Ouso dizer que nenhuma santa alma ou mesmo nenhuma alma pecadora conhece a região nos detalhes essenciais. Conhecer nos detalhes essenciais é conhecer além do que se imagina e é tangível. Conheço a região um bocado, mas desconheço a região muito mais que um bocado. Acho que dou conta ao decifrar o atacado, mas devo levar um nó quando o varejo entra em campo.
Certamente não faltarão afoitos que ao responderem à questão da manchetíssima de hoje vão se atribuir conhecimento pleno. Só porque conhecem pessoas na superficialidade de contatos. Os políticos conhecem muitas pessoas, porque a interação com os eleitores é essencial. Mas nem por isso conhecem o que deveriam conhecer.
A mulher do prefeito de Santo André não se elegeu deputada estadual com votos principalmente dos pobres e miseráveis que abundam na cidade porque conhece os pobres e miseráveis no sentido que sugiro esmiuçar. Dona Carolina Serra é a mãe dos pobres e miseráveis, mas como tantas outras mulheres, principalmente minhas Madres Terezas, só sabe o essencial de cada uma em termos de sobrevivência de relações fastfoodianas de socorro.
ANESTESIAMENTO SOCIAL
Diferentemente de tanta gente que se mete a escrever sobre política mas que não sabe distinguir o eleitorado de São Bernardo do eleitorado de Santo André, por exemplo, acho que sei mesmo uma porção de coisas que passam batidas por quem não presta atenção no principal, mesmo sem detalhes essenciais.
Dá muito trabalho entender o que se passa na região, mas o básico dos básicos, que é um voo panorâmico, não há como deixar de lado. Faço isso diariamente. É muito pouco às minhas ambições, mas não há como saber mais se mais não é oferecido.
É muito pouco tanto para mim quanto para os demais moradores. São quase três milhões de almas penadas em orfandade regional e penalizadas porque não se reconhecem em pontos que poderiam contribuir para dar um encaixe a iniciativas que acabariam com o anestesiamento social.
Ou alguém tem dúvidas de que somos mais que um Arquipélago Cinza? Além de divisionismos internos, de municipalistas destrutivos, também sofremos, ou principalmente sofremos, de analfabetismo georreferencial sociológico.
AUTODESTRUIÇÃO
Estou produzindo esse texto dominado por uma gripe que não é nem Covid nem Dengue, mas é uma gripe que me azucrina porque, em razão de questões medicamentosas que não pretendo detalhar, qualquer tratamento implicaria em complicações. Sou um portentoso exemplo de sujeição à alergia de famílias inteiras de remédios. Tomá-los é estabelecer contrato de autodestruição.
Outro dia tive acesso à lista dos medicamentos que me meteram veias adentro durante os 10 dias de internação hospitalar. Um enxame de impropriedades, apesar do aviso em forma de uma papeleta que carrego no bolso. Mas não havia alternativa.
Talvez seja por estar febril e insone que decidi escrever sobre o que chamaria de esfarelada identidade regional. Identidade no sentido de que nos locomovemos numa escuridão comportamental, sujeitos a abalroamentos, tropeços e tudo o mais.
Estamos condicionados à individualidade autodestruidora. Os sete pedaços em que nos dividimos agrava a busca de identidade. Territórios únicos como o da Capital, por exemplo, têm outras características e, portanto, menos desafiadoras. A heterogeneidade limita-se a um único endereço. Aqui são culturas diferentes sob a falsa sequencialidade territorial.
ESCURIDÃO HUMANA
Não temos elementos em forma de diretrizes que nos possibilitem entender os próximos anseios que vão além da individualidade. Somos uma escuridão como aglomerado humano. Não temos certeza de nada. Os faróis que disciplinariam ou ao menos alertariam nossos passos com efeitos coletivos estão desligados. O trânsito de ideias e iniciativas encontra barreiras insuperáveis. Somos uma casa da sogra relacional.
Talvez esteja sendo abstrato demais, por isso acho melhor buscar um exemplo.
Um exemplo, um exemplo? Eis que encontrei um exemplo: como decifrar a gênese do Completo de Gata Borralheira que nos assola e possibilite traçar um plano de reação?
Por que não temos capacidade de aglutinação para nos organizarmos nos próprios municípios em determinadas causas de repercussão nacional (caso de manifestações diversas) e com isso nos omitimos em ações públicas ou nos escafedemos rumo à Capital?
AMBIENTE POLÍTICO
Para quem como eu, único maluco desta região a escrever um livro sobre Complexo de Gata Borralheira, lançado em 2002, poderia soar redundante e, mais que isso, desnecessário, levantar questões sobre os cromossomos que nos abatem e nos desafiam. Está praticamente tudo ali, em diálogos entre os municípios, principalmente.
Mas não é essa a questão e tampouco tantas outras sobre as quais me dedico ao longo de décadas como estúpido regionalista que sou. O que me deixa pasmo de raiva é não contar com o auxilio de ninguém, de nenhuma instituição, para decifrar profundamente os sentimentos atuais da sociedade desorganizada e servil que abate qualquer resquício de cidadania.
Como pode uma coisa dessas? Como não sabemos o que somos hoje, especialmente como desencadeamentos de novas tecnologias de comunicação e de supostas interações sociais?
Tenho várias concepções sobre tudo isso, escrevo regulamente sobre isso, mas, confesso, não disponho de instrumentos empíricos para afirmar categoricamente, por exemplo, a que ponto o voto municipal nas próximas eleições será impactado pelo ambiente estadual e, principalmente, nacional.
Prevalece em algumas abordagens a ideia de que o municipalismo dominará. Também acho. Mas entre achar e ser a diferença é quilométrica. Mais que isso: mesmo que achar que o voto prevalecente nas disputas municipais será derivado do ambiente municipal, quem mensuraria com segurança essa convicção?
PERTENCIMENTO
Sem piscar e sem esnobismo, e também sem precipitação ou temor, não precisaria de mais de 30 minutos para elaborar uma lista preliminar de pelo menos 50 questões que caberiam perfeitamente a definição de uma grande pauta com potencial perscrutador do que realmente somos como morador da região.
Somente uma pesquisa profunda, levada a campo sem contaminação política e ideológica, embora tanto uma coisa quanto outra sejam relevantes, traçaria mapeamento esclarecedor do que nos permeiam.
É claro que uma das perguntas-chave que deveria constar da pesquisa é o interesse de mudar-se da região em consequência do encadeamento de vicissitudes sociais e econômicas.
Até que ponto, por exemplo, o Interior seduziria os moradores da região? As respostas estabeleceriam um grau de pertencimento que, institutos de pesquisa prescrutam periodicamente a pedido de administradores públicos preocupados com a satisfação dos moradores.
A diferença entre o pertencimento embutido numa pesquisa específica e o pertencimento visto sob aspectos mais amplos, de um conjunto de questionamentos com lógica integrativa, é que possivelmente se configuraria um conceito mais robusto de interpretação da realidade que cerca a população como um todo.
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20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?