Sociedade

Acima de tudo,
muito rockn roll

FERNANDO STELLA - 05/07/2003

A tradicional frase de que o rock jamais morrerá não deve ser considerada apenas mais um jargão citado por músicos extasiados em cima do palco ou simplesmente em busca de mais fãs. A essência desse estilo musical dominado pelo tripé guitarra-baixo-bateria, pelos jeans, camiseta branca e jaquetas de couro vai muito além de mero entretenimento ou lembranças de momentos inesquecíveis. Esse é o retrato do sentimento de paixão vivenciado minuto a minuto pelo produtor cultural Ricardo Martins e cujo codinome dispensa maiores apresentações: Rickn Roll. "O rock está presente em todos os passos da minha de vida" -- assume o roqueiro de 43 anos e pai de duas filhas.

O gosto pela música teve início nos primeiros acordes de astros como Elvis Presley, Santana e grupos internacionais como Led Zeppelin, Beatles e Pink Floyd nos distantes bailinhos de garagem da década de 70. "Ainda não tinha assumido que era roqueiro, mas comecei a admirar aquele estilo de música" -- lembra Rickn Roll, que também era DJ (Disc Jóquei) nessas festas. "Colocava o pessoal para dançar e namorar. Por isso quase sempre ficava sem garota" -- recorda. Mas não eram apenas os sons estrangeiros que mexiam com a cabeça do aficionado. Rita Lee, Mutantes, Novos Baianos e O Terço estão até hoje entre os músicos nacionais preferidos de sua coleção de quase cinco mil discos também presentes na recém-inaugurada Consultoria Musical Rickn Roll.

Esse arsenal de bolachões -- como são conhecidos os discos e LPs -- poderia ser ainda maior não fosse um desses acasos do destino que mudou a vida do atual assessor da Diretoria de Cultura de São Caetano. Numa manhã de dezembro de 1980, Rick escutou que John Lennon, ex-músico dos Beatles e sua maior fonte de inspiração, havia sido assassinado por um fã. "Fiquei desanimado. Tinha muita expectativa com a entrada da nova década" -- lembra. Ainda estudante da Faculdade de Jornalismo da Metodista, Ricardo Martins resolveu vender a coleção de dois mil discos que incluíam todos os álbuns do célebre quarteto de Liverpool, da Inglaterra. A tragédia teve outra mudança significativa: Rick raspou a vasta cabeleira. "Cheguei à conclusão de que deveria admirar alguém com a minha idade" -- justifica.

Antes de encontrar a música como atividade profissional, Rick trabalhou como promotor de vendas do Playcenter e assessor de imprensa da gravadora CBS, entre outros. Em 1982, com 25 anos, criou veículo de comunicação de bandas alternativas batizado de Rocker Jornal, em São Bernardo. Três anos depois cansou do trabalho, vendeu sua parte no negócio e foi para o Rio de Janeiro assistir à primeira edição do Rock in Rio. Entrou em alfa. "Fiquei 10 dias e pude acompanhar outros ídolos como Nina Hagen e B52s" -- diz Rick. Esses músicos fizeram parte do movimento New Wave, que misturava teclado e sintetizadores com guitarras e bateria.

Mas foi em 1986 que Ricardo Martins começou a concretizar antigo sonho: entregou o carro Variant 1972 e mais três cheques para adquirir uma loja de discos na Galeria São Caetano. "Comecei a trabalhar com o que realmente gostava" -- conta. O apelido Rickn Roll veio em função do nome da primeira loja. O roqueiro fez pesquisas no Grande ABC para saber qual seria o perfil da loja. Na região já existiam redutos de heavy metal, rock progressivo e punk. Foi quando o produtor cultural decidiu apostar no rockabilly, uma das vertentes do rockn roll. Estilo musical conhecido nas vozes de Elvis Presley e Jerry Lee Lewis somado ao visual de cada músico ou apreciador: botas, jeans, jaqueta de couro e os famosos topetes -- penteado tradicional nas décadas de 50 e 60 que fica levantado na parte da frente.

Foi nesse espaço de topetudos e tatuados que Rick começou a ficar mais conhecido no cenário musical. Conseguiu trazer para a loja nomes internacionais do rock como Brian Setzer -- vocalista e guitarrista da extinta banda Stray Cats -- e Toy Dolls. O crescimento permitiu deixar a galeria e adquirir outra loja, também no Centro de São Caetano. "Foi um dos erros da minha vida" - lamenta. O motivo é que no início da década de 90 a loja Rickn Roll passou a investir também em CDs, já que o vinil começava a perder espaço no mercado. "Investimos mais do que tínhamos em caixa. Isso foi fatal" -- lamenta o roqueiro, que cultua apenas uma pequena tatuagem no braço direito feita aos 33 anos e que reproduz o próprio Rickn Roll.

Antes de fechar as portas, Ricardo Martins lançou o primeiro campeonato brasileiro de topetes. O reconhecimento chegou à TV. Participou do Programa Jô Onze e Meia, ainda no SBT, com os integrantes da competição. Em 1996 foi convidado pela produção da novela Explode Coração, da TV Globo, para ser consultor do personagem Bebeto Ajato, interpretado pelo ator Guilherme Karan. Essa aparição na novela apresentou outro lado da moeda. Por muito tempo, o roqueiro foi chamado de traidor do movimento rockabilly. "Duvido que alguém fale não à emissora carioca" -- desafia o produtor cultural, que apesar do vasto conhecimento musical não se especializou em nenhum instrumento. "Toco um pouco de guitarra" -- comemora. 


Retorno -- Esse estilo único de pensar e agir é notado ao se entrar na Consultoria Musical Rickn Roll, que fica na própria casa do roqueiro. Na entrada do espaço, no Centro de São Caetano, está um quadro de Marylin Monroe. Um imenso retrato de John Lennon não poderia faltar. Fotos de James Dean, Batman e Robin, o Gordo e o Magro também estão espalhadas pela casa, além de telefone em formato da badalada moto Harley Davidson. Rick planeja dividir o conhecimento musical adquirido ao longo dos anos. De que forma? O acervo de quase cinco mil discos está à disposição dos apreciadores. 

Acompanhado dos principais equipamentos da década de 70 como toca-discos Akai e Quasar, o roqueiro grava CDs para quem quiser conhecer um pouco da história do vinil. Os compact discs não têm outra função a não ser armazenar as músicas do vinil. "O CD já está na Internet e não dá para competir" -- garante. Um dos charmes do trabalho está em manter a característica básica do vinil: o chiado entre uma música e outra. Do clássico à MPB (Música Popular Brasileira), há de tudo na consultoria, que também serve como ponto de encontro de amantes da música. O roqueiro presta atendimento à Fundação das Artes de São Caetano. Já as capas de discos de Rickn Roll foram o ponto alto da exposição Imagens Que Vêm dos Sons, organizada pela Fundação Pró-Memória em 2000 para retratar 60 anos da música nacional. 

Rick tem outra paixão estampada: o carinho por São Caetano. Nasceu e mora há mais de quatro décadas no Município. "Meu lugar é aqui" -- garante. O respeito adquirido junto à comunidade local ganhou contornos maiores depois de ser convidado pelo então candidato à Prefeitura Luiz Tortorello para participar da campanha política de 1996. A partir daí começou a trabalhar como assessor cultural, cargo que ocupa até hoje. Entre outras atividades na carreira pública, Rick coordena o programa Arte na Rua. São 30 músicos contratados do Grande ABC que exibem os dons artísticos em entidades assistenciais do Município, além de espaços públicos como a estação ferroviária e a rodoviária central.

Uma década atrás, o trabalho em um gabinete era encarado com radicalismo pelo roqueiro. "Não imaginava trabalhar com políticos" -- admite. A mudança foi motivada pelo começo de novo ciclo na história de Rick. "Aprendi a dar valor a pequenas coisas que não significavam muito para mim" -- acrescenta. Ricardo Martins está separado da família há quase três anos e mora sozinho, fator que também faz parte da nova etapa pessoal. "Era muito paparicado por minha ex-esposa e pela minha mãe. Hoje sou obrigado a me virar sozinho. É mais um aprendizado" -- conforma-se o roqueiro, que hoje também pratica meditação, faz terapia, dorme apenas de cinco a seis horas por dia e adora andar de bicicleta no período noturno.


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