Imprensa

30ANOS: perdemos 40%
da representação legislativa

DANIEL LIMA - 20/05/2020

Se você quer saber as razões que levaram o Grande ABC a perder 40% da representação política na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal nas eleições de 1998 não deve perder a oportunidade que se segue. Escrevi sobre o assunto para a edição de novembro de 1998 da revista LivreMercado. O que houve naquela disputa foi o que chamaria hoje, passados quase 22 anos, de excesso de confiança, para não dizer arrogância. Afinal, se quatro anos antes, ao som festivo do Fórum da Cidadania, elegemos 13 deputados estaduais e federais, por que teria de ser diferente quatro anos depois?

Quer saber mesmo? Então acompanhe esta que é a quadragésima-nona edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do Brasil, uma junção de LivreMercado e de CapitalSocial.

Quando dividir

significa perder 

 DANIEL LIMA - 05/11/1998

Não dá para disfarçar. O Grande ABC está desencantado por ter sofrido rebaixamento de 40% na representação política na Assembleia Legislativa e no Congresso Nacional. De 13 deputados (oito estaduais e cinco federais) eleitos em 1994, a região caiu para apenas nove (seis estaduais e três federais). Qualquer tentativa de prestidigitação analítica para transformar essa perda em ganho tem a mesma sustentação de uma gelatina. Para uma região com 1,5 milhão de eleitores, os números que resultaram das urnas eletrônicas e convencionais foram uma ducha de água fria.

Um dos resultados do qual não se pode fugir é que Fórum da Cidadania, Consórcio Intermunicipal e Câmara Regional não são capazes de garantir, individual ou conjuntamente, sucesso eleitoral. No mínimo suas lideranças esqueceram de se juntar aos comandantes dos partidos políticos para estabelecer estratégia que valorizasse um princípio da alquimia política tão simples quanto eficaz: quem parte e reparte e não fica com a maior parte ou é bobo ou não entende da arte.

Os partidos repartiram tanto os votos entre os candidatos locais que só poderiam mesmo ficar a ver navios. 

A exceção à regra fica por conta do prefeito Celso Daniel, de Santo André. Ele ajudou a eleger dois dos correligionários do PT, o deputado estadual Luiz Carlos da Silva, a partir de janeiro guindado a federal, e o presidente da Câmara Municipal, Vanderlei Siraque. Duílio Pisaneschi, do PTB, candidato derrotado por Celso Daniel no último pleito à Prefeitura, ultrapassou a marca de 100 mil votos, mas o resultado requer cuidados quando transposto a conjecturas eleitorais municipais.

Duílio conseguiu quase a metade dos 100.366 votos fora de sua base eleitoral. Em Santo André, ficou atrás de Luiz Carlos da Silva, virtual concorrente à Prefeitura diante de eventual impedimento da candidatura de Celso Daniel à reeleição. Luiz Carlos alcançou 66.134 votos do total de 90.738 no mesmo domicílio eleitoral de Duílio, que contabilizou 59.166 votos.

Alienígenas em São Caetano

Três candidaturas de São Caetano conseguiram sucesso nas urnas -- o petista Jair Meneguelli, reeleito a deputado federal, o pepebista Daniel Marins e Marco Tortorello (PPS), filho do prefeito Luiz Tortorello, eleitos à Assembleia. Meneguelli tem mesmo apenas o domicílio eleitoral em São Caetano, já que só conseguiu 2.350 votos no Município, atrás inclusive de Duílio Pisaneschi.

Salvou a reeleição de Meneguelli o prestígio de sindicalista, construído à frente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema e que se espalhou por outras regiões do Estado, especialmente o Vale do Paraíba. Dos 59.590 votos, 17.576 foram em São Bernardo e 7.600 em Diadema. 

Já o desempenho de Marco Tortorello, com o total de 70.293 votos, comprova o poder de sedução do pai Luiz Tortorello. Aparentemente a votação em São Caetano -- 21.229 -- foi baixa. Só aparentemente. Somando-se todos os votos dos candidatos que o seguiram na apuração, até o 10º lugar, o volume que lhe foi destinado ainda é maior. Uma comparação com o candidato mais votado a deputado federal, o peessedebista Cláudio Demambro, ex-vice-prefeito, que totalizou 9.750 votos, dá a dimensão de seu sucesso doméstico, alargado por dobradinhas que o tornaram líder de uma coligação de esquerda e centro-esquerda que incluiu até o PT. 

Daniel Marins é uma espécie de Meneguelli à direita, porque se dependesse exclusivamente de São Caetano não teria sufrágios nem mesmo para eleger-se vereador. Dos 65.426 votos, ele conseguiu apenas 1.198 na terra de Tortorello. Menos até que os 1.771 alcançados em Santo André. A quase totalidade dos votos de Marins, pastor evangélico, veio de fora do Grande ABC -- exatamente 61.173. Alheio a tudo o que ocorre na região, inclusive ao chamamento do Fórum da Cidadania, dizer que Marins é representante da região não passa, no fundo, no fundo, de exagero de marketing de representatividade. 

Cadê o PT em São Bernardo?

Vergonha mesmo passou São Bernardo, Município que detém 45% do PIB do Grande ABC. Um obscuro político que só conseguiu 14.279 votos do total de 27.806 no Município acabou eleito deputado estadual pelo exótico Prona. Ramiro Meves, que provavelmente só conhece o Fórum da Cidadania, o Consórcio Intermunicipal e a Câmara Regional de ouvir falar, surpreendeu a todos com um assento na Assembleia. Sua vitória deve ser creditada mais ao sistema de repartição de cadeiras, beneficiado que foi pelos efeitos do horário eleitoral gratuito nas emissoras de TV, que novamente transformou Enéas num exíguo estuário dos desiludidos, incapaz de instalá-lo na Presidência da República, mas suficiente para eleger alguns correligionários à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal. 

Edinho Montemor, presidente da Câmara Municipal, somou mais votos (28.125) que Ramiro Meves só em São Bernardo, de um total de 34.396, mas não conseguiu o coeficiente mínimo exigido pela legislação. O PSB lhe cortou as pernas para chegar à Câmara Federal. O candidato do prefeito Maurício Soares, Carlos Maciel, chegou próximo da votação de Meves para a Assembleia Legislativa (27.322), mas o coeficiente do PSDB é muito superior.

Os candidatos de história sindical de São Bernardo perderam a percepção de que apenas parcela e não todo o eleitorado do Município faz parte da esquerda. Tanto que dividiram demais os votos e ninguém se elegeu à Assembleia ou à Câmara. Wagner Lino perdeu a reeleição ao somar 27.941 votos. Teria festejado se Ana do Carmo (25.718 votos) e José Ferreira (10.218) não se interpusessem em seu caminho. Sem os dois, até mesmo Djalma Bom (21.634 votos) poderia sonhar com a reeleição. As divergências de um PT fortemente sindical entorpeceram o senso de pragmatismo partidário. 

Dá ex-prefeitos -- A operária e esquerdista Diadema, onde Lula bateu Fernando Henrique com quase o dobro da votação (96.111 votos contra 52.914) e onde Marta Suplicy liderou folgadamente a corrida para o governo do Estado (74.301 votos contra 33.930 de Paulo Maluf e 15.587 de Covas), pode dar-se ao luxo de eleger dois candidatos a deputado estadual do mesmo espectro ideológico. Os ex-prefeitos José de Filippi Júnior e José Augusto da Silva Ramos chegam à Assembleia Legislativa com respectivamente 52.216 votos e 36.462.

Arqui-inimigos, depois de perfilarem juntos no Partido dos Trabalhadores e de atuarem na mesma gestão, quando José Augusto era prefeito e Filippi secretário de Obras, os dois candidatos disputaram um duelo particular em Diadema, preparando-se para o próximo pleito municipal. Filippi ganhou de 34.218 a 31.240 votos. Vantagem escassa demais para considerar-se favorito à Prefeitura.

Os dois certamente têm muitos corpos à frente do prefeito Gilson Menezes, ex-petista que depois de passar pelo PMDB ingressou no PSB. A mulher de Gilson, Eliete Menezes, sinalizou a perda de prestígio do prefeito em menos de dois anos de novo mandato, ao contar com apenas 6.138 votos. 

O petista Donizete Braga, de Mauá, somou 28.739 votos e quase elevou a bancada do Grande ABC na Assembleia Legislativa, o que lhe garante a primeira suplência. A quase totalidade (23.191) foi digitalizada em seu domicílio eleitoral. Donizete também teve os votos divididos com o igualmente petista Wagner Rubinelli, com 23.841 votos em Mauá. De todos os candidatos de Mauá, o mais votado foi Hélcio Antonio da Silva, do PT. Ele contou com 33.297 votos no Município, totalizou 41.672 no Estado, mas não chegou ao coeficiente exigido para a Câmara Federal. O peessedebista Clóvis Volpi veio logo em seguida em Mauá, com 15.970 votos, mas a tentativa de deixar a Assembleia Legislativa por Brasília foi frustrada. Volpi foi o maior vencedor-perdedor da região, porque somou 58.542 votos no Estado e não se elegeu. O candidato de seu partido que ficou com a última vaga paulista -- Júlio Semeghini -- obteve 63.969 votos. Clóvis Volpi passa a ser candidato em potencial da centro-esquerda à Prefeitura de Mauá, mas a formação de uma frente partidária para enfrentar o situacionista PT é de engenharia complicada demais. 

Os derrotados

Os maiores derrotados mesmo foram quatro ex-prefeitos que até recentemente comandavam os paços de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires. Newton Brandão (PTB) encontrou nos 31.041 votos recebidos em Santo André, de um total de 36.537 em todo o Estado, o alerta de que a tentativa de chegar pela quarta vez à direção da Prefeitura poderá não passar exatamente -- de tentativa. O resultado foi desastroso porque pelo menos outros dois potenciais concorrentes ao cargo -- Duílio Pisaneschi e Luiz Carlos da Silva -- o superaram largamente. O desempenho de Brandão foi tão comprometedor que perdeu a corrida pelos votos à Assembleia Legislativa em Santo André para o presidente da Câmara Municipal, Vanderlei Siraque. 

Os números de Walter Demarchi (PTB) foram ainda mais cinzentos. Ele só conseguiu 11.416 votos em São Bernardo, de um total estadual de pífios 14.724. O tombo de Antonio DallAnese (PSDB) em São Caetano também foi retumbante: do total de 14.471 votos no Estado, ele só conseguiu 7.809 no Município em que há dois anos era prefeito. O tropeço de Valdírio Prisco (PMDB) em Ribeirão Pires não foi diferente. Somou apenas 8.417 votos em todo o Estado, dos quais 6.419 no Município. Seu único consolo é que foi o mais votado entre os candidatos à Assembleia Legislativa em Ribeirão Pires. 

Fórum da Cidadania

O Fórum da Cidadania não se envolve diretamente em eleições porque é uma composição suprapartidária, mas dois de seus ex-coordenadores gerais que decidiram experimentar as urnas acabaram sobrando, também como vítimas do cipoal de dezenas de candidaturas regionais. Marcos Gonçalves, reforçado pelo segmento dos portadores de deficiência, totalizou 25.322 votos, a maior parte fora da região. Ficou muito distante da vaga do PSDB para a Câmara Federal, mas praticamente quintuplicou a votação comparativamente à empreitada anterior, há oito anos. O estreante empresário Fausto Cestari, candidato a deputado estadual também pelo PSDB, teve econômicos 11.908 votos, dos quais pouco mais da metade em Santo André. Tanto Marcos Gonçalves como Fausto Cestari perderam feio na região para o bispo Vandeval Lima dos Santos, petebista da Capital, membro da Igreja Universal do Reino de Deus, com 9.110 votos em Santo André, 8.868 em São Bernardo, 7.283 em Diadema, 1.169 em Ribeirão Pires e 432 em Rio Grande da Serra, Municípios da região em que esteve entre os 10 mais votados, do total de 115. 668 no Estado. 

Apesar de revolucionar as relações institucionais do Grande ABC e de contar com mais de 100 entidades filiadas, o Fórum da Cidadania não é uma grife popular. A baixa densidade da maioria dessas organizações, cujos representantes que atuam no Fórum têm limitado poder de multiplicação junto às bases, e os obstáculos interpostos pela diversidade política de seus componentes não dão a imaginada sustentação a voos eleitorais. Só mesmo o entranhamento do Fórum junto à sociedade, com campanhas específicas, poderia dar empurrão mais consistente a candidaturas egressas de seus quadros. Mas isso significaria uma revolução dentro da revolução. 



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