Sociedade

Clube dos Construtores ainda
sofre com fantasma de Bigucci

DANIEL LIMA - 16/11/2016

O Clube dos Construtores do Grande ABC, sob nova direção há 11 meses, ainda sofre os efeitos danosos do fantasma do ex-presidente Milton Bigucci. Um fantasma que insiste em reaparecer quando sente que a oportunidade é de ouro. O milionário que comanda o grupo MBigucci chefiou a associação durante mais de duas décadas, entregando-a ao sucessor em petição de miséria institucional e organizacional.

O presidente Marcus Santaguita é conciliador, diplomático, agregador, mas, provavelmente por conta disso, não se desvencilha dos danos colaterais de seguidas gestões do ex-presidente. Milton Bigucci ocupa outra presidência na entidade, do Conselho Deliberativo. Ali seria seu posto de observação e de intervenção, segundo avaliação de dirigentes insatisfeitos com a lentidão da marcha de mudanças indispensáveis, entre as quais o afastamento de Milton Bigucci de ações diretivas. 

A desconfiança é generalizada sobre a próxima parada eleitoral do Clube dos Construtores, em dezembro do ano que vem.  É interpretada como provável a candidatura de Milton Bigucci Júnior, um dos herdeiros de Milton Bigucci. Não há restrições à atuação institucional de Milton Bigucci Júnior. Diferentemente, portanto, do sentimento generalizado em relação ao pai. Entretanto, não faltam opositores à possibilidade de um novo Bigucci, mesmo que um Bigucci mais resolutivo, produtivo e de bom relacionamento com os companheiros de diretoria, voltar a comandar a entidade.

Dominando a cena

O presidente Marcus Santaguita afirma a aliados mais próximos que é normal a entidade passar por processo de readequação de imagem institucional e funcional sem se desvencilhar do ex-presidente. Acredita o dirigente que assumiu o cargo em janeiro que o tempo cuidará da oxigenação. Mas há posições em contrário.

No mais recente evento do Clube dos Construtores, o congresso Construindo o Futuro, na Fundação Santo André, Milton Bigucci ocupou a mesa principal e também o cerimonial para se manifestar como presidente do Conselho Deliberativo. Uma concessão sem paralelo em associações de classe e tampouco no próprio Clube dos Construtores.

Milton Bigucci sempre presidiu a entidade com punhos de ferro e deliberações que afastaram a quase totalidade de representantes da classe. A formação da mesa do evento alimentou ainda mais o desagrado da classe porque teria sinalizado que o ex-presidente seguiria influente no Clube dos Construtores. A transmissão do cargo em janeiro deste ano foi um evento sem traumas, como se Marcus Santaguita fosse ungido de Milton Bigucci.

A realidade era bem diferente: Bigucci sentiu que o ambiente institucional não lhe era nada agradável após tantos escândalos em que se meteu, por isso não criou obstáculos para se retirar. Negociaram-se bons modos. Os 25 anos de comando de uma entidade sem lastro regional foram minimizados em nome de uma nova trajetória do Clube dos Construtores. E é exatamente sobre isso que há contrapontos à gestão de Marcus Santaguita.

Dependência do Secovi

Marcus Santaguita descarta a ideia de que tenha se dobrado aos poderes de Milton Bigucci. Entretanto, há duras críticas de associados que querem ver o Clube dos Construtores de fato livre do fantasma bigucciano. Em menos de um ano a diretoria de Marcus Santaguita praticamente triplicou o número de associados, mas ainda faltam empreendedores de peso que resistem à aproximação por conta de informações sobre tentáculos do ex-presidente.

O avanço do quadro associativo não é nada mais lógico, em função da imagem que Marcus Santaguita desfruta como empresário ético. Mas a base de comparação também é levada em conta. Bigucci deixou o Clube dos Construtores praticamente no osso de representatividade. Não constavam da lista de associados nem três dezenas de empresas.

Os balanços da entidade, mantidos a sete chaves, não resistiriam a uma devassa que instalasse como foco o tamanho do interesse da classe em ter Bigucci como presidente.  Não faltam empresários do setor que fazem comparações sarcásticas dos mandatos de Milton Bigucci. Uma das quais é que qualquer clube de várzea tem mais associados do que os repassados ao sucessor Marcus Santaguita.Os cofres da entidade seguem esquálidos, mas com Bigucci estavam mais vazios ainda. Não fossem os repasses do Secovi, o Sindicato da Construção sediado na Capital, o Clube dos Construtores teria fechado as portas há muito tempo. Bigucci não se teria mantido no poder por tantos anos.

Pequenos chegando

Talvez o lance fatal contra eventual pretensão de Milton Bigucci seguir permeando os bastidores do Clube dos Construtores ou fazer do filho sucessor nas próximas eleições sejam duas medidas que pretenderiam dar maior densidade associativa à entidade.

A primeira já está a pleno vapor, com a chegada de imobiliárias de pequeno e médio porte. A segunda é mais ousada porque pode estabelecer mesmo um divisor de águas: Santaguita estaria preparando para janeiro do ano que vem a constituição da diretoria de pequenas construtoras.

Seria convidado ao comando um pequeno construtor de Santo André, combatente contra os abusos e discriminações do Poder Público ao segmento e também contra o pouco caso que Milton Bigucci sempre impôs ao segmento. Trata-se de Silvio Cura. O dirigente liderou a fundação de uma associação de pequenos construtores em Santo André e se aproximou de Santaguita antes das eleições no Clube dos Construtores. Juntamente com pequenos empreendedores filiou-se à organização sediada em São Bernardo.

Silvio Cura não é um pequeno construtor qualquer. Recentemente fez série de críticas à gestão de Milton Bigucci no Clube dos Construtores. Em entrevista a esta revista digital ele praticamente corroborou todas as análises que este jornalista fez ao longo dos anos de atuação de Milton Bigucci. A repercussão foi intensa entre os empreendedores da Província do Grande ABC.

Liderança mobilizadora

Silvio Cura foi elevado à condição de líder em potencial da classe dos pequenos construtores entre outras razões porque decidiu enfrentar um chefão malvisto por grande parte do setor.  A chegada de Silvio Cura ao Clube dos Construtores favorece a perspectiva de que o uso e a ocupação do solo na Província do Grande ABC serão democratizados. Apenas Santo André conta com legislação que permite a multiplicação de pequenos construtores que atendem a uma faixa específica de demanda formada por famílias de classe média baixa com a construção de prédios de até três pavimentos. Nos demais municípios as leis protegem os grandes negócios.

São Bernardo é um caso típico de obstrução ao empreendedorismo de pequeno porte. O prefeito Luiz Marinho acrescentou à legislação novas amarrações legais que estrangularam de vez o uso de terrenos de dimensões pequenas para moradias de menor porte.  A mudança foi aprovada durante a gestão de Milton Bigucci e, como sempre, sem a mobilização do setor. Uma especialidade de Silvio Cura junto aos pequenos de Santo André.

A MBigucci é uma das empresas favorecidas pela mudança do uso e da ocupação do solo porque atua em grandes empreendimentos. Luiz Marinho multiplicou o potencial de construção a ponto de industrializar perspectivas de lucros milionários. Muitos empresários do setor imobiliário mais próximos do Paço Municipal anteciparam aquisições com a perspectiva de elasticidade do potencial construtivo. 

Multiplicando lucros

Imaginem o quanto se ganha com um terreno limitado a quatro pavimentos mas que, do dia para a noite, pode reunir o dobro ou o triplo de unidades?  A MBigucci adquiriu um grande terreno no Bairro de Rudge Ramos, onde se instalara um feirão permanente de veículos e cuja vizinhança prevista como atrativo adicional é uma das estações do monotrilho, a obra de transporte mais importante da região nas últimas décadas cujo cronograma, entretanto, está muito aquém da previsão inicial.

São situações estranhas como essa que desgastaram a imagem de Milton Bigucci no Clube dos Construtores ao longo dos anos. O empreendimento Marco Zero é emblemático de favorecimentos: além de contaminado de irregularidades reconhecidas inclusive por especialistas e indiretamente pelo Judiciário da Capital, sobrecarregará o sistema viário porque as contrapartidas ficaram a léguas de distância do mínimo esperado. Também se atribui às relações de Milton Bigucci com o Poder Público a ausência de medidas minimizadoras do tráfego no entorno do empreendimento na esquina valiosa da Avenida Kennedy com a Senador Vergueiro.

O relacionamento do presidente Marcus Santaguita com dirigentes e associados do Clube dos Construtores tem-se intensificado nos últimos dias por conta do pedido de demissão do diretor de Comunicação da entidade, Fernando César Plazezwski, da TV Imóveis. Sem revelar os motivos do afastamento, Fernando César deixou nas entrelinhas uma mensagem que daria conta de que a velocidade de mudanças não está compatível com a demanda da classe.

Trocando em miúdos: a classe dos construtores da região não estaria satisfeita com o andar da carruagem do novo presidente. Sabe-se também que Fernando César Plazezwski ficou descontente por ver fracassar a programação de uma feira de imóveis à qual foi convidado a comandar e que, em seguida, descartada pela direção do Clube dos Construtores.

A preocupação de Marcus Santaguita é manter acesa a chama de mudanças no Clube dos Construtores. Ele evita críticas ao ex-presidente Milton Bigucci e agradece a atuação do filho, Milton Bigucci Júnior que, segundo avaliação pessoal, está entre os principais colaboradores da entidade. A avaliação do dirigente, entretanto, não seduz a maioria dos dirigentes e associados.

Bigucci só atrapalha

À parte qualquer ponderação sobre a atuação de Milton Bigucci Júnior é praticamente consenso que a entidade estaria a salvo de restrições dos empreendedores caso nenhum membro da família do ex-presidente ocupasse cargos. A presença de Milton Bigucci como presidente do Conselho Deliberativo seria um obstáculo considerado intransponível à transformação de fato do Clube dos Construtores em algo completamente desvinculado da família que comanda o conglomerado MBigucci.

A velocidade de crescimento de novos associados foi reduzida nos últimos meses a reboque de uma nova gestão que, para a maioria, não se diferencia da essência da longeva administração anterior. O que seria uma gestão de ruptura é vista como de continuidade previamente desenhada pelos Biguccis. Para muitos, o site da entidade, que se mantém intocável como nos tempos de Milton Bigucci, é o exemplo mais escancarado de que a entidade pouco mudou em 11 meses.

E no que mudou teria sido pouco satisfatório: as mentiras estatísticas patrocinadas por Milton Bigucci para engabelar o distinto público sobre o mercado imobiliário na região, amplamente desmascaradas por este jornalista, cederam lugar ao vazio informativo, com a praticamente desativação do sistema de apuração. Há, entretanto, quem entenda que é melhor deixar de anunciar dados estatísticos fajutos do que publicá-los.

Certo mesmo é que a conjuntura econômica, sobretudo do setor imobiliário, dificulta o fortalecimento financeiro do Clube dos Construtores. A possibilidade de contar com uma empresa especializada na produção de dados sobre a temperatura do setor depende de dinheiro que o Clube dos Construtores não tem. E não tem em grande parte porque os 25 anos de mandachuvismos de Milton Bigucci deixaram uma herança de destruição de bases informativas e organizacionais chocantes para uma associação representativa de setor tão poderoso.



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