Os leitores não têm ideia do quanto sofro como consumidor indomável do jornalismo profissional impresso. Sei o que é o caminho da perdição, porque do caminho da perdição sempre procurei me afastar. O contraditório é sempre melhor, mesmo quando o outro lado não responde a questionamentos. O hoje contextualizado pelo ontem é profundamente mais esclarecedor. A linha do tempo dos acontecimentos sufoca a manipulação sutil ou descarada. Quando se descartam essas premissas, jogam-se no lixo a ética e a credibilidade.
Vejo no jornalismo impresso uma desgraceira que não tem fim. O rabo das redes sociais abana o cachorro da mídia tradicional, notadamente da mídia que nadava de braçadas até outro dia.
E não faltam atores coadjuvantes (coadjuvantes mesmo?) para completar o circo de horrores. Incluem-se nesse grupo institutos de pesquisa e colunistas retirados de diversas camadas da elite socioeconômica.
Diplomado e despreparado
Há verdadeiras revelações entre colunistas, da mesma forma que não faltam fanfarrões enfeitiçados por dísticos universitários. Vários deles esquecem uma máxima letal de Roberto Campos, um liberal admirável: o pior burro é o burro diplomado, porque o burro diplomado pensa que é preparado.
Exatamente porque não têm mais o comando livre, leve e solto do jogo e também porque foram desmamados por um presidente barulhento, estabanado, destrambelhado mas corajoso o suficiente para retirar o politicamente correto das cenas dos crimes contra a República, exatamente por isso a chamada Grande Mídia é o evocar de uma crise permanente. As narrativas de Sete de Setembro são a prova maior. Descalcificadoras, essas narrativas.
Masoquismo leitoral
Leio quatro jornais a cada dia (não contam as versões digitais) e mantenho sentimento contraditório a me atazanar: não consigo viver sem cada um desses jornais, mas também abomino essa convivência. Sou um leitor masoquista. Vivo um dilema diário e permanente. Me vejo a todo momento como curador de cada informação. Eu sei o que os jornais escreveram ontem e antes de ontem. E o que escrevem hoje muitas vezes não têm conexão lógica. Faz-se jogo de faz-de-conta de independência editorial, quando o que impera é mesmo a conveniência dos negócios paralelos. A linha divisória entre independência e conveniência é muito sutil. Canso de ver leitores idiotizados.
Fosse ignorante em matéria de jornalismo, não soubesse o que sei porque sei não como virtude profissional, por insistência ao longo da vida, fosse portanto crédulo por natureza ou safadeza, teria posicionamento seguro, embora ingenuamente subserviente, do que se passa em vários aspectos no País. Esse é o problema.
Nunca Antes, Tudo agora
Se pudesse ser minimamente didático para transmitir o que penso, usaria dois momentos distintos da vida nacional para resumir o que temos no cardápio midiático: ou uma parcela (majoritária) da mídia adota ou passa a mão numa grandiloquência de oratória do então presidente Lula da Silva, ou encaminha-se à estigmatização do presidente atual.
De Lula da Silva, utilizaria a expressão “Nunca antes neste País”. De Jair Bolsonaro, adotaria a régua e o compasso da massa crítica da Grande Mídia que não dá trégua ao presidente: “Tudo agora”.
Enquanto a Grande Mídia procura feito barata tonta uma terceira via eleitoral completamente fora do figurino do eleitorado nacional, o que assistimos, ou lemos diariamente, é um espetáculo degradante em que predomina nos meios de comunicação tradicionais uma visão rigorosamente negativa da atual presidência, mesmo que em muitas questões o quadro especificado venha de longa data. E isso é majoritário na realidade brasileira em todos os campos de atividades. Da Economia à Cultura. O Brasil é uma sequência interminável de fracassos.
À prova de crimes
Quem tem arquivo temático que reúne textos e artigos da Folha de S. Paulo, do Estadão e do Valor Econômico (e do Diário do Grande ABC) leva uma vantagem imensa sobre a grande maioria de leitores e mesmo de jornalistas: o passado condena essas publicações em muitas das questões do “Tudo agora”, tanto quanto no “Nunca Antes”.
Mas quem disse que os donos dos jornais querem saber do que publicaram no passado se o passado os coloca em indigência social, quando não como partícipes por omissão ou indução daquilo que a Operação Lava Jato entregou à sociedade como provas irrefutáveis?
O que falar então de colunistas rebocados de uma seletividade discricionária de currículos que, durante o “Nunca Antes” se portavam com docilidade entreguista ou com senso crítico contra instâncias da República (O Supremo Tribunal Federal era o preferido da tropa, mas os legislativos em geral não eram poupados também) e agora, na orquestração do Consórcio de Imprensa que vai muito além da numerologia do Coronavírus, tornaram-se contumazes negacionistas ou omissos irretratáveis do que escreveram?
Danos semelhantes
Não é de hoje nem se limitará ao hoje minha avaliação de que o jornalismo profissional é praticante de fake news em proporção semelhante ao que as redes sociais espalham irresponsavelmente.
O que diferencia as duas plataformas é que a mídia profissional é mais habilidosa e competente para lidar com meias-verdades ou mentiras inteiras. Há todo o aprendizado secular que coloca o jornalismo profissional distante do rudimentarismo das mídias sociais.
Mas também nesse ponto, há o evocar de contrapontos de profissionais do jornalismo estabelecidos em endereços digitais que emitem opinião em oposição à mídia tradicional.
Não é uma tarefa fácil, convenhamos. A luta é desigual mesmo se levando em conta que os jornais impressos desabaram em audiência convencional em forma de tiragem e têm nas redes sociais um escoadouro importante, claro, mas sem a tessitura do estado físico com que a informação foi preparada.
Físico e digital
Os grandes jornais perdem muito espaço quando se travestem de mídias digitais. O sentido de integralidade do produto dividido e conjugado em editorias que de alguma forma se comunicam se fragmenta dolorosamente. A fortaleza de um produto editado com arte desaba clamorosamente quando transportada ao estado digital.
É como se uma orquestra de famílias de instrumentos -- com cordas (violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, harpas), madeiras (flautas, flautins, oboés, corne-inglês, clarinetes, clarinete baixo, fagotes, contrafagotes), metais (trompetes, trombones, trompas, tubas), e instrumentos de percussão (tímpanos, triângulo, caixas, bombo, pratos, carrilhão, sinfônico, etc.) – fosse subdividida.
Os jornais, portanto, saem do estado físico para o estado digital carregando série de passivos estruturais, além de, claro, enfrentarem uma concorrência desmedida no estágio seguinte.
Já escrevi sobre a flexibilidade de atenção e acuidade dos leitores digitais. A informação qualificada no sentido de construção de ideias e pensamentos, com base ou não nos fatos e na realidade, ingressa num cipoal predominante de equalizes das redes sociais. A marca do produto físico perde valor.
Medindo forças
Tenho total consciência profissional sobre essa diferença, uma diferença que faz do produto físico mentiroso e manipulador produto digital igualmente mentiroso e manipulador e muitas vezes mais robusto em sustentação da realidade do que um produto com DNA integralmente digital, inquieto independente e preservador da realidade dos fatos.
O que muitos produtos físicos parciais, mentirosos e enganadores ainda não perceberam é que cada vez mais, dada a reincidência de delitos informativos, está se deslocando ao acostamento da confiança do leitorado. Ou alguém é capaz de garantir, qualquer que seja o posicionamento ideológico, que os grandes jornais do País contariam com o respaldo da sociedade em forma de vigor ético tanto no estado físico como digital?
Os institutos de pesquisas, que não são flores que se cheirem, fazem levantamentos sobre a credibilidade da Grande Mídia mas não os divulgam porque, assim como os resultados relativos ao Judiciário e ao Legislativo, os dados são escabrosos. De vez em quando, entretanto, aparece alguém que fura a fila de medidores (geralmente estrangeiros) e retiram os dados escabrosos dos armários de conveniências.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)