham o ritmo da comercialização. As primeiras unidades ficam prontas em maio, a segunda parte em setembro e o restante em abril de 2004.
A M.Bigucci está com outros dois lançamentos do gênero preparados. O Villagio Felicitá, localizado exatamente ao lado do Portal dos Nobres, será posto à venda ainda este mês. O empreendimento terá as mesmas características do vizinho, mas abrigará metade dos imóveis que também deverão ser entregues em etapas. Já o Residencial Nova Santo André aguarda a finalização das formalidades burocráticas para ser exposto ao mercado. Serão 56 casas em padrão mais simples para atender fatia de consumidor que procura imóveis na faixa de R$ 65 mil, mas quer contar com a comodidade e segurança de viver em área fechada.
O nicho popular dos condomínios horizontais fechados já vem sendo explorado pela Raíza, outra tradicional construtora de São Bernardo sintonizada com a demanda por moradia segura, cômoda e relativamente barata. Por R$ 67 mil é possível adquirir um sobrado simples com dois dormitórios e duas vagas de garagem no condomínio horizontal Villas de Nova Petrópolis, lançado em outubro de 2002. “Aqui a maioria é de compradores da primeira moradia” — explica o gerente comercial Mário Peixoto, que ainda cita a taxa condominial de R$ 120 como atrativo adicional. “O fato de um condomínio horizontal não precisar de elevadores nem de bombas de recalque para levar água torna o custo fixo de manutenção mais baixo” — observa.
Por enquanto o Villas de Nova Petrópolis tem 60 sobrados prontos e outros 30 em construção com entrega programada para julho de 2003. O projeto completo, entretanto, é muito maior. Prevê 10 condomínios contíguos com 90 sobrados cada em terreno de 75 mil metros quadrados. Cada condomínio terá uma portaria independente e será dotado de salão de festas e área de lazer. “O projeto completo será concretizado em três anos” — estima Mário Peixoto.
O engenheiro mecânico Marcelo Zolga de Lima, de 29 anos, é um dos novos moradores do Villas de Nova Petrópolis. Adivinhe o motivo pelo qual ele resolveu trocar o apartamento onde morava com a esposa e o filho de dois anos? “Mudei por causa do meu filho” — afirma taxativo. “Antes ele não tinha lugar para brincar. Aqui pode brincar tranquilo. A princípio eu ia mudar para uma casa, mas a segurança falou mais alto” — conta.
Cidade mais verticalizada e com o metro quadrado mais valorizado do Grande ABC, a pequena São Caetano também entrou na onda dos condomínios horizontais. O Residencial Jardim São Caetano foi lançado no início de 2001 e está com a primeira etapa de 92 casas quase toda construída. “Já tem umas 15 famílias morando” — comenta Aparecido Viana, responsável pelo planejamento e comercialização do empreendimento, que leva a assinatura da construtora paulistana Plaza.
As 92 casas de 157 metros quadrados de área privativa (com garagem para três automóveis, três quartos e uma suíte) foram vendidas durante o lançamento por valores que oscilaram entre R$ 160 mil e R$ 175 mil. Aparecido Viana afirma que a segunda fase do empreendimento também já foi totalmente comercializada. Serão mais 50 casas de 194 metros quadrados vendidas por R$ 195 mil. A conclusão da segunda fase está programada para março de 2004, 12 meses após o início das obras.
“O condomínio horizontal atende ao anseio de quem quer voltar a morar em uma casa térrea mas tem medo da falta de segurança” — reforça Aparecido Viana. “Além disso, o comprador de uma unidade em condomínio horizontal tem a tranquilidade de saber que nunca construirão um prédio ao lado de sua casa” — completa.
Aparecido Viana adianta que outro condomínio horizontal fechado será lançado em São Caetano. Trata-se do Residencial Reserva das Árvores, cujo projeto contempla 55 casas de quatro dormitórios e duas suítes, e com 300 metros quadrados de área privativa. O empreendimento será erguido em área de 18 mil metros na Estrada das Lágrimas onde funcionou a empresa Imesca. “Os galpões estão sendo derrubados” — comenta Viana, que prevê para 24 meses após o início das obras a conclusão do empreendimento. O preço será mais salgado que o de muitas casas em condomínios do tipo loteamento: cerca de R$ 500 mil.
Ribeirão às avessas — Ribeirão Pires tem condomínios horizontais que surgiram fora da tendência recente verificada nas outras cidades da região. Os empreendimentos na cidade foram concebidos há mais de três décadas como opção de veraneio para moradores de Santos, que buscavam alternativa ao calor do Litoral. Posteriormente essas áreas se transformaram em residências definitivas com piscina, salão de festas, quadras poliesportivas, portaria única e tudo o mais que um típico representante da espécie tem direito.
O Condomínio Chácara Santa Maria é exemplo clássico. Das 40 casas de dois dormitórios que lembram o estilo chalé, apenas oito continuam servindo para descanso. O restante foi comprado principalmente por moradores de outras cidades do Grande ABC que optaram por morar em área totalmente arborizada de três mil alqueires a menos de dois quilômetros do Centro. “Todos vieram em busca de qualidade de vida e de segurança” — reforça a síndica Márcia Figueiredo, moradora há pouco mais de quatro anos e que administra o condomínio com ajuda de duas outras proprietárias. “Aqui as crianças têm liberdade e é possível até acampar nas noites de verão” — relata.
O Jardim Clube de Campo, às margens da Represa Billings, também integra a categoria originada a partir de chácaras de veranistas. O conjunto residencial de 450 casas construídas em lotes de mil metros tem portaria única mas não ostenta muros porque conta com a proteção natural da Mata Atlântica e da Represa Billings. Invadir, nem a nado, já que há portões de segurança no acesso à represa. “Aqui você encontra alternativa de vida agradável dentro do Grande ABC. Além disso, consegue resgatar o saudável relacionamento com os vizinhos” — analisa o arquiteto Fábio Vital, que mora no local. Fábio Vital é um entusiasta do modelo que acredita ser importante exemplo de como é possível ocupar áreas de mananciais sem degradar o meio ambiente. No Jardim Clube de Campo não há padronização para as construções, mas as restrições inerentes às áreas de proteção ambiental são suficientes para garantir a ocupação ordenada quando há planejamento e fiscalização por parte do Poder Público.
Ao se deixar os portões vigiados dos condomínios horizontais fica fácil entender por que esses empreendimentos podem ser comparados a verdadeiros oásis dentro de um Grande ABC maltratado pelo crescimento urbano desordenado e pela explosão de favelas na esteira do desemprego. Na outra margem da Represa Billings, lado contrário ao Jardim Clube de Campo, o cenário de favelização é desalentador. O mesmo ocorre a poucos minutos do Swiss Park, do lado oposto da Via Anchieta, onde se avista um emaranhado de barracos e casinhas de tijolos sobre o morro em frente à Volkswagen. Em Mauá, a pouco mais de três quilômetros do Country Park a paisagem típica da periferia dos grandes centros urbanos intensifica-se a cada metro a mais percorrido no sentido Centro-bairro pela Avenida Barão de Mauá. Também não é diferente em Santo André, principalmente na Vila Palmares, bairro rodeado de núcleos de sub-habitação.
O cenário explicita exatamente a realidade de um Grande ABC duramente contaminado pelas próprias mazelas e pela pobreza que extrapolou as fronteiras da Capital em direção aos municípios vizinhos. O déficit estimado de 80 mil a 100 mil moradias na região é elucidador da dura realidade, porque concentra-se na faixa de renda que dificilmente poderá escolher entre morar numa casa, num apartamento ou num condomínio fechado. São cidadãos que só terão acesso à casa própria se o governo subsidiar habitações populares.
O déficit habitacional do Grande ABC é maior do que a média brasileira: 20% contra 14,8%. Mas está próximo do índice registrado nas principais regiões metropolitanas, de acordo com estudo elaborado pela Fundação João Pinheiro em parceria com a Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Habitat (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Urbano). Por causa das grandes áreas de proteção de mananciais, o Grande ABC tornou-se mais vulnerável às invasões de terras desocupadas e que deveriam ser fiscalizadas.
Como os cidadãos que invadiram morros, mananciais e várzeas dos rios não têm como pagar pela casa própria, estão à margem do mercado imobiliário. Praticamente não se constrói para quem tem renda inferior a 12 salários mínimos. E quanto menor o poder aquisitivo, mais alarmante a situação. A dura realidade envolve a questão prática da viabilidade do negócio sempre patrocinado por variáveis como o valor da terra, o custo da edificação e a falta de linha de crédito para financiamento.
O mercado imobiliário do Grande ABC divide os lançamentos para três tipos de público: popular, médio e de luxo. O primeiro segmento oferece unidades em torno de R$ 60 mil para compradores com renda mensal familiar de R$ 2,4 mil. Cerca de 97% dos representantes desse segmento dependem de financiamento bancário para adquirir o imóvel. O segmento médio oferece imóveis entre R$ 65 mil e R$ 150 mil, e o de luxo acima desse patamar.
“É possível morar bem nas três faixas” — assegura Milton Bigucci, presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, ao explicar que a diferença de preço se dá pela localização e consequentemente o custo da terra, pela área útil construída e pelo padrão do acabamento. Dentro dessa lógica, fica fácil distinguir as áreas nobres de cada Município, já que os imóveis destinados ao segmento popular geralmente são construídos em bairros com boa infra-estrutura, só que mais afastados da região central, onde a terra é sempre mais cara. “O preço do terreno inviabiliza a construção de conjuntos populares em bairros como a Vila Assunção ou Bairro Jardim, em Santo André, ou Nova Petrópolis, em São Bernardo” — exemplifica Milton Bigucci.
Os segmentos popular e médio representam 90% de tudo o que o mercado imobiliário comercializa no Grande ABC. Mesmo assim, a velocidade de venda na região é baixa, reflexo direto da perda do poder aquisitivo e da escassez de empregos na indústria, atividade que tradicionalmente remunera os trabalhadores com salários maiores que comércio e serviços. De cada 100 imóveis novos ofertados em janeiro último, os corretores conseguiram vender 3,6 unidades. Isso significa que cada casa ou apartamento pode demorar até 30 meses para ser comercializado a partir do momento em que é colocado à venda, seja na planta ou já pronto para morar.
Os números que constam de pesquisa feita periodicamente pela Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC revelam que o índice de velocidade de vendas de janeiro de 2003 ficou abaixo dos 4,1% registrados em dezembro de 2002. A média é também inferior à registrada na Capital, que historicamente gira em torno de 7%. De qualquer forma, tanto o mercado imobiliário do Grande ABC quanto o de São Paulo operam abaixo da velocidade de 11%, índice considerado ideal pelo segmento para compatibilizar estoques e vendas. A última vez que a região alcançou esse patamar foi na década de 80, período em que a prosperidade local ainda não havia sido atropelada pelo galope da globalização.
O Grande ABC tem pelo menos 4,4 mil imóveis novos à espera de compradores, a maioria absoluta localizada em Santo André e São Bernardo. São bens que dificilmente serão adquiridos por menos de R$ 1,5 mil o metro quadrado ou R$ 400 o metro quadrado quando se trata apenas de terreno. Esses valores são em média 40% menores do que há alguns anos por razões óbvias como retração da demanda e também utilização de tecnologia, que ajuda a diminuir o custo da obra e a eliminar desperdícios. Mesmo assim, o sonho de morar bem, principalmente em condomínios horizontais, ainda não está ao alcance de quem não tem como despender R$ 600 mensais, no mínimo, para pagar a prestação da casa própria. De cada 100 trabalhadores do Grande ABC com carteira assinada, apenas 5,57% ganham acima de 20 salários mínimos. Outros 36,01% recebem até R$ 600. Os que se encontram no bloco intermediário nem sempre sustentam renda de R$ 2,4 mil necessários para adquirir um imóvel popular em torno de R$ 60 mil. Para a maioria dessa gente, a possibilidade de morar num oásis como um condomínio fechado ainda não passa de miragem.
Grande São Paulo — A onda dos condomínios horizontais que se esparramam pelo Grande ABC é parte de uma tendência mais abrangente que envolve a Grande São Paulo. De acordo com recente levantamento sobre o setor de autoria da consultoria paulistana Amaral D’Ávila, o número de condomínios cresceu quase 600% na Capital e Região Metropolitana entre 1997 e o primeiro semestre de 2002. O levantamento leva em conta apenas condomínios de sobrados e casas prontas para morar e não contabiliza loteamentos fechados, nos quais é o proprietário do terreno quem constrói. Condomínios de casas predominam na Região Metropolitana densamente ocupada e, consequentemente, relativamente mais valorizada, enquanto loteamentos com terrenos generosos são a marca registrada de empreendimentos que proliferam no Interior do Estado.
No período de cinco anos e meio analisado pela Amaral D’Ávila foram lançados 258 condomínios de casas na Capital e 73 na Região Metropolitana (dos quais 10 em Santo André, seis em São Bernardo e um em São Caetano, totalizando 17 no Grande ABC). Tudo indica que os lançamentos continuem a todo vapor. Somente o cronograma da Bamberg, uma das maiores consultorias imobiliárias de São Paulo, registra entrega de 14 empreendimentos na Capital entre dezembro de 2001 e agosto de 2004.
Cotia foi o Município metropolitano que sediou a maior quantidade de condomínios de casas entre 1997 e o primeiro semestre de 2002. Dos 73 empreendimentos lançados no período, 26 tiveram como sede essa cidade a 33 quilômetros da Capital e vizinha de Barueri, cuja imagem está tão associada a Alphaville quanto ao ISS reduzido da guerra fiscal. Na vice-liderança figura Santo André com 10 lançamentos e em terceiro aparece Guarulhos com oito. Já o Morumbi se destaca no ranking da Capital. Foram 19 lançamentos de alto padrão para fazer jus à fama do bairro que também está apinhado de favelas.
Resposta habitacional — É fácil entender por que condomínios de casas avançam em progressão geométrica. Com 18 milhões de habitantes e 39 municípios, incluída a Capital, a Grande São Paulo é um caldeirão de falta de planejamento e desigualdade social que praticamente obrigam parcela da população com disponibilidades financeiras a adotar soluções individuais no vácuo da ineficiência do governo.
A falta de boas escolas é respondida com matrículas na rede privada de ensino. A escassez de transporte público de qualidade é driblada com o automóvel particular. E a insegurança de viver em bairros comuns é afastada por condomínios murados e eletrificados nos quais o entra-e-sai é controlado com rigidez militar. Como um Prozac residencial, o condomínio assegura tranquilidade e se transforma em espécie de pílula do bem viver em meio à desordem metropolitana.
Há ainda motivo de cunho cultural a impulsionar os condomínios horizontais. A população da Região Metropolitana é em grande parte formada por gente vinda do Interior paulista e de outros Estados brasileiros. A vida simples e tranquila a que sempre estiveram acostumados contrasta nitidamente com a atmosfera urbanóide de apartamentos que se converteram na primeira solução para o recrudescimento da insegurança. Por isso, muitos tendem a trocar os condomínios verticais pelos horizontais. “Tem muita gente do Interior que não se acostuma com a vida em apartamento na metrópole e acaba optando por condomínios de casas” — resume João D’Ávila, diretor-presidente da empresa que leva seu nome.
Por questão de custo fundiário, condomínios fechados do tipo loteamento proliferam sobretudo em municípios do Interior paulista localizados na órbita da Região Metropolitana. Cidades como Salto e Itú dispõem de vários condomínios de lotes cujos proprietários são, em grande medida, habitantes da metrópole em busca de ar fresco e tranquilidade nas franjas da Capital — pelo menos nos fins de semana. Tal comportamento configura modalidade ainda mais radical do conceito de volta às origens interioranas citado por João D’Ávila.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!