O fenômeno comportamental é flagrante. Em ruas, praças, parques, a qualquer hora do dia ou da noite, é cada vez mais numeroso o exército de corredores amadores no cenário urbano do Grande ABC. Mas antes que os sedentários preconceituosos afirmem que corrida é coisa de desocupado ou de quem quer aparecer, blasfêmia carregada de recalque que persiste apesar do crescimento exponencial da modalidade, é bom prestar atenção nas constatações que a medicina e o bom senso baseado em experiências de vida têm a oferecer.
A corrida não pára de ganhar adeptos porque é santo remédio para os males da alma e do espírito, uma terapia maravilhosamente eficaz para a melhoria da capacidade de relacionamento interpessoal, de superação de desafios, de autodisciplina e autoconhecimento, entre outras potencialidades psíquicas essenciais para a conquista daquele estado intransferível de bem estar que a civilização convencionou chamar de felicidade.
Se não bastassem os benefícios psicológicos provocados pelo fortalecimento da auto-estima, a corrida joga a favor da longevidade. É uma das armas mais eficientes contra os dois grandes males modernos — o sedentarismo e o excesso de peso corporal — e engendra efeitos tão benéficos como o incremento da imunidade orgânica. Isso significa que o corredor habitual é mais resistente a ataques de vírus e bactérias porque suas funções de defesa reagem com mais rapidez e eficiência.
Números múltiplos
Diante de tantas evidências, fica mais fácil compreender os números estratosféricos de participantes nas maiores e mais conhecidas provas de rua do País. A 12ª edição da maratona de revezamento patrocinada pelo Grupo Pão de Açúcar reuniu mais de 30 mil corredores nas ruas da USP (Universidade de São Paulo) em 26 de setembro último, o dobro do contingente mobilizado pela tradicionalíssima Corrida de São Silvestre.
Timoneiro do Grupo Pão de Açúcar, Abílio Diniz é um dos maiores defensores das atividades físicas em geral e da corrida em particular.
Na autobiografia Caminhos e Escolhas — o equilíbrio para uma vida mais feliz, lançada pela editora Campus, o empresário do maior grupo varejista do País descreve as sensações ao completar a Maratona de Nova Yorque, em 1994. “Na entrada do Central Park eu já não era capaz de sentir o chão sob meus pés. As pernas se moviam quase por conta própria e me conduziam à linha de chegada da primeira maratona que disputei (...). Antes da metade do percurso, quando o cansaço parecia insuportável, a idéia de disputar aquela corrida me parecia insana. Mais de uma vez me flagrei pensando: meu Deus, o que estou fazendo aqui? Mesmo assim fui em frente. A maratona prosseguiu pelo Brooklin, pelo Queens e pelo Bronx. Quando entrei na ilha de Manhatan, o cansaço já não parecia tão intenso. Aos poucos fui sendo tomado por uma alegria imensa. Daí à euforia, foi um passo. O instante em que cruzei a linha de chegada foi, sem dúvida, um dos momentos mais emocionantes da minha vida” — relata.
A euforia narrada por Abílio Diniz é explicada pela medicina: a corrida desencadeia a liberação do hormônio endorfina, que funciona como verdadeiro bálsamo para as tensões e atribulações do dia-a-dia, um relaxante natural comparável ao que melhor se produz na farmacologia moderna.
Qualquer corridinha
A boa notícia para a maioria que não tem a disposição de Abílio Diniz é que não é necessário percorrer os 42.195 metros de uma maratona para colher os benefícios fisiológicos da atividade. Trinta ou quarenta minutos de trote em velocidade moderada já são suficientes para ativar o processo que os praticantes costumam descrever como verdadeiro vício — quem começa não consegue parar. “Produzida pela glândula pineal, situada na base do cérebro, a endorfina tem composição química e efeitos semelhantes ao da morfina, só que sem complicações colaterais” — explica o médico especializado em medicina esportiva Rui de Oliveira, diretor da Clínica Modelo, de São Bernardo.
Com experiência de quem há 20 anos se dedica à medicina do esporte, inclusive como médico do Esporte Clube Santo André, Rui de Oliveira utiliza o conhecimento técnico com criatividade para transmitir o papel da atividade física sobre o funcionamento do organismo. “É como se a corrida ativasse a fábrica de medicamentos que temos dentro de nós” — ilustra.
Remédios naturais
A fábrica de remédios naturais que todo ser humano carrega dentro de si é tão poderosa que a corrida é descrita pelo especialista como coadjuvante poderoso no tratamento de depressão e em processos de libertação de vícios como cigarro e bebida. “Tenho muitos pacientes que se livraram da depressão desde que começaram a correr” — afirma o médico. Ele conta a história de uma senhora que, de tão entusiasmada, não se cansa de dizer que passou a ter o maior tesão pela vida (a palavra, intraduzível, é essa mesmo).
Rui de Oliveira explica que a endorfina cumpre função essencial de proteger o organismo contra dores de agressões iminentes. “É a substância que faz com que as pancadas levadas durante uma briga não doam imediatamente, mas somente depois da passagem do momento crítico” — explica.
Quando o corpo é retirado da acomodação habitual e colocado para correr a produção de endorfina também é ativada porque o cérebro reage ao que entende como situação organicamente estressante. A sensação de bem estar, leveza e tranquilidade contagia o praticante por pelo menos 24 horas depois do exercício.
Excesso faz mal
O fato de a endorfina não apresentar efeitos colaterais ao organismo não significa que o excesso de corrida não pode fazer mal. Se até comida, sono e trabalho em exagero são prejudiciais, com a corrida não haveria de ser diferente. Os principais riscos para quem avança o sinal são lesões provocadas por overtraining (excesso de treinamento) e, num estágio mais avançado, comprometimento de compromissos sociais. “Recebo pacientes com as chamadas lesões ósseas por estresse, provocadas por atividade física exagerada. O perfil do lesionado é o sujeito sedentário que se inebria com o bem estar do exercício e exagera no estágio de iniciação” — explica Rui de Oliveira.
Já o comprometimento da vida social é ilustrada pelo especialista com um caso inacreditavelmente real. “Um alto executivo interrompeu uma reunião de trabalho e saiu correndo, tamanha era a dependência da endorfina” — comenta.
Exageros à parte, o fato é que a corrida descortina avenida de motivação, contentamento e entusiasmo para sedentários algemados à rotina casa-trabalho-casa. Antes de começar, porém, Rui de Oliveira recomenda três exames: eletrocardiograma em esforço, ecocardiograma e curva glicêmica. O eletrocardiograma afere os impulsos elétricos emitidos pelo músculo cardíaco, o ecocardiograma investiga o funcionamento do coração por meio de ultra-som e o exame de curva glicêmica serve para aferir a normalidade do consumo de glicose pelo organismo. “A curva glicêmica permite prescrever com mais precisão a ingestão de carboidratos durante a corrida” — explica Rui de Oliveira.
Excesso de peso
A quem está muito acima do peso, o médico sugere exercícios mais leves, como caminhar e pedalar, além de respaldo nutricional, exercícios de alongamento e fortalecimento muscular antes das primeiras passadas. O alvo desse ritual de iniciação seguido à risca na Clínica Modelo é evitar lesões de ossos e músculos que podem acometer quem resolve sair correndo sem a menor condição física.
A liberação de endorfina não é prerrogativa exclusiva da corrida. Qualquer atividade física que coloque os músculos em ação e acelere batimentos cardíacos e o ritmo respiratório é capaz de ativar a milagrosa fábrica de dentro de cada um.
O que transforma a corrida em alternativa especial são os ganhos psicossociais proporcionados pela atividade que aglutina milhares de participantes em provas de rua e cristaliza grupos de amigos em empresas e academias. É pelo fato de interferir positivamente tanto no corpo quanto na mente, por intermédio da convivência saudável, que a corrida merece a descrição de terapia completa. “Corrida de rua é muito mais do que esporte, é comportamento. A maioria esmagadora dos participantes não pensa em ganhar, mas em vencer os próprios desafios e fazer parte do espetáculo de confraternização” — observa Alfredo Donadio, diretor de Comunicações da Corpore (Corredores Paulistas Reunidos), o maior clube do gênero na América Latina, sediado na Capital paulista. “Em que outro ambiente o faxineiro e o presidente de uma empresa se relacionam de igual para igual?” — pergunta o executivo, reforçando o caráter multissocial.
Sempre crescente
A Corpore é testemunha do crescimento da corrida nos últimos anos. A associação começou organizando provas modestas em 1991 e deve fechar 2004 com mais de 80 mil participantes cumulativos em 19 eventos ao longo do ano. O volume é um terço maior que os 55,6 mil inscritos de 2003, que já representavam o dobro do ano 2000.
Dos 81,5 mil corredores cadastrados pela entidade, que participam frequentemente, 3,5 mil são das sete cidades do Grande ABC. Dos 6,5 mil associados, que contribuem com R$ 50,00 anuais para ter acesso a informações especializadas via internet, usufruir de descontos em estabelecimentos comerciais e obter abatimento nas inscrições, 400 estão no Grande ABC.
A maior parte dos eventos da Corpore é realizada na Capital paulista, mas o Grande ABC também assistiu à multiplicação de corridas nos últimos tempos. Além de eventos tradicionais como a Corrida de Reis de São Caetano e as 10 Milhas do Rotary de Ribeirão Pires, surgiram a Meia Maratona de São Bernardo, lançada em 2003, a Meia Maratona Shopping ABC, em 2002, e a Corrida do Clube Atlético Aramaçan, cuja primeira edição foi realizada em agosto em comemoração aos 73 anos de um dos maiores e mais tradicionais clubes socioesportivos da região.
O crescimento da quantidade de provas de rua é apenas um dos parâmetros para analisar o fenômeno da corrida porque é simplesmente incalculável o contingente que sua a camisa em parques, praças, ruas, academias e não participa dos eventos. Basta passar no Parque Celso Daniel, em Santo André, ou no Parque Cidade São Bernardo, na Avenida Kennedy, para sentir a evolução não captada por estatísticas.
Apoio técnico
Além de promover benefícios fisiológicos e psicossociais, a corrida cresce porque é uma modalidade relativamente acessível e flexível. Diferentemente de esportes como tênis e natação, não requer espaços e equipamentos específicos, a não ser um bom par de tênis com sistema de amortecimento de impacto, que pode ser comprado em suaves prestações em qualquer loja do ramo. Contrariamente a modalidades como futebol e vôlei, que requerem harmonização da agenda de vários participantes, a corrida pode ser exercida individualmente durante brechas de tempo entre um compromisso e outro. É só lembrar de levar o par de tênis e o calção no carro.
A autonomia contribui para a popularização, mas quem deseja se aprimorar no esporte deve recorrer a profissionais habilitados. Um dos maiores especialistas no Grande ABC é o personal trainer Agnaldo Sampaio, que dá aulas exclusivas e atende grupos de alunos na Academia Tem Esportes, de São Bernardo. Agnaldo se diferencia por priorizar o aperfeiçoamento do que chama de gestos técnicos da corrida. O método Run Tech (corrida técnica) sintetiza a experiência prática de maratonista e o repertório teórico como professor de educação física e expert no assunto. “Quanto mais próxima da perfeição for a biomecânica do movimento, mais eficiente é a conversão de energia em velocidade” — considera.
Homem e veículo
A melhor maneira de entender a importância da biomecânica para o desempenho de um corredor é traçar analogia com o automóvel. Imagine um carro com motor potente, porém com os pneus murchos, o freio de mão um pouco puxado e o sistema de suspensão irregular. Assim é um atleta bem condicionado, mas que se acostumou a correr com postura desfavorável.
Por mais que o sistema cardiorespiratório — coração e pulmões — e a musculatura estejam em boas condições, a falta de conhecimento e domínio da técnica limita os resultados e aumenta o desgaste da mesma forma que um carro desregulado roda menos e consome mais combustível. “O cansaço adicional provocado pela biomecânica inadequada pode ser mensurado objetivamente através da frequência cardíaca. Depois que os alunos aprendem a correr corretamente, o ritmo dos batimentos durante a atividade diminui, o que possibilita aumentar a velocidade” — explica Agnaldo Sampaio.
Ainda mais importante do que melhorar a performance, correr corretamente é essencial para evitar lesões. Se a forma de sentar diante do computador e de segurar o mouse é determinante para a saúde ocupacional, conforme reza a ciência ergonômica, imagine a importância do posicionamento da cabeça e dos membros superiores e inferiores para quem está em pleno movimento. “Com exercícios educativos aliados a séries de musculação é possível corrigir até pisadas do tipo pronador e supinador” — explica Agnaldo, citando os termos técnicos que designam quem pisa para dentro e para fora.
Consciência corporal
O caminho para a perfeição biomecânica pode ser tão rápido quanto uma prova de 100 metros rasos ou tão árduo como uma maratona. Depende muito da consciência corporal de cada um e de quão arraigados estão os vícios posturais. “Alunas que já foram bailarinas assimilam os gestos técnicos com notável facilidade. Por outro lado, às vezes é mais difícil ensinar quem já corre do que o aluno iniciante” — considera.
Independentemente do histórico pessoal, é possível melhorar desde que se tenha disposição para aprender. O processo de mudança é feito de exercícios educativos voltados à alteração de estímulos neuromotores (do cérebro para os músculos) e principalmente de observações certeiras que apenas um profissional que corre há mais de 20 anos seria capaz de fazer. Na corrida, no trabalho ou em qualquer seara da vida, o olhar do especialista jamais pode ser relevado sob pena de se persistir inadvertidamente e indefinidamente no erro.
A intervenção do preparador é individualizada, mas algumas orientações genéricas são úteis: o ideal é correr de forma ereta, e não com o tronco caído para frente, como é comum. Os braços devem ser mantidos junto ao corpo com os cotovelos dobrados em ângulo de 90 graus. “Conforme os braços oscilam levemente para frente e para trás no ritmo das passadas, o corredor deve sentir como se os antebraços fossem uma serra que estivesse continuamente cortando algo” — explica Agnaldo Sampaio.
Corpo à vontade
Paradoxalmente aos olhos dos leigos, durante a corrida o praticante não deve sentir que está fazendo muita força. “É preciso deixar o corpo solto e relaxado. O ideal é sentir que não há nenhum músculo contraído. Nem das pernas. Depois de um certo tempo correr se torna tão natural que parece um movimento involuntário” — ensina o preparador. “Um dos erros mais comuns é sobrecarregar os ombros ao transferir força para os braços” — comenta.
A pisada merece atenção especial. É essencial que o primeiro contato dos pés com o solo se dê por meio do calcanhar — a parte anatomicamente indicada para absorver o impacto do corpo acrescido pela gravidade. “Pisar com a ponta do pé é o caminho mais curto para uma lesão de joelho” — alerta Agnaldo.
Em relação à respiração o preparador recomenda o ritmo dois por dois, ou seja, duas inspiradas e duas expiradas. Mas não é regra inabalável. “Se o aluno estiver adaptado a outro tipo de respiração, tudo bem” — concede. O fundamental, ressalta, é que se utilize tanto o nariz quanto a boca simultaneamente. “Só pelo nariz é insuficiente” — explica.
Alongamento é essencial
Todo treino de corrida deve ser antecedido e sucedido de sessões de alongamento que servem para preparar a musculatura, evitar lesões, melhorar a amplitude dos movimentos e relaxar. “É importante que cada posição seja mantida por no mínimo 20 segundos para que no alongamento surta efeito” — considera Agnaldo.
Outro quesito indispensável é a alimentação. O ideal é ingerir carboidratos pelo menos uma hora antes dos treinamentos para formar a reserva de combustível utilizada durante a atividade. E jamais correr de estômago vazio. “A corrida desenvolve qualidades como paciência, perseverança, e disciplina, além de promover mudanças radicais no modo de pensar e de viver com a assimilação de hábitos mais saudáveis” — considera o preparador. Os depoimentos que ilustram a reportagem são de alunos de Agnaldo Sampaio na Tem Esportes, de São Bernardo.
Economia saudável
Além de fazer bem para o corpo e a mente, a corrida desencadeia desdobramentos econômicos a perder de vista. Da produção e venda de material esportivo específico para a modalidade aos ganhos de imagem corporativa proporcionados pelo patrocínio das provas de rua, é praticamente imensurável o volume financeiro direta ou indiretamente relacionado à atividade que assumiu proporções de verdadeira indústria.
Imagine, por exemplo, o impacto da Meia Maratona do Rio de Janeiro sobre a rede hoteleira e o comércio.
A edição mais recente do evento transmitido ao vivo pela Rede Globo atraiu nada menos que 13,3 mil participantes, a maior parte de outros Estados. E o contingente humano diretamente vinculado à organização e realização das provas?
O diretor de Comunicações da Corpore, Alfredo Donadio, conta que cada evento contempla de 500 a mil trabalhadores terceirizados, dependendo do número de participantes e da extensão do percurso. “Trata-se do pessoal mobilizado em áreas como limpeza, sonorização, atendimento nos postos de abastecimento e montagem dos kits distribuídos aos atletas” — explica o diretor da associação.
Os kits normalmente são compostos de camiseta, lanche, medalhas aos que cruzam a linha de chegada e chips eletrônicos para mediação automática do tempo de corrida, devolvido no final da prova.
Cada corrida organizada pela Corpore têm custos que oscilam de R$ 120 mil a R$ 350 mil. Parte desse montante é coberto com o patrocínio de empresas como Nike, Pão de Açúcar, Laboratório Fleury, Montevérgine e Gatorade, que incorporam logomarcas em camisetas, peças promocionais e placas colocadas ao longo do percurso. Outra parte é auferida com o pagamento de inscrições que custam R$ 20,00 para sócios e R$ 30,00 para não-sócios.
Nas academias a oferta de treinamento específico para corredores está na ordem do dia. “A corrida socializa, cria vínculos de amizade e fideliza os alunos” — considera Eliana Catarina Ernani, diretora da Tem Esportes. Para empresas como Polibrasil, Oxiteno e Unipar, integrantes do Pólo Petroquímico de Capuava, serve como instrumento de motivação e melhoria do ambiente de trabalho. “A corrida contribui para a integração dos funcionários” — afirma Victoriano Terciotte Neto, técnico de engenharia e manutenção da Polibrasil e um dos cerca de 30 funcionários-corredores que participam de provas de rua uniformizados e com inscrições patrocinadas pela empresa.
Das barracas que vendem roupas e suplementos alimentares no entorno das provas às agências de turismo que oferecem pacotes sob medida aos maratonistas internacionais, a corrida movimenta uma cadeia socioeconômica infindável.
Muitos investimentos
O setor mais representativo do ponto de vista tecnológico é o dos fabricantes de artigos esportivos. Marcas globais de tênis como Nike, Reebok, Adidas e Mizuno investem bilhões em pesquisa e desenvolvimento para dar a última palavra em matéria de absorção de impacto, além de outros bilhões em marketing e propaganda para provar a superioridade funcional e estética em relação aos concorrentes. Dos pés à cabeça, passando pelo corpo inteiro e pelo bolso, correr é um ótimo negócio. Além de um santo remédio.
Simplicidade dá resultados
Para o auxiliar de manutenção José Carlos de Oliveira Souza, correr é uma forma de ascensão social. “Já tiro mais dinheiro do patrocínio do que do trabalho convencional” — entusiasma-se o atleta de 26 anos, que recebe ajuda de custo de R$ 500 da Baker Tilly Brasil, empresa de auditoria e consultoria sediada em São Paulo. Não é muito, mas supera o salário para cuidar da piscina e demais equipamentos de uma academia de São Bernardo.
A melhoria no bolso é apenas um dos reflexos na vida de José Carlos desde que aderiu à prática em 1998. “Antes eu não levava fé em mim mesmo. Agora me sinto muito mais confiante, como se os resultados das provas embalassem todos os aspectos da minha vida” — afirma José Carlos, que acumula mais de 100 troféus normalmente reservados aos primeiros colocados por categoria.
Com apenas o primeiro grau completo, José Carlos é PHD em velocidade sobre as próprias pernas: é capaz de percorrer seis quilômetros em pouco mais de 19 minutos, um espanto que o coloca no calcanhar dos profissionais que se dedicam inteiramente ao esporte.
Ex-sedentarista
Quando começou a correr, em novembro de 2001, o advogado trabalhista José Luiz Fenyo mal conseguia dar uma volta no quarteirão. “O pessoal da academia me chamava de PT — Perda Total” — lembra Fenyo, de 55 anos, numa referência à sigla que qualifica automóveis avariados sem possibilidade de conserto.
Três anos depois e nove quilos mais leve, Fenyo se orgulha das conquistas pessoais: já participou de 55 corridas de rua com distâncias entre cinco e 21 quilômetros, incluindo provas badaladas como São Silvestre, Volta da Pampulha, de Belo Horizonte, e Meia Maratona do Rio de Janeiro. Medalhas e fotos estão à mostra na parede do escritório. “Quando o bichinho da corrida pica, você não consegue parar” — explica.
Fenyo simboliza com perfeição a estirpe de corredor recreacional, que não se preocupa com o relógio e é movido pelo prazer de completar bem as provas. “Meu lema é terminar em ritmo confortável, não competir ou reduzir o tempo” — conclui.
Mais resistência
A cirurgiã plástica Meiry Yanaze aderiu à corrida por necessidade profissional. Não, ela não é atleta de ponta em busca das polpudas premiações reservadas aos vencedores das provas mais conhecidas do País como a São Silvestre. É que a rotina no centro cirúrgico de uma clínica em São Bernardo exige fôlego de maratonista. “Chego a ficar horas em pé e sem poder me alimentar durante o período em que o paciente está anestesiado. Nestes momentos a resistência proporcionada pela corrida ajuda muito. Meu trabalho é uma prova de endurance” — explica Meiry, de 39 anos, utilizando palavra inglesa que denota o limite suportável pelo corpo.
Antes de começar a correr, há três anos, Meiry era o retrato acabado — sem trocadilho — do sedentarismo. “Não havia encontrado um esporte que me desse prazer” — justifica. Desde então, corre três vezes por semana e se orgulha de ter completado provas com até 21 quilômetros. O prazer já seria motivo suficiente para manter a corrida na lista de prioridades, mas a atividade vai além da esfera pessoal. “Dá mais pique para trabalhar” — completa.
Perseverança e desafios
A veterinária Maria Marta Lecci Capelli é prova de que perseverança e paciência também integram a receita dos corredores. Fragilizada por lesão no joelho herdada nos tempos de bailarina profissional, Marta foi aconselhada a abandonar a corrida por um especialista consultado em 2001. “Não me conformei com o diagnóstico e busquei o parecer do médico Rui de Oliveira (especialista em medicina esportiva que atende o Esporte Clube Santo André). Ele recomendou exercícios para fortalecimento da musculatura interna das coxas como forma de corrigir a pisada irregular. As dores diminuíram bastante.” — conta Maria Marta, que a essa altura participava de corridas de até 10 quilômetros com proteção de joelheira estabilizadora.
Em outubro do ano passado, Maria Marta encontrou a solução definitiva na assessoria do preparador Agnaldo Sampaio. As dores foram eliminadas com exercícios educativos para correção de pisada e, três meses depois, a veterinária de 44 anos realizou antigo sonho de correr a São Silvestre. “Fiz duas meias maratonas este ano e não sinto mais dores no joelho. Estou inteirinha” — comemora.
Lipoaspiração perde
Luiza da Paz de Holanda Okuhara desistiu de fazer lipoaspiração por conta da corrida. “Tinha feito todos os exames pré-operatórios e estava com data marcada, mas depois de completar uma maratona me senti tão bem que nem quis mais saber de cirurgia” — afirma a dona-de-casa de 39 anos, com dois filhos. “Além disso, a idéia de ficar parada por três ou quatro meses no pós-operatório também me desestimulou. A corrida é um vício e quem começa não consegue parar” — atesta Luiza, que percorreu os 42.195 metros da Maratona de Curitiba de 2003 em 4h25 minutos.
Mesmo sem se submeter aos avanços da tecnologia médica estética, Luiza passou por transformação radical desde que começou a dar as primeiras passadas, há três anos. “Eu sofria de depressão, tinha insônia e era hiper-ciumenta. Meu ânimo melhorou, durmo bem e fiquei tão desapegada que meu marido nem acredita. A corrida pra mim foi tudo” — sintetiza.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!