O leitor se acha capacitado a responder à pergunta do título deste artigo? Releia o enunciado pelo menos duas vezes. Pense. Reflita. Fiz isso hoje de manhã. É nas primeiras horas do dia que, sempre a pretexto de passear com minhas cachorras, alinhavo pensamentos à jornada que está brotando.
Talvez o leitor não entenda determinados mecanismos cognitivos que movem jornalistas. Cada profissional da área tem manias em forma de engrenagens de preparação ao trabalho. O aquecimento do motor da produção editorial é personalizado. No meu caso, preciso mergulhar previamente num determinado tema para esmiuçá-lo.
Por isso o passeio diário como Lolita e Luly é fundamental. Faço elucubrações. Antes das cachorras prevalecia a leitura qualificada dos jornais do dia. Ainda faço isso, mas o passeio matinal amadurece ainda mais as ideias que os jornais despertam.
Tenho uma resposta ao título deste artigo que provavelmente não seria a mesma do leitor. Mas antes de expor o que penso dou mais uma oportunidade à aproximação entre a conclusão a que cheguei e a que possivelmente o leitor chegaria.
Cavaleiros do Apocalipse
São quatro cavaleiros do Apocalipse a assombrar a vida regional nas últimas cinco décadas. Perdemos metade do PIB (Produto Interno Bruto) deste 1970 por conta de nossas ineficiências. Então, quais seriam as principais? Listo-as para, em seguida, explicá-las com brevidade:
1. Sindicalismo contraditório
2. Governo Fernando Henrique Cardoso
3. Governo federal petista
4. Políticos de centro-direita
Estão aí, portanto, o que elegeria como prioridades das prioridades para destrinchar pontos essenciais da fragilização da região. Tudo o mais, acredito, é complemento. A matriz de nossas dificuldades atuais que provavelmente vão se acentuar é a multiplicação sequencial dos problemas gerados por esses quatro componentes. Esses são nossos ovos de serpentes. Nosso passivo pétreo.
O leitor mais assanhado possivelmente esteja a me inquirir sobre, entre os quatro vetores, qual se configurou o mais dramático e deletério. Como não fujo da luta, vou responder. Primeiro, vamos justificar as principais razões para a composição desse quarteto infernal.
Sindicalismo contraditório
Existe um fosso de resultados entre o providencial movimento de rebeldia do final dos anos 1970 e tempos que se seguiram, principalmente envolvendo os metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, disseminadores sistemáticos da cultura anticapitalista. Os sindicalistas deram dignidade funcional e social aos trabalhadores; entretanto, em seguida, mergulharam os trabalhadores num mar de privilégios comparativamente a outras praças nacionais. A Província, por isso, conta com trabalhadores de primeira, de segunda e de terceira classes, como escrevemos há mais de uma década. Contraditoriamente, os sindicalistas que dizem abominar desigualdades sociais são precursores do processo de elitização dos metalúrgicos, sobretudo das montadoras de veículos. Um direito inalienável, claro, mas com consequências danosas ao coletivismo regional.
Governo Fernando Henrique Cardoso
Bom em larga escala para o Brasil como um todo, ao estabelecer premissas de responsabilidade no uso do dinheiro público principalmente com a adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal, além de preservar as estacas do Plano Real, FHC foi malvado com a região. Destroçou-a no setor industrial, sobretudo automotivo, ao adotar política de proteção às montadoras em detrimento das autopeças. Perdemos mais de um terço do PIB Industrial no período. Empresas familiares foram aniquiladas com o agravamento do quadro debilitador do passado em que os sindicalistas as colocavam no mesmo saco de reivindicações das grandes organizações.
Governo federal petista
A origem do PT na região – e várias lideranças com domicílio local -- o abrigava a dispensar atenção muito mais prospectiva do que se viu. As forças petistas da região, das quais se aguardava engajamento em favor de um projeto de revitalização econômica, aos poucos se esfarelaram nos escaninhos do poder federal, a reboque de ganâncias individuais. Sobraram políticos e sindicalistas carreiristas que pensaram e agiram tanto partidariamente quanto corporativamente.
Políticos de Centro-direita
O outro lado do petismo na região, numa averiguação histórica, sempre se comportou de forma conservadora. Entenda-se por conservadora, nesse caso, a incapacidade técnica de projetar o futuro em bases sólidas. Perdemos, quando os cofres públicos viviam abarrotados de recursos gerados pela industrialização em massa, oportunidades de ouro para organizar o tecido econômico e social da região. Os políticos de centro-direita jamais se aproximaram em termos administrativos dos donos do capital. A bancarrota urbana da região não é obra do acaso e vem de longe, muito longe.
Números resumem tudo
É claro que poderia discorrer sobre cada um desses pontos de forma até exaustiva, mas não é o caso desta edição. Decidi fazer um voo panorâmico em consequência da análise desta semana do rebaixamento nacional do PIB Regional. Uma coisa leva à outra.
Os números parecem frios, quando não insensíveis, mas bem analisados carregam a bordo da estupefação geral uma carga pesadíssima de protelações, descuidos, imprevidências e tudo o mais. E, pelo andar da carruagem, não reagiremos na velocidade necessária nos próximos quatro anos.
Nossos prefeitos – esse é um assunto sobre o qual pretendo espaço exclusivo – são viciados no varejismo. Entenda-se por varejismo o que chamaria de ações típicas de faxineira, de empregada doméstica, enquanto o que precisamos de fato é de medidas que seriam adotadas por economistas, consultores, formuladores de cenários.
Sei que está a faltar a definição do fator mais incisivamente negativo entre os quatro sugeridos para explicar as razões de a Província do Grande ABC ter avançado tanto ao cavar a própria sepultura de mobilidade social.
Em qual dos quatro vetores o leitor apostaria como o escolhido por este jornalista? Quem acompanhou as críticas que jamais economizei ao governo de Fernando Henrique Cardoso não tem dúvida de que a resposta é uma barbada.
Pior entre os piores
Estão equivocados todos que pensaram assim. O fator mais pernicioso e que dificilmente será amenizado em proporções suficientes para permitir à Província do Grande ABC ressurgimento do buraco em que se meteu é o movimento sindical -- sobretudo o vinculado à CUT (Central Única dos Trabalhadores), braço trabalhista do Partido dos Trabalhadores.
O que me leva a alçar o sindicalismo ao posto máximo de destrutividade regional é a linha ideológica ininterrupta de atuação, com nuances iniciais de instauração de civilidade nas relações trabalhistas seguidas de barbarismos. Por ser sistemática e por ter-se tornado rigorosamente negativa, os efeitos regionais decorrentes do esgarçamento do tecido econômico igualmente se tornaram abrangentes.
Fernando Henrique Cardoso foi uma tempestade de uma década que deixou sequelas que se amenizam com vagar. O entorno regional do Governo federal petista de Lula da Silva e de Dilma Rousseff foi uma nuvem igualmente passageira, embora relevante e com rescaldos sempre a apurar. Os prefeitos de centro-direita foram perdulários, descuidados, deixaram marcas indeléveis de contaminação do futuro.
Já os sindicalistas, esses continuam a incinerar os sonhos de uma região. Eles só pensam no próprio umbigo, enquanto a concorrência mais flexível e adaptada ao amesquinhamento econômico do País, segue tomando nossos empregos e investimentos.
Nossa República Sindical é um corpo estranho em qualquer projeto de revigoramento econômico. Espalhados principalmente por São Bernardo, os comitês de fábricas disseminam a cultura da acomodação e da agressão aos valores de competitividade. São replicantes do centro de decisões do Sindicato dos Metalúrgicos que forjou Lula e uma sequência de presidentes que apenas fizeram jogo de cena sobre as reais intenções nas relações com o empresariado. O Custo ABC no interior do Custo Brasil não é uma marca fantasmagórica. É realidade nua e crua.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!