Já que autoridades locais e estaduais não tomam providência para escarafunchar a vida torta dos mercadores imobiliários da Província do Grande, geografia em que deitam e rolam preocupação com eventuais contratempos, não custa nada solicitar a intervenção de policiais federais, procuradores federais e juízes federais -- uma espécie de Operação Andaime. Afinal, existe uma organização criminosa disfarçada de empreendedorismo imobiliário que faz desta região campo de enriquecimento contínuo, impune e assombradamente ameaçador.
As evidências são tantas e as provas abundantes que basta querer passar a limpo a podridão aqui instalada, ramificada e tonitruante entre os poderosos. O Corregedor-Geral do Ministério Público em São Paulo, ao qual tenho me dirigido com envio de matérias produzidas nesta revista digital, também receberá cópias deste artigo. Quem sabe ele decida, finalmente, me chamar para uma audiência, porque os mecanismos protetivos locais e regionais dos mercadores imobiliários o impedem de conhecer a fundo o quadro de degeneração regional na área econômica com ramificações político-administrativas.
Alerta ao Corregedor-Geral
A atuação de alguns setores do Ministério Público na região não segue padrões da instituição ou existe algum elo rompido que precisa ser restaurado. Sei que esse alerta ao Corregedor-Geral não é nada agradável, mas não se vive apenas de boas notícias.
Demorei um bocado para tomar coragem de escrever o que estou a escrever mas, inspirado pelas novas prisões no âmbito da Operação Lava Jato, de gente graduadíssima da vida carioca, eis que me decidi.
Sei que poderia sofrer mais retaliações, mais ataques e ameaças, mas já que comecei uma obra lá atrás e estou pagando caro por isso, porque se fecham os olhos à realidade dos fatos, não existe saída: forças federais neles, forças federais neles. E sem perda de tempo porque se já deitaram, já se rolaram e já se lambuzaram no passado e no presente, não mudariam de ideias quanto ao futuro próximo. Eles, os mercadores imobiliários, vão operar delinquentemente da mesma maneira.
Não tenho dúvidas de que uma organização criminosa formada por mercadores imobiliários e seus tentáculos nos poderes públicos atua há muito tempo na região. Eles estão livres, leves e soltos, como estão na Capital do Estado que, igualmente, se perde nas investigações da Máfia do ISS descoberta pelo Ministério Público Estadual e Controladoria-Geral da Prefeitura de São Paulo.
É verdade que se trata de uma organização criminosa com dissidências, com ciuminhos, com certa disposição a trapaceamentos mútuos, mas é um ramal da tipologia que se acha acima de todas as instituições.
Como indústria farmacêutica
Não são muito diferentes, por exemplo, da indústria farmacêutica mundial denunciada pelo médico dinamarquês Peter Gotzer, que, ontem, concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo. Eis alguns trechos que poderiam ser transplantados ao mundo dos mercadores imobiliários sem causar nenhum tipo de agressão à realidade dos fatos:
O médico (...) não é um homem de meias-palavras. Ele compara a indústria farmacêutica ao crime organizado e a considera uma ameaça à prática da medicina segura. “Isso é fato, não é acusação. Ela (a indústria) sabe que determinada ação é errada, criminosa, mas continua fazendo de novo e de novo. É o que a máfia faz. Esses crimes envolvem práticas como forjar evidências e fraudes”, diz. Professor da Universidade de Copenhague e um dos que ajudaram a fundar a Cochrane (rede de cientistas que investigam a efetividade de tratamentos), ele acaba de lançar o livro “Medicamentos mortais e Crime Organizado—Como a Indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica”. (...) Gotzer reconhece os êxitos da indústria no desenvolvimento de drogas para tratar infecções, alguns tipos de câncer, doenças cardíacas, diabetes, mas expõe no livro dados que demonstram falhas na regulação de medicamentos e os riscos que muitos deles causam à saúde”. – escreveu a Folha de S. Paulo.
Enredo semelhante
Os mercadores imobiliários (que não podem ser confundidos com mercado imobiliário, no sentido de participação de gente honesta e responsável socialmente) formam um enredo análogo ao da indústria farmacêutica. Eles destroem a qualidade de vida urbana sobretudo em regiões metropolitanas. São esses espaços a oferecer os maiores ganhos em negócios escusos e em botar na conta dos contribuintes os estragos ao meio ambiente e aos meios de transporte.
Quando os federais estacionarem suas forças na Província do Grande ABC (e somente eles parecem em condições de fazê-lo, porque as forças estaduais insistem em desconsiderar mais que evidências, as provas dos crimes, tratando os casos já divulgados com imensa tolerância, quando não desdenhando-os a ponto de investigações serem substituídas por medidas burocráticas sem profundidade alguma) vão dar de cara com um apanhado de vagabundos sociais travestidos de empresários.
Eles, os mercadores imobiliários, são membros de uma organização criminosa que não se intimida com nada porque têm a convicção de que há uma blindagem que os torna intocáveis. Por isso podem, também, deitar e rolar contra eventuais adversários que ousam lhes opor resistência.
Delações múltiplas
Garanto aos federais que não faltarão delações não necessariamente premiadas porque muitas fontes disponíveis na região são representações individuais que não atuaram jamais diretamente em colaboração com os mercadores imobiliários. Outras, entretanto, se meteram em encrencas e quando forem apertadas, confessam o que sabem e encaminham para confissões outras de quem sabe mais.
Quando sugeri no ano passado que se criasse nas prefeituras da região o que chamei de reportagem premiada, que consistiria em destinar ao veiculo de comunicação denunciador de maracutaias uma pequena parcela do dinheiro recuperado das prefeituras, não o fiz porque seria romântico. Há tanta matéria prima ou lamaçal à disposição que seria impossível não contar com um reforço precioso.
Enquanto isso não sensibiliza os gestores públicos municipais (muito pelo contrário, eles fogem do assunto) a tarefa de esmiuçar os meandros dos podres pobres públicos e das organizações criminosas do setor privado segue em frente. Mas tudo tem um limite. Daí esse desabafo: federais neles.
Repito o que escrevi acima: mais uma vez endereçarei uma denúncia ao Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado de São Paulo. Espero que desta vez ele tenha disposição para ouvir um jornalista que está marcado para pagar o pato por ter a petulância de se colocar permanentemente contrário aos mercadores imobiliários que reinam na praça.
Quem acha que a missão de desbaratamento dessa organização criminosa é intricada está enganado. Há uma sintonia fina entre os delinquentes imobiliários. Basta puxar um cordão aqui -- e esse cordão já existe e está materialmente condenado, que o resto vem a reboque. Fácil, fácil. Mas isso não é tarefa para um jornalista desprotegido. É missão para os federais, à falta dos estaduais.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!