Imprensa

Mais malabarismo editorial da
Folha sobre urnas eletrônicas

DANIEL LIMA - 23/06/2022

A Folha de S. Paulo segue manipulando informações sobre a polêmica inesgotável de uso das urnas eletrônicas. Não se pode esperar sensatez quando a fonte matricial de informações é a rigidez dogmática.  

Se a Folha de S. Paulo não respeita o Datafolha, irmão siamês de manobras de baixa qualidade ética, o que esperar quando a informação emerge do mercado da notícia propriamente dita, ou seja, de uma reportagem? 

A Folha de S. Paulo é um dos mais densos mananciais de fake news da Velha Imprensa. Sobretudo quando o que está no jogo de credibilidade é o processo eleitoral. Trabalha-se intensamente para introduzir meias-verdades e mentiras inteiras como verdades absolutas.  

A Folha de S. Paulo é o melhor jornal do País. A Folha de S. Paulo é o pior jornal do País. Vou escrever um dia destes a respeito dessa só aparentemente incoerência. Há uma conexão perfeita entre esses dois mundos.  

LIMITE PARA TUDO  

A Folha de S. Paulo é o jornal mais bem planejado editorialmente do País. O Datafolha é um instrumento adicional dessa fortaleza editorial. Faz parte de uma rede que ganhou força e homogeneidade a partir da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro e se estruturou de vez durante a pandemia e as bobagens presidenciais.  

O problema da Folha de S. Paulo é que se imagina mais bem planejada do que de fato é. Entenda planejada como um mosaico em que as peças se encaixam. Quando a inteligência tem limites e as peças, umas e outras, não se encaixam, o que é virtude vira deficiência. 

EIS A REPORTAGEM  

A reportagem da página A9 da Folha de S. Paulo de ontem é fake news. Nenhum dos leigos integrantes do Supremo Tribunal Federal será capaz de entender uma de muitas razões da reportagem faltar com a verdade.  

Os togados não sabem distinguir verdade em estado puro de mentiras sofisticadas no mundo jornalístico. Eles pensam que sabem. Só sabem quando a mentira é escancaradamente mentira, típicas das redes sociais de amadores que usam o direito de liberdade de expressão. Quando a mentira tem higidez de verdade, caso da Velha Imprensa, onde passa um boi de ilusão passa uma boiada de exageros.  

Quando a mentira é rebuscadamente tratada como verdade, é preciso ser profissional do ofício de jornalismo para desmascaramentos.  

MUITOS LEIGOS  

Por essas e outras o STF deveria abdicar de tentar meter o bedelho na liberdade de expressão. E tampouco, como vem fazendo, convidar acadêmicos que também não são do ramo para trocar ideias e construir o edifício de enganação travestida de sabedoria universitária. Sobretudo quando se sabe que o viés universitário não retrata necessariamente o pensamento médio da população.  

Então vamos à Folha de S. Paulo de ontem. Veja o título da matéria e, na sequência, a linha auxiliar:  

 “Ministro tenta usar PF para desacreditar urnas” – Anderson Torres (Justiça) diz ao TSE que polícia vai fiscalizar processo eleitoral para garantir integridade do resultado.   

Agora, vou reproduzir os primeiros trechos da reportagem da Folha de S. Paulo:  

 O ministro da Justiça, Anderson Torres, voltou a utilizar a PF (Polícia Federal) para tentar desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e alinhar a corporação ao discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que as urnas eletrônicas não são seguras. Em ofício enviado na sexta-feira (17), Torres afirmou ao presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Edson Fachin, que a PF participará de todo o processo de fiscalização das urnas eletrônicas para assegurar a “integridade” das eleições de 2022. Segundo o ministro, a participação da corporação na fiscalização do sistema eletrônico de votação é importante para “resguardar” o Estado democrático de Direito. O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tornou atitude semelhante e disse ao TSE que os militares são “entidades fiscalizadoras do sistema eletrônico de votação” – escreveu a Folha de S. Paulo – escreveu a Folha.  

Agora passo a novos trechos da reportagem da Folha de S. Paulo:  

 Um ministro do TSE e interlocutores da Fachin disseram, reservadamente que Torres, ao afirmar que a PF vai participar de todas as etapas de fiscalização das urnas, parece tentar criar um novo conflito com a Justiça Eleitoral. A PF já atua, segundo eles, em todos os processos de auditoria do pleito. Em maio, por exemplo, peritos do órgão participaram da segunda etapa do Teste Público de Segurança do Sistema Eletrônico de Votação, que não identificou falhas que possam atrapalhar as eleições de 2022. Os técnicos da PF ainda participaram da análise do código-fonte – um conjunto de linhas de programação do software com as instruções para o funcionamento da urna.  

Espero que o leitor esteja acompanhando cada linha deste texto. Sem essa matriz de informação, todo o resto estará comprometido e o desmascaramento da Folha de S. Paulo parecerá perseguição. Mais alguns trechos da reportagem do jornal:  

 Uma resolução do TSE de 2021 permite que as entidades fiscalizadoras possam criar seus próprios sistemas e homologá-los n TSE até 90 dias antes das eleições. No documento enviado a Fachin, Torres (o ministro da Justiça) cita que os trabalhos de auditoria da PF poderão ser realizados com “desenvolvimento de programas próprios de verificação”. Pessoas ligadas à corporação disseram que, apesar do tom adotado pelo ministro da Justiça, a PF não foi demandada para criar um programa próprio neste ano. Tampouco há tempo hábil para desenvolver o sistema par as eleições de outubro. A estratégia do ministro de usar a PF como base de sustentação para as investidas do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral não é inédita. Na live de 29 de julho de 2021, quando Bolsonaro fez o maior ataque ao sistema eleitoral sem apresentar provas, Torres se valeu de relatórios de peritos da PF para “corroborar” ataques de Bolsonaro feitos contra as urnas – escreveu a Folha.  

Mais trechos da reportagem da Folha. Que o leitor tenha paciência, porque o ritmo pedagógico é indispensável à compreensão desse trabalho de ombudsman não-autorizado do jornal paulistano:  

 Antes da fala na live, Torres chegou a organizar uma reunião entre os peritos da PF, Bolsonaro e auxiliares no Palácio do Planalto na tentativa de convencê-los a embarcar na tese presidencial. Por causa da tentativa, o ministro foi investigado no inquérito aberto pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Nesse inquérito, a PF concluiu que os integrantes do governo que organizaram a live agiram de forma dolosa para disseminar desinformação. Isso porque, na contramão da fala de Torres, os peritos da PF não apontaram em relatórios sobre as urnas eletrônicas qualquer possibilidade de fraude ou adulteração no resultado – diz a reportagem.  

O PONTO-CHAVE  

Agora, finalmente, vamos ao ponto-chave minimizado o tempo todo pela reportagem e que, alçado à condição nuclear de entendimento da situação que se apresenta, alteraria completamente a abordagem jornalística, desta feita em favor da ética e do esclarecimento do caso. Leiam: 

 Eles sugeriram apenas que os votos das urnas eletrônicas fossem impressos como ferramenta adicional para tornar o processo ainda mais confiável, mas sem levantar suspeita. (...) O perito da PF Paulo César Hermann sugeriu que o teste de integridade das urnas fosse feito mediante a identificação de todos os eleitores peça biometria. O TSE disse que nem todos os eleitores têm a biometria coletada pela Justiça Eleitoral. “Nem por isso (o eleitor), pode ser impedido do direito ao voto”, justificou a corte. Na segunda (20), o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, também enviou ofício a Fachin em que diz que as Forças Armadas atuarão como “fiscalizadoras do sistema eletrônico de votação”. De acordo com Paulo Sérgio, essa ação ocorrerá “de forma conjunta, por intermédio de uma equipe de técnicos militares” – escreveu a Folha.  

DESMASCARAMENTOS   

Para quem não está contaminado por extremismos políticos e ideológicos, a reportagem da Folha fez um esforço sobrenatural para tentar esconder alguns aspectos indiscutíveis: 

a) As urnas eletrônicas despertam desconfiança muito além da geografia do Executivo Federal – ou seja, tanto da Polícia Federal quanto das Forças Armadas.  

b) A Policia Federal constatou buracos evidentes no processo das urnas eletrônicas a ponto de indicar o adicional de voto impresso ao voto eletrônico. Nada mais natural. Só não é àqueles que utilizam cartões de crédito e de débitos e optam por não conferir os valores dando uma espiadinha na papeleta que sai da maquininha ou mesmo exigindo cópia impressa.   

c) A Folha que já manipulou os dados do Datafolha outro dia (escrevi sobre o assunto), não faz qualquer menção ao fato de que 58% dos entrevistados pelo instituto não acreditam nada ou confiam apenas um pouco nas urnas eletrônicas. Ou seja: mesmo com a demonização de um direito sagrado de conferir na maquininha eletrônica o que a maquininha eletrônica registrou, a maioria dos eleitores do País desconfia dos votos eletrônicos solteiros, ou seja, sem o acompanhamento de um comprovante. As listas de votos das seções eleitorais não passam por qualquer critério de detalhamento do voto individual dos eleitores. São dados gerais locais de votação. Quem exclui a materialidade das urnas eletrônicas em forma de comprovantes num dos raros países que adotam a tecnologia digital no mundo age com cinismo na medida em que exige comprovante de gastos como consumidor. Cidadania mercantil acima da cidadania democrática só é normal na cabeça vazia de extremistas. O grau de confiabilidade técnica nas urnas eletrônicas, avocado por quem quer manter tudo como está desde 1996, não é resultado de testes de integridade que jamais obedeceram a um rito de severidade. Trata-se apenas e exclusivamente de uma expressão-âncora de quem acredita que a tecnologia velha de guerra das urnas eletrônicas do País está a salvo de aferição de especialistas. Quem é do ramo sabe que não é bem assim. Aliás, é bem diferente disso.  

Afinal, por que tanto medo de urnas eletrônicas combinadas com votos impressos?



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