Em janeiro de 2005 nada menos que 92,2% dos moradores de Santo André disseram que não trocariam o Município por nada desse mundo. Em abril deste ano 47% evidenciaram desejo de deixar Santo André, ou, apenas 52% seguiam resilientes às transformações empobrecedoras do Município e do Grande ABC como um todo. Santo André ainda não chegou à insanidade de São Paulo que, segundo o Instituto Nossa São Paulo, dados de janeiro deste ano, aponta índice de 63% de moradores dispostos a ir embora. Ainda chegaremos lá.
É nessas horas que meu acervo pessoal de jornais e revistas, principalmente de jornais, faz a diferença. O desabamento da autoestima de Santo André não é exceção -- é regra na região. Estou esperando dados de outros municípios para fazer comparação semelhante. Os resultados serão também semelhantemente frustrantes. Não existe almoço de graça assim como não existe possibilidade de manter o bem-querer em situação de sofrimento contínuo. O resto é propaganda vadia.
Vamos aos fatos do passado e do presente. O passado se refere à pesquisa que o Instituto Brasmarket fez por encomenda do Diário do Grande ABC, mais precisamente por este jornalista. Estava diretor de Redação daquela publicação. Um diretor de Redação que jamais deixou de ser repórter, redator e editor. Jornalista que se preza não vira burocrata em hipótese alguma. E burocrata é todo jornalista que deixa de escrever. E para escrever é preciso ouvir, entrevistar, questionar.
Queda gigantesca
Pois bem, naquele janeiro de 2005 escrevi texto de página inteira para mostrar os resultados do Brasmarket. Agora, em abril deste ano, o Instituto ABC Dados fez pesquisa semelhante. Os números do ABC Dados poderiam não significar mais que os próprios números (e isso não significaria que não sejam importantes, claro) se não fossem comparados com os dados do Brasmarket. Confrontá-los permite a possibilidade de construir juízo de valor importante.
A pergunta que se faz é como Santo André (e acreditem mesmo que ocorrerá situação semelhante com os demais municípios que venham a ser investigados pelo ABC Dados) chegou ao atual estágio.
Simples: o Índice de Bem-Querer, como denominei a pesquisa do Brasmarket, é implacável. A queda constante da qualidade de vida na região não é um fenômeno qualquer. Reproduz a sistemática perda de vitalidade econômica que, por sua vez, implica em esvaziamento do que existia de Capital Social. Somos uma cidade e uma região cada vez mais fragmentadas, sem identidade, onde impera a lei do mais forte em todas as instâncias. Principalmente dos mandachuvas e mandachuvinhas de plantão.
Vou repassar alguns dos principais trechos da análise que fiz para o Diário do Grande ABC de 30 de janeiro de 2005. É preciso recuperar as razões mais evidentes que davam a Santo André um Índice de Bem-Querer que, comparado ao que temos nesta temporada, chega a ser humilhante. Vamos então a parcelas daquele texto:
Recordando 2005
O extraordinário resultado de Santo André permite várias interpretações. Primeiro mostra que os embates eleitorais em outubro do ano passado, um dos mais dramáticos da história e que comportou todos os tipos de estratégia, inclusive tentativas de desmoralização de candidaturas, foi rigorosamente desqualificado pela população. O bem-querer pelo município, explicitado nessa primeira pesquisa do gênero, sinaliza que os homens públicos provavelmente estejam percorrendo caminhos tortuosos demais para conquistar a simpatia dos eleitores. Santo André se ama demais e, provavelmente, exigiria menos retaliações pessoais e mais propostas de planejamento social e econômico.
Recordando 2005
O fator Celso Daniel provavelmente pese muito no resultado do Instituto Brasmarket. Pesquisas para consumo interno do PT e que monitoraram a campanha do prefeito João Avamileno já indicavam que Celso Daniel virou mártir depois do assassinato em janeiro de 2002. A recente pesquisa Brasmarket não reservou especificidade ao ex-prefeito, mas tudo indica que o histórico de gerenciamento público inovador que Celso Daniel aplicou em Santo André durante 10 anos, em três mandatos, enche de orgulho uma cidade que estava prestes a observá-lo como ministro de Estado. Os 100 mil moradores que acompanharam o enterro de Celso Daniel naquele 22 de janeiro extratificam a dor que, em seguida, se transformou em reverência.
Recordando 2005
Também os efeitos do futebol profissional vitoriosíssimo nos últimos anos devem ser considerados à elevada autoestima de Santo André. O Ramalhão, como é conhecido o time fundado há quase 40 anos, contrapôs-se ao sucesso do vizinho e poderoso São Caetano, o Azulão, com seguidas façanhas. Ganhou a Copa São Paulo de Futebol Júnior, conquistou o acesso à Série B do Campeonato Brasileiro, subiu para a Série A do Campeonato Paulista e, suprema alegria, arrancou do Flamengo em pleno Maracanã, ano passado, o título de campeão da Copa do Brasil.
Recordando 2005
Há outras razões para sustentar o bem-querer elevadíssimo de Santo André. O inchaço populacional que comprometeu a performance de Mauá e de São Bernardo é coisa do passado. Santo André viveu arrefecimento demográfico nos últimos 10 anos. A caudalosa migração das bordas da Capital e de diferentes Estados brasileiros ficou no passado ou desviou a rota para vizinhos na região. Os problemas de infraestrutura material e social de Santo André são densos, mas menos dramáticos que vários de seus vizinhos exatamente porque a avalanche demográfica abrandou.
Recordando 2005
Também entram na conta de ativos que justificariam o sucesso da mais bem-amada cidade da região as políticas lançadas e consagradas por Celso Daniel. Orçamento Participativo e urbanização de núcleos de favelados espalharam-se senão na quantidade necessária, mas por pontos estratégicos de um Município que durante três décadas sofreu as dores da desindustrialização somente estancada nos últimos anos.
Recordando 2005
Nem mesmo o estardalhaço dos conservadores, dos abusados e mesmo dos injustiçados contra a instalação de radares para humanizar o trânsito rompeu o amor por Santo André. Uma minoria barulhenta, comprovada por pesquisas, não conseguiu massificar os abusos. Por mais que tenha havido excessos regulamentares, que deram ares de indústria de multas à organização de um trânsito então violentíssimo, as ruas de Santo André se tornaram menos cruéis. E acabaram servindo de referência a outros municípios da região que transplantaram o sistema para coibir abusos de motoristas que se pretendem pilotos de Fórmula-1.
E muito mais
Aquela análise que fiz há uma década e meia seguiu adiante, mas os pontos principais estão aí acima. O processo de degradação da qualidade de vida regional a bordo do enfraquecimento econômico que viveu na sequência, até por volta de 2012, um respiro enganoso de crescimento circunstancial do PIB (Produto Interno Bruto), encontrou nos últimos anos forte choque de recessão que atinge nosso território de forma mais contundente.
Santo André perdeu o viço, embora ainda 52% da população não desista de continuar em suas terras. O outro lado do copo meio cheio e meio vazio é que 47%, portanto quase a metade, daria adeus se pudesse mudar de vida.
Vamos aguardar os resultados do Instituto ABC Dados. Os demais municípios da região também foram aferidos pelo Instituto Brasmarket. Não há incidência semântica que desqualifique a validade cientifica tanto da pesquisa de 2005 quanto das que virão ou já veio nesta temporada. Quando se trata de bem-querer ou malquerer em relação ao domicílio municipal, a resposta tende a ser curta e direta.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!