A inclusão digital em São Caetano vai além da janela para o mundo aberta pela massificação da informática. Mesmo com 41% da população possuindo computador em casa e com o troféu de líder no ranking nacional de inclusão digital divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, a cidade não planeja acomodar-se em mais esse indicador de qualidade de vida. São Caetano investiu R$ 20 milhões só nos últimos três anos para trazer ainda mais gente para o mundo virtual e quer transformar o relacionamento do morador com a máquina em atitude capaz de agregar novos valores à construção do conhecimento e da integração social.
A preocupação é justificável diante do diagnóstico positivo e das inúmeras possibilidades abertas pelos caminhos digitais. Ao mesmo tempo em que os computadores são imprescindíveis num mundo sedento por informações em tempo real, estão suscetíveis à utilização indevida e direcionada a assuntos pouco enriquecedores. Dentro desse contexto, não basta que a máquina esteja ao alcance do usuário. É preciso também que o usuário seja orientado a separar o joio do trigo. Afinal, capital digital pressupõe principalmente acesso à Internet, o espaço mais democrático de debates e pesquisas onde cada um manifesta-se da forma que considerar mais conveniente.
“Essa discussão tem de ser encarada tanto por educadores quanto pela família. Acredito que precisamos difundir o bom uso da tecnologia como mais um valor perene” — preocupa-se a diretora do Departamento Municipal de Educação e Cultura, Maria Helena Cadioli. A educadora teve seu primeiro contato com computadores em 1997 e reconhece a utilidade da máquina como imprescindível ferramenta complementar do processo contemporâneo de aprendizagem e socialização. Mas mantém a devida distância dos encantos fáceis do mundo virtual porque acredita que os atrativos cibernéticos não devem substituir o contato pessoal e muito menos a boa leitura.
Por isso, São Caetano iniciou a universalização da informática pelas escolas públicas, justamente em ambiente que conta com o professor como condutor-chave do processo de descoberta de uma novidade que, em muitos casos, chegou antes ao lar do que à escola. Desde que as aulas de informática passaram a integrar a grade curricular, em 2001, os professores participam de cursos de capacitação que ajudam a inserir o computador no contexto pedagógico. “É muito importante ter argumentos para explicar ao aluno que o computador não é instrumento destinado exclusivamente à diversão, somente para jogar ou bater papo com amigos. É um processo de entendimento que tem reflexos no futuro, quando ele vai usar a máquina, por exemplo, para trabalhar” — analisa Maria Helena Cadioli.
Os laboratórios de informática chegaram às 21 escolas estaduais, à Escola Municipal de Ensino Fundamental Ângelo Raphael Pelegrino e ao Centro Interescolar Municipal Alcina Dantas Feijão em 2000. O acervo eletrônico é composto por 411 computadores com acesso à Internet, 64 impressoras e 22 scaners e foi totalmente custeado pela Prefeitura, que executou o projeto em seis meses. O período relativamente curto delimitou o salto qualitativo no processo de inclusão digital porque envolveu simultaneamente 25 mil alunos dos ensinos Fundamental e Médio.
A preocupação em inserir tecnologicamente a população, no entanto, data da primeira gestão do triprefeito Luiz Tortorello, época da criação da Escola Municipal de Informática. Esse espaço pedagógico também é totalmente custeado pela Prefeitura e atende moradores a partir de 13 anos com a 6ª série escolar completa. São dois cursos com duração semestral que reúnem 358 alunos divididos em 80 turmas. O básico em softwares ensina windows, word, excel e power point para adolescentes como Lilian Fernando Augusto Sabino, de 14 anos, moradora do Bairro Oswaldo Cruz. Filha de microempresário e dona-de-casa, Lilian procurou a escola para potencializar os conhecimentos que adquiriu ao manejar sozinha o computador que tem em casa há dois anos. Reconhece que os pais até poderiam custear um curso particular, mas optou pelo público porque recebeu boas referências da escola.
Foi também a qualidade que motivou Lúcio de Oliveira Lima a trocar o curso particular de Montagem e Manutenção de Microcomputadores pelas aulas realizadas na Escola Municipal de Informática. “Aqui as classes são menores e o aprendizado mais produtivo” — diz o estudante de 17 anos, que espera adquirir bagagem suficiente para transformar o hobby de instalar programas, formatar e configurar computadores em habilidade profissional que permita ajudar na renda familiar. O pai de Lúcio está desempregado e a mãe é professora de pré-escola.
Tanto Lúcio quanto Lilian não se encaixam no perfil socioeconômico da faixa populacional geralmente beneficiada pelos programas sociais das prefeituras. É que os canais de inclusão digital disponibilizados por São Caetano estão abertos a qualquer morador, independente do poder aquisitivo. E mesmo numa cidade cuja renda per capita de US$ 16,5 mil/ano é a maior do País, a demanda também supera a oferta em alguns casos. Para ingressar na Escola Municipal de Informática passa-se por prova seletiva com 20 questões de matemática porque sempre há, em média, dois interessados por vaga.
A Prefeitura também instalou 10 cabines de Internet na Biblioteca Paul Harris para uso público. Interessados não pagam pelo acesso e precisam apenas preencher documento no qual comprometem-se a utilizar o equipamento prioritariamente para trabalho, pesquisa escolar ou envio de e-mails. Cada usuário tem direito de ficar uma hora na cabine. Como a comodidade atrai dois mil moradores mensalmente, há inevitavelmente filas de espera. Izabel Valentina Gomes da Silva vai à Biblioteca a cada 15 dias para enviar currículos e pesquisar vagas de estágio em segurança do trabalho, porque está em fase de conclusão do curso. Ela tem Internet em casa, no Bairro Fundação, mas utiliza o serviço público porque o acesso é melhor e para economizar na conta do telefone. “Sempre tem fila, mas vale a pena esperar” — comenta.
A universalização da informática em São Caetano tem o exemplo mais emblemático no Centro de Convivência da Terceira Idade. Dos 15 mil associados, cerca de 10 mil já passaram pelas aulas regulares de informática. Atualmente são 160 alunos entre 50 e 80 anos, dos quais 80% nunca haviam tido contato anterior com computadores. “Esse grupo não enxerga o computador como ferramenta de aprendizado ou trabalho. Para eles, inclusão digital significa maior integração social principalmente com a família” — explica o professor Renê Graminhani, que se emociona ao reconhecer o brilho nos olhos do idoso que consegue perder o medo da máquina.
Renê Graminhani é um dos oito professores de informática que compõem o quadro de profissionais com perfis específicos que a Prefeitura selecionou para atender a demanda não convencional. Além do curso de informática para a terceira idade, a inclusão digital em São Caetano contempla ainda 750 alunos atendidos nos cursos supletivos do Centro de Orientação Profissional Elvira Paolilo Braido. Também a Fundação Anne Sullivan incluiu na grade curricular da educação especial curso de informática para surdos. Nesse caso, o professor domina as linguagens labial e de sinais utilizadas para a comunicação com portadores de deficiência.
O ranking da Fundação Getúlio Vargas mostra que o índice de 41% de moradores de São Caetano que possuem computador em casa é bem maior que os 26,9% de Santo André, segundo colocado na região, e mais que o dobro da média estadual de 17,9% e dos 14,9% da nacional. O resultado não surpreende diante dos indicadores socioeconômicos de Primeiro Mundo que a cidade ostenta há anos seguidos. Mas reforça a responsabilidade da Prefeitura em manter a qualidade dos serviços em uma cidade que em breve precisará encontrar fórmulas para compensar as perdas econômicas da desindustrialização sem aumentar demasiadamente os impostos que suportam o padrão de excelência oferecido aos munícipes.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!