Janeth dos Santos Arcain é exemplo vivo de brasileiro que vê no esporte a oportunidade de se transformar em atleta famoso e dar estabilidade financeira aos familiares. Milhões apenas sonham. Negra e vinda de uma família carente, Janeth é exceção à regra nacional. Humildade, força de vontade e talento misturados a uma certa dose de sorte e centenas de cestas de três pontos fizeram dessa mulher de 34 anos, 1,80 metro e 69 quilos bem distribuídos a jogadora brasileira de basquete mais respeitada nos quatro cantos do mundo. Mais um arremesso certeiro: conseguiu virar ídolo nacional em um esporte pouco atrativo para patrocinadores, bem distante dos olhares da mídia e no qual brilhavam atletas renomadas como Hortência e Magic Paula.
Ao lado das duas, Janeth, que há 10 anos tem laços estreitos com o Grande ABC, formou o melhor tripé do basquete brasileiro de todos os tempos. Hortência, por exemplo, teve participação direta na vida de Janeth Arcain. A Rainha, como é conhecida até hoje, foi a principal responsável em fazer com que a paulista nascida na Capital e registrada em Carapicuíba optasse por dar assistências, armar jogadas e arremessar contra a cesta adversária. “Tive a nítida convicção de que queria jogar basquete ao ver Hortência no Mundial Feminino de 1983, no Brasil” — lembra Janeth. Por pouco a camisa 9 da Seleção Brasileira não partiu para outro esporte, também disputado com as mãos. Jogou vôlei por seis meses no Corinthians, quando morava no Bom Retiro, na Capital, no início da década 80. “Jogava bem. Era alta e tinha boa impulsão. Mas queria o basquete” — conta.
O início foi em Catanduva, em 1984. De lá para cá, e à custa de treinos que consomem 4 a 6 horas por dia, Janeth vestiu as camisas de equipes como Higienópolis, Vasco, São Paulo, BCN e Santo André, entre outros. A passagem pelo Grande ABC mudou a trajetória profissional e pessoal da atleta. Janeth conheceu a região em 1992, quando defendeu o Lacta/Santo André. A ligação com a cidade permanece até hoje. Jogou em equipes do Rio de Janeiro e da Capital, mas a residência fixa sempre foi em Santo André. Mora sozinha no Bairro Jardim. “Não me vejo longe daqui” — diz a atleta.
Apesar de ter deixado o clube no final de 2000, Janeth continua dentro das quadras da cidade. Criou há quase dois anos o CFE (Centro de Formação Esportiva) Janeth Arcain, projeto praticado no ginásio do Clube Panelinha. Com 200 alunos de sete a 15 anos, o centro de formação tem visão social. “40% das vagas são destinadas às crianças carentes da região. Trabalhamos para garimpar novos talentos e, principalmente, formar verdadeiros cidadãos” — orgulha-se a jogadora, que conta com apoio de três técnicas. Uma das exigências para estar no grupo é que os futuros atletas não faltem à escola e tenham boas notas. O centro já foi cobiçado por cidades como São Bernardo, Mauá, São José dos Campos e João Pessoa, na Paraíba.
A passagem por Santo André foi compartilhada com a maior conquista profissional da jogadora. Em 1997, Janeth teve o privilégio de ser a primeira brasileira a jogar na WNBA (Liga Norte-Americana de Basquete Feminino). Completará a sétima temporada na equipe do Houston Comets a partir deste mês. São quatro títulos consecutivos — de 1997 a 2000. As vitórias pessoais ultrapassaram a quadra. Janeth foi nomeada a Most Improved Player of the Year (jogadora que mais evoluiu durante a temporada) em 2001. Recebeu 25 dos 60 votos possíveis de jornalistas esportivos. No mesmo ano, participou como titular do All Star Game, partida com as melhores atletas escolhidas apenas por torcedores. Janeth foi a quarta mais votada entre os internautas. “Recebi 70.107 votos. Foi um ano maravilhoso” — define a jogadora, que virou boneca criada pela WNBA. Ela também abriu as portas para outras brasileiras. Oito atletas participaram da temporada 2002.
As idas e vindas aos Estados Unidos fizeram com que Janeth conhecesse alguns dos homens mais poderosos do planeta. Primeiro foi Bill Clinton. Jogadoras e comissão técnica do Houston Comets foram homenageadas pelo presidente norte-americano em 1999, logo após a conquista do tricampeonato da WNBA. Dois anos mais tarde foi a vez de a jogadora brasileira receber cumprimentos do atual comandante dos Estados Unidos, George W. Bush, quando o político esteve de passagem pelo Estado do Texas. Janeth também conheceu o presidente cubano Fidel Castro durante o título dos Jogos Pan-Americanos de Havana, em 1991. “Ele aparentou ser muito simpático” — comenta.
Ponto de partida — Para a brasileira, a medalha de ouro arrematada em terras caribenhas foi o início da popularização do esporte no País. Musas do basquete feminino como Hortência, Paula e Marta estavam na vitória sobre Cuba. A partir daí, o basquete brasileiro deu salto em qualidade e tornou-se um dos quatro países mais fortes do mundo. O título do Mundial de 1994, disputado na Austrália, foi o auge do Brasil. O momento inesquecível de Janeth Arcain na carreira de quase 15 anos à frente do selecionado nacional foi a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. “É indescritível a sensação de subir ao pódio em uma Olimpíada” — relembra. O gosto especial teve reprise quatro anos mais tarde em Sydney, na Austrália, com a medalha de bronze. Na época, equipe renovada e com Janeth como principal estrela da seleção.
Título é uma palavra permanente no vocabulário da atleta. Venceu campeonatos paulistas, nacionais, sul-americanos, pan-americano e mundial, além de duas medalhas olímpicas. É recordista de pontuação em mundiais. São mais de 500 pontos em quatro edições disputadas. Mas a número 9 não está satisfeita. “Quero jogar em Atenas, na Grécia, e trazer o ouro olímpico. É o único título que não tenho na carreira” — sonha.
Números e desejos que fazem inveja a qualquer atleta e abririam as portas de qualquer clube, certo? Errado. Na maioria das vezes as inúmeras cestas de três pontos não são suficientes para sensibilizar patrocinadores. A falta de investimento tanto do Poder Público como da iniciativa privada é nítida junto aos esportes amadores. “Estou sem clube para atuar no País” — lamenta a principal ídolo do basquete feminino. Depois do encerramento da WNBA, em setembro próximo, Janeth poderá defender novamente o São Paulo/Guaru, equipe pela qual venceu o Campeonato Nacional neste ano.
O Campeonato Paulista de 2003 mostra muito bem a dificuldade vivida por atletas e treinadores para manter o esporte ativo. A competição iniciada há quase dois meses teve participação de apenas seis equipes. Das 12 atletas que representaram o Brasil no Mundial da China de 2002, apenas a armadora Micaela esteve em quadra. A falta de patrocínio afastou Janeth de São Bernardo. “Com a Prefeitura estava fechado. O problema foram as empresas. A idéia era revolucionar o basquete nacional com marketing dos Estados Unidos. Também iríamos trazer as jogadoras que estão na Europa. Infelizmente não ocorreu” — lamenta Janeth.
Frustrações, glórias e fama não mexeram com o caráter da atleta. A simplicidade demonstrada dentro da quadra é notada também fora das quatro linhas. “Sou uma pessoa normal. Me divirto, faço compras, vou ao shopping e adoro ver TV, quando tenho tempo” — detalha. Além de assistir a programas e ler muito sobre basquete, a jogadora do Houston Comets é muito ligada à informática. Ela fez curso de montagem e manutenção de computadores. “Amo acessar Internet” — conta. Apesar dos 34 anos, Janeth vê bem distante o dia em que deixará a bola de basquete. “Ainda estou longe da aposentadoria. Quero jogar o Mundial de 2006, que vai ocorrer no Brasil. Depois, irei pensar nesse assunto”. Uma coisa é certa: jamais deixará o esporte. “Serei técnica ou dirigente, mas sempre estarei perto do basquete” — promete.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!