Imprensa

30ANOS: Volkswagen desbrava
e inova no mundo da Internet

DANIEL LIMA - 11/09/2020

A reportagem que você vai ler logo abaixo foi publicada pela revista de papel LivreMercado em março de 2000. Começo de século. A Internet mal se arrumava no País. Estava distante do que se vê hoje, claro. Mas a jornalista Malu Marcoccia mostrou que o futuro já havia chegado na Volkswagen do Brasil, em São Bernardo. Um trio de especialistas em Tecnologia da Informação revolucionava o desempenho da multinacional.  

Esta é a centésima-trigésima edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, os 19 anos de LivreMercado e os também 19 anos de CapitalSocial.  

Como se chega

ao estado da arte 

 MALU MARCOCCIA - 05/03/2000 

Sobre problemas, não se reclama. Resolve-se! Ao adotar esse conceito como lema profissional, Carlos Roberto Boschetti, Sérgio Macedo e Mário Andrauss só não sabiam que uma experiência do Departamento de Tecnologia da Informação da Volkswagen do Brasil, estabelecido na planta Anchieta onde trabalham, causaria verdadeira revolução no já revolucionário mundo virtual da Internet. Desafiado a encontrar soluções para moldar a Volks brasileira à implacável globalização, esse trio de notáveis -- Boschetti de Santo André e Macedo e Andrauss de São Bernardo -- instalou a montadora no mais cobiçado degrau de business-to-business no mundo, interligando a fábrica a todos os fornecedores de produtos e serviços, além da rede de concessionários.   

Não é pouca coisa. Para se ter ideia de como a Tecnologia da Informação mudou a agenda de aquisições da montadora brasileira, que administra as operações da marca em toda a América do Sul, basta citar que um processo de compra caiu de 86 para apenas 15 dias, da requisição de material até a resposta de quem e quando vai fornecer.   

São 600 fornecedores de peças no Brasil e outros 250 na Argentina, além de 3,5 mil nomes cadastrados para compras gerais no Brasil e 1,5 mil na Argentina. Todos se conversam on-line 24 horas por dia. Sem falar que também a rede mundial Internet faz parte do circuito, o que permitiu que uma montanha de 100 toneladas/ano de papel fosse simplesmente dinamitada do caminho.   

Com o Net 2000, como é chamado o programa, os veículos Volks passaram a ser totalmente digitalizados, isto é, 100% produzidos de forma virtual em sofisticados projetos CAD-CAM de design e de engenharia computadorizados. Basta colocar na rede o projeto inteiro ou a parte do acessório que se quer comprar para disparar o processo de cotações de preços. Os fornecedores, que têm programas de computadores iguais aos da Volks, abrem instantaneamente o desenho na tela e o próprio software se encarrega de decodificar as especificações do pedido de compra, como medidas, cores, quantidade, custos, entre outras.   

O mesmo ocorre em relação à demanda de serviços. Da multinacional de autopeças Johnsons Controls à pequena Sika Jardinagem, de Santo André, todos compraram computadores para poder se cadastrar no Net 2000. A Volks, então, faz o seu leilão invertido, como define Carlos Boschetti: paga menos a quem fornecer a melhor qualidade e no menor espaço de tempo. "O mundo inteiro está buscando isso" -- resume o diretor, para citar o que chama de estado da arte ao qual chegou a Volkswagen do Brasil.   

Sem exagero   

Exagero? Tudo indica que não. O state of art, como se diz na linguagem dos altos negócios, se estabelece no mundo automotivo diante de três exigências: carro-plataforma, a partir do qual se faz uma família ou série de modelos; base de fornecedores e clientes globais, agora possível pelas maravilhas da informática; e qualidade mundial, medida a partir de apenas um carro com defeito entre 100 produzidos. Na Volks Brasil, segundo Carlos Boschetti, o índice está abaixo de um.  

Além disso, o business-to-business é só a ponta mais viçosa da melhor excelência da Tecnologia da Informação da qual a Volkswagen se diz agora dona exclusiva. Carro totalmente digitalizado, como desenvolveu o programa Net 2000, significa carro personalizado. Da concessionária ou via Internet o consumidor vai poder praticamente montar o modelo que lhe interessa, pois, os veículos estão sendo projetados com abertura para qualquer configuração.   

Pode-se escolher um superesportivo, mas com acabamento simples, por exemplo. Antes da Geração 3, o Gol permitia no máximo 250 composições. A nova família abre para 1,2 mil possibilidades. Golf e Audi, montados na moderna fábrica de São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, já estão no conceito totalmente aberto e são o grande teste-piloto no qual vai se espelhar o PQ24, nova família de veículos que será fabricada na planta Anchieta.   

As configurações abertas ao consumidor estão sendo possíveis justamente devido à virtualização do business-to-business. Além de agilidade no processo, a Volks ganhou em opções de preços ao jogar na rede suas compras virtuais. Antes recebia um candidato e meio por cotação. Hoje são seis candidatos, em média. "O sistema é mais seguro do que dar cartão de crédito para pagar a conta do restaurante" -- emenda Carlos Boschetti, ao garantir a confiabilidade da rede privativa da marca.   

O trio de ouro do Grande ABC que colocou de cabeça para baixo a Tecnologia da Informação da Volks -- Boschetti e Andrauss com formação em Administração de Empresas e Sérgio Macedo diplomado em Engenharia Civil -- elegeu o ambiente Microsoft como acesso global para acoplar o visualizador de desenhos desenvolvidos em CAD-CAM.   

O primeiro paredão contra eventuais invasores na rede Volks é o sistema de segurança Firewall, a partir do qual se acessa a página da montadora e toda a arquitetura em Web Server. O Web Server é o segundo paredão, como diz Boschetti, para se chegar propriamente aos ambientes de engenharia e de processamento do banco de dados para, só então, entrar na gestão da Volkswagen do Brasil. "Chegamos ao ponto de nós mesmos triarmos as guias da rede médica credenciada, fazer as glosas (obstar pagamentos) conforme nosso acompanhamento próprio dos pacientes e emitir a fatura. O Hospital Brasil em Santo André, por exemplo, só tem o trabalho de nos mandar os boletos de atendimento via on-line" -- explica Boschetti.   

Tudo por e-mail   

São especificidades como essas que colocam a Volks vários passos à frente na chamada nova era virtual. Há anos que a montadora aboliu o papel para correspondência interna. Todas as comunicações são via e-mail. A Logística Central passou a andar de braços dados com a Tecnologia da Informação desde outubro último, adicionando ao Net 2000 informações sobre embalagens e entrega e ajudando na definição do fornecedor.   

O pedido de compras inclui, além de informações sobre a peça, dados sobre frequência de fornecimento -- se just-in-time, kanban ou convencional. A rede de 800 concessionários, na ponta das vendas, tem a mesma densidade de permuta de informações em tempo real. Modelos em produção e já nos estoques, datas de entrega, faturamento e baixa nos pedidos, tudo está no sistema informatizado.   

Outro exemplo de vanguarda foi a solução, com um mês de antecedência, para o famigerado Bug do Milênio. A empresa não registrou qualquer pane nos sistemas e ainda produziu na virada do ano 30 unidades a mais do que as 190 planejadas.  

"O Brasil é um benchmarking na Volks em Tecnologia da Informação" -- assegura Carlos Boschetti, que acredita estar encerrando com chave de ouro a carreira de 20 anos na empresa, da qual se aposenta neste mês para tocar negócios pessoais.   

Aos 48 anos e com a qualidade de conhecimentos que acumula na área, Boschetti garante que não vai vestir o pijama. Como o Net 2000 não é sistema sujeito a patente, vai adaptá-lo para auxiliar empresas de saúde. Também pretende continuar a se especializar na área, pois acredita que a economia virtual é uma era sem volta. Já tem em mira um MBA (mestrado) virtual em Tecnologia, oferecido em universidades norte-americanas da Califórnia e Chicago, segundo pesquisou.   

Bem na mosca   

Foi justamente por ter fé cega no virtual business que o trio Boschetti-Macedo-Andrauss acertou a mão ao apostar na Internet, hoje o ícone mais badalado entre os meios de comunicação. Não era assim há apenas quatro anos, quando a equipe de Tecnologia da Informação foi mobilizada na esteira do projeto de erguimento da marca Volks no Brasil depois do problemático casamento com a Ford na Autolatina, encerrado em 1994 após sete anos entre tapas e beijos.   

Sem citar que a abertura comercial colocou concorrentes ferozes com moderníssimos veículos importados nos calcanhares da montadora líder no Brasil. "Naquela época, a Internet era desconhecida até mesmo para nós. Foi um desafio, porque tínhamos de inventar e inovar junto com as transformações, em pleno voo, da própria rede mundial de computadores" -- expõe Boschetti.   

Orçado em US$ 20 milhões e iniciado em 1997, o Net 2000 foi concluído ao final de 1999.  Foram dois anos revolucionários em todas as áreas da Volks, na avaliação do executivo que se aposenta: "Em 11 meses a marca ergueu a primeira fábrica de caminhões e ônibus no mundo, em Resende (RJ), nacionalizou o Golf e trouxe a linha Audi para o Brasil ao instalar nova planta no Paraná, transformou a unidade de motores em São Carlos (SP) em referência mundial ao produzir o melhor motor na categoria 1.0, além de incrementar a fábrica de Pacheco, na Argentina, com modelos e caixa de câmbio que vão para todo o mundo" -- cita.   

A mutação da planta Anchieta é outra demonstração de como a Volkswagen se debruçou em torno do fortalecimento estrutural para não ser destronada pela concorrência. O PQ24, segundo Boschetti, será mais uma revolução. Os tchecos vão conferir isso ainda este ano, quando sairão da fábrica da Skoda as primeiras unidades que vão substituir gradativamente os modelos da família Gol e Santana. Os brasileiros tiram a prova em 2001, quando a conclusão da plataforma do PQ24 coincidirá com o término da maior parte da reformulação física da fábrica de São Bernardo, a primeira da marca no Brasil, erguida em 1957 e correndo contra o tempo para acertar o passo com a modernidade. 



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