Sociedade

Folha minimiza crise de
instituições debilitadas

DANIEL LIMA - 29/03/2024

A Folha do Datafolha dourou a pílula nesta semana ao interpretar os dados da pesquisa de seu braço estatístico que não passa de puxadinho político-ideológico. A Folha pintou um quadro quase que dourado das instituições nacionais, mas o que temos é um painel aterrador de um Brasil construído ao longo de décadas por um Estado perdulário, corrupto e incompetente.

Nossas principais organizações (presidência, congresso, judiciário, ministério público, imprensa, redes sociais, forças armadas, partidos políticos), todos, absolutamente todos da forma que exponho, não merecem maiúsculas iniciais.

Faltou a caolha interpretação da Folha de S. Paulo utilizar a memória da própria Folha de S. Paulo e buscar no passado do governo do presidente Jair Bolsonaro e da pandemia (em setembro de 2021) uma comparação de dados. Teria concluído que melhoramos na piora, mas as circunstâncias são outras e, portanto, as percepções também o são. Traduzindo: mesmo ao dizer que melhoramos na piora isso não significa que não estávamos ruins na fita no passado por causa apenas de especificidades.

OUTRA MANCHETE

Fosse a Folha de S. Paulo um jornal comprometido com a verdade dos fatos e sem rabo preso, como se intitulava no passado de uma pluralidade também falsa, a manchete da página interna que tratou da rodada da pesquisa do Datafolha seria outra.

Ao invés de “Congresso Nacional tem melhor avaliação desde 2023, aponta Datafolha”, teria se utilizado de algo mais ou menos assim: “Instituições melhoram pós-pandemia e Bolsonaro, mas seguem em frangalhos históricos”.

A Folha de S. Paulo de quinta-feira interpretou os dados pisoteando a lógica mais meridianamente sensata que um analista poderia expor, diante das alternativas que se oferecem aos entrevistados. Havia para cada questionamento quatro alternativas. Vejam:

a) Confia muito.

b) Confia um pouco.

c) Não confia.

d) Não sabem.

DESCONFIA MUITO

O princípio do princípio da avaliação de uma pesquisa como essa é evidente: só se aprova alguém ou alguma instituição quando se prefere a primeira alternativa. Quem “confia muito” aprova. As demais alternativas são um encadeamento de negatividades e de reprovação implícita.

A segunda alternativa “confia um pouco” tem o mesmo significado de “desconfia muito”. Pois o gênio que redigiu o texto da Folha (e não é a primeira vez que isso ocorre) entende que quem “confia pouco”, “confia muito”.

É preciso ser muito obtuso para chegar a uma conclusão que qualquer criancinha do Jardim de Infância saberia distinguir. Ou você acha que perguntado sobre o sentimento que nutre por um professor, um aluno do Jardim de Infância estaria aprovando ao dizer “confia pouco”?

Dito isso, vou aos dados do Datafolha desta semana como provas provadas de que as instituições estão mesmo em frangalhos. Veja o que chamaria de Nível de Credibilidade das Instituições, segundo, sempre, a correspondente pontuação percentual de “confia muito”:

1. Presidência da República - 22%.

2. Supremo Tribunal Federal - 21%.

3. Congresso Nacional - 10%.

4. Partidos políticos - 7%.

5. Judiciário - 24%.

6. Ministério Público - 23%.

7. Forças Armadas - 37%.

8. Imprensa - 20%.

9. Grandes Empresas Brasileiras - 25%.

10. Redes Sociais - 9%.

Não custa voltar ao passado que já mencionei acima, ou seja, a setembro de 2021, para detalhar os resultados e, em seguida, fazer breve avaliação.

DADOS DE 2021

1. Presidência da República – 16%.

2. Supremo Tribunal Federal – 15%

3. Congresso Nacional – 4%.

4. Partidos políticos – 3%.

5. Judiciário – 15%.

6. Ministério Público – 15%.

7. Forças Armadas – 37%.

8. Imprensa – 18%.

9. Grandes Empresas Brasileiras – 17%.

10. Redes Sociais – 6%.

Expostos os dados de uma ponta à outra, distanciados em 30 meses no tempo de dois governos, o primeiro no terceiro ano do primeiro mandato e o segundo no segundo ano de um terceiro mandato, o que se extrai da aprovação em forma de “confio muito”?  Em praticamente todas as instituições houve melhora dentro da debilidade histórica do quadro nacional. Vejam as diferenças em pontos percentuais entre a pesquisa do Datafolha de setembro de 2021 e março de 2024:

1. Presidência da República – seis pontos percentuais.

2. Supremo Tribunal Federal – seis pontos percentuais.

3. Congresso Nacional – seis pontos percentuais.

4. Partidos políticos – quatro pontos percentuais.

5. Judiciário – nove pontos percentuais.

6. Ministério Público – oito pontos percentuais.

7. Forças Armadas – Empate.

8. Imprensa – Dois pontos percentuais.

9. Grandes Empresas Brasileiras – oito pontos percentuais.

10. Redes Sociais – Quatro pontos percentuais.

FATOR PANDEMIA

Duvido que o leitor tenha de imediato capacidade de entender o que se passou caso parta do princípio talvez lógico de separar os dois períodos por conta de presidentes da República antípodas no enquadramento ideológico.

Não se sustentaria a ideia isolada ou central de que paramos de piorar porque Lula da Silva é o presidente atual. Outras instituições também deixaram de cair no poço sem fundo, embora respirem por aparelhos. Inclusive as redes sociais predominantemente bolsonaristas.

Creio cá comigo que o fator que mais pesou no humor menos desesperançoso dos brasileiros nos resultados desta semana da Folha do Datafolha em relação a setembro de 2021 é que não temos mais a pandemia do Coronavírus a botar um monte de interrogações no horizonte da sobrevivência biológica. E tampouco uma avalanche de críticas ao presidente da República de então, contrário à maioria favorável ao combate da pandemia com o uso de vacinas.

DESCONFIO REPROVADOR

Também fiz o escrutínio das duas pesquisas levando em consideração o quesito “confia um pouco”, que, como expliquei, quer dizer “desconfio muito”. Nesse ponto, em contraposição à melhoria do humor no cenário de “confia muito”, houve avanço negativo na percepção dos entrevistados em relação a várias instituições, mas também melhoria em relação a outras.  Veja:

1. Presidência da República – de 33% para 42%.

2. Supremo Tribunal Federal – de 44% para 37%.

3. Congresso Nacional – de 46% para 49%.

4. Partidos Políticos – de 35% para 43%.

5. Judiciário – de 51% para 44%.

6. Ministério Público – de 53% para 48%,

7. Forças Armadas – de 39% para 39%.

8. Imprensa – de 48% para 45%.

9. Grandes Empresas Brasileiras – de 51% para 51%.

10. Redes Sociais – de 40% para 41%.

Como sou insistente e não deixaria de observar também outra alternativa que o Datafolha ofereceu aos entrevistados, reproduzo a comparação entre os resultados de cada instituição em setembro de 2021 e em março deste ano sob o ponto de vista de “não confio”, ou seja, de reprovação tácita. Reparem bem nos dados:

1. Presidência da República – de 50% para 35%.

2. Supremo Tribunal Federal – de 38% para 39%.

3. Congresso Nacional – de 49% para 40%.

4. Partidos políticos – de 61%para 50%.

5. Judiciário – de 31% para 30%.

6. Ministério Público – de 30% para 28%.

7. Forças Armadas – de 22% para 23%.

8. Imprensa – de 32% para 23%.

9. Grandes Empresas Brasileiras – de 29% para 21%.

10. Redes Sociais – de 53% para 49%.

DADOS CONTRADITÓRIOS

Os leitores atentos vão observar que há dados contraditórios envolvendo aspectos ideológicos e políticos que dificilmente seriam destrinchados sem provocar grandes debates.

Um exemplo: a desconfiança total na presidência da República caiu 15 pontos percentuais entre os entrevistados separados por 30 meses de avaliações, o que indicaria sim desgaste do presidente anterior no combate à pandemia, mas, paralelamente, outros valores intrínsecos à direita, como a melhoria da imagem dos congressistas após as eleições de 2022, dão força de argumento a quem entende que a esquerda sofreu reveses nesse campo.

Confesso que não estou lá muito inspirado hoje para introduzir pitadas de pimenta nesse tempero indigesto por natureza. Ou alguém tem dúvida de que qualquer pauta que coloque à mesa a polarização nacional encontrará alguma coisa que se aproxime da serenidade analítica segundo a ótica dos divergentes?

CALCIFICAÇÃO

Creio também, para finalizar, que o ambiente nacional de calcificação do eleitorado à direita e à esquerda, conduz a resultados enviesados em pesquisas com a finalidade expressa pelo Datafolha.

A politização sem limites do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, retira do estrato de equilíbrio a ideia de Justiça propriamente dita, porque se introduzem elementos arbitrários e desconexos de partidarização e ideologização do eleitorado.

Uma instância que relaxou completamente o jogo da moralidade pública ao limpar a barra de delinquentes da Lava Jato não é digna de suposta estabilidade de imagem junto à população. Está dito, assinado e carimbado.

VOLTANDO AO PASSADO

Foi na edição de 21 de setembro de 2021 que analisei os dados então divulgados pela Folha de S. Paulo sobre o humor dos brasileiros na avaliação dessas instituições. Veja alguns trechos:

 

Só Forças Armadas (e olhe lá!)

têm a confiança da sociedade  

 DANIEL LIMA - 28/09/2021

 

Demorou para o Datafolha (ferramenta supostamente científica da Folha de S. Paulo explorada à exaustão pela Grande Mídia) dar uma medida relativamente exata do grau de confiança, ou seja, de credibilidade, de algumas das principais instituições do País. Os dados não são surpreendentes. De fato, ocupam um andar acima: são vexatórios. Você vai entender o que pretendo explicar.  A pesquisa do Datafolha mirou o tempo todo o presidente da República. Resultado? Nada que fosse impactante mas, vejam só, acertou (no sentido de alvo) em cheio os demais poderes que a Grande Mídia passou a descartar de uns tempos para cá como fontes de desconfiança. Mais que isso: chega à santificação dos demônios. Renan Calheiros que o diga.  O Brasil do problemático Jair Bolsonaro se descobriu (quanta surpresa, não é verdade?) um País igualmente ou até mais problemático em outros setores-chave da sociedade.  Os dados conclusivos da pesquisa envolvendo os poderes preservados pela Grande Mídia poderiam estar piores do que estão porque foram o tempo todo protegidos no amplo questionário. Mas o que é do homem da realidade dos fatos o bicho da esperteza estatística não come. Muito pelo contrário: entrega de bandeja para quem não é cego ideológico.  (...). É claro que a edição de sábado da Folha de S. Paulo fez acrobacias sadomasoquistas para dar a interpretação que mais lhe convinha. A linha editorial da Folha de S. Paulo é aquela coisa que todo mundo com equilíbrio e tolerância às sacolejadas de pontos e contrapontos sabe do que se trata.  Aliás, a própria Folha de S. Paulo, numa autocrítica saudável, embora omitida porque condenatória, já não se utiliza mais da muleta marquetológica de que é um jornal de pluralidades. Seria demais acreditar que os pouco mais de 70 mil leitores diários da versão impressa sejam um bando de capadócios. Como escrevi ainda outro dia, com a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto o que prevalece na Grande Mídia é o ‘Tudo Agora’, como se o Brasil houvesse sido descoberto recentemente. Antes, especialmente nos anos dourados de Lula da Silva, comprava-se com facilidade o ‘Nunca Antes”.  O que existe na ponta da agulha do Datafolha é que não há nada a contestar nos números da Presidência da República (os quais trato em seguida). Nas demais instituições, exceto Forças Armadas e redes sociais, subsiste o que chamaria de contenção programada da realidade.  Ou seja: os resultados para valer mesmo são piores do que os que se apresentam.  O contexto estrutural da macropesquisa ameniza o quadro.  Chego a essas conclusões com a singeleza de quem entende como funcionam pesquisas do Datafolha e de tantos outros institutos. No caso específico desses resultados, o que temos é o complemento de uma macropesquisa divulgada ao longo da semana passada pela Folha de S. Paulo (e a Grande Mídia) e que ouviu mais de três mil pessoas em todos os cantos do País – segundo o Datafolha.  Os questionários (e a ordem das perguntas) apresentados aos entrevistados (é aí que mora um dos pilares do vício de um trabalho supostamente científico) foram todos direcionados a confirmar a linha editorial da Folha de S. Paulo e da chamada Grande Mídia, também conhecida como Consórcio de Imprensa que deixou a clandestinidade editorial ao decidir dar as caras públicas sob o pretexto de oferecer balanço diário dos danos do Coronavírus. Retirou-se a máscara em nome de uma causa nobre: uma resposta à política errática do governo federal.    Confirmar a linha editorial significa, simplificadamente, enviesar tudo que se refira ao presidente da República. Enviesar significa que qualquer resquício de ponto positivo do governo federal sempre será desconsiderado ou minimizado. Guerra é guerra.  Isso quer dizer que a leitura do desempenho do presidente ganha tonalidade específica, por assim dizer. Quem trata as manifestações de Sete de Setembro como delitos cívicos, na forma de atos antidemocráticos, é capaz de tudo. Inclusive de escrever muitas verdades sobre os erros do presidente. E de negar ou omitir acertos, que existem. Por exemplo? O caso de invasões de domicílio do Supremo Tribunal Federal em várias questões, a começar pelo combate à pandemia que alguns caras de pau isentam os togados porque dão conotação extravagantemente hermenêutica, de fato farsesca, ao conceito de “concorrentes”.   Repararam no ranking acima que a Imprensa tem praticamente o mesmo nível de credibilidade do presidente da República? Noves fora a margem de erro, empatam.  



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