O vilão está sempre à espreita e, ao menor sinal de vacilo, parte para cima da vítima indefesa. Uma vez dominada pelo agressor, parece impossível reagir. Nervosismo e ansiedade contaminam corpo e mente e o descontrole emocional torna a situação ainda mais delicada. Não, não são os perigos da criminalidade em uma região metropolitana cronicamente insegura. O vilão, neste caso, é mais sutil e sorrateiro. Ao contrário de bandidos situados do lado de fora, encontra-se perigosamente arraigado no reino subjetivo das emoções. O inimigo íntimo responde pelo nome de estresse.
Definido pelo dicionário Michaelis como ação inespecífica dos agentes e influências nocivas do frio e calor excessivos, infecção, intoxicação ou emoções violentas como inveja, ódio e medo que causam reações típicas do organismo, o vocábulo assume significado assustadoramente pragmático para médicos, psiquiatras e pobres mortais entregues ao mal: o estressado é essencialmente um debilitado físico e emocional. Um joguete de circunstâncias que lhe escapam totalmente ao controle. Um ser incapaz de tomar as rédeas da própria vida. Em afirmação tão pungente quanto verdadeira, um infeliz.
É claro que o estresse é inerente ao ser humano e, portanto, perfeitamente justificável em situações extremadas como a morte de parente próximo, dissolução de casamento, grande desfalque financeiro ou perda de emprego. São acontecimentos dolorosos, capazes de abalar a estrutura de qualquer ser humano.
O problema é quando se torna companhia frequente, cuja presença passa a não depender de causas circunstanciais suficientemente fortes e desestabilizadoras. Quando se torna mal crônico continuamente retroalimentado em circulo vicioso que se confunde com a personalidade.
São milhões os portadores dessa anomalia no mundo ocidental de recorte material e hipercompetitivo. Não se trata, entretanto, de destino inexorável.
Existem armas poderosas ao alcance de quem se dispuser a barrar a entrada do visitante indesejável. Basta ter força de vontade e dedicação para encarar a batalha como se fosse qualquer outro desafio pessoal ou profissional — como perder quilos, completar uma São Silvestre, conquistar a antiga paixão platônica, trocar de carro no final do ano ou atingir a meta de vendas estipulada pela empresa. Enfim, é encarar o combate ao estresse como prioridade de vida. Só assim é possível se ver livre do inimigo oculto que drena energias, empalidece o entusiasmo, traz complicações à saúde, compromete relacionamentos interpessoais e reduz a produtividade no trabalho.
A convicção de que é perfeitamente possível vencer a luta contra o inimigo invisível é de Cyro Masci, médico-psiquiatra com consultório em São Bernardo e um dos principais especialistas no tema que, literalmente, tira o sono de muita gente.
Com base em muitos anos de atendimento a estressados das mais variadas faixas etárias e posições sociais, Masci não tem dúvidas ao afirmar que é totalmente possível apaziguar a mente e retomar o comando da própria vida. “Um homem super bem vestido cruzou uma estrada de terra em altíssima velocidade sobre um cavalo muito vistoso. Um sujeito que estava sentado em uma pedra viu a cena e perguntou — ei: onde vais com tanta pressa. Ao que o cavaleiro respondeu: não sei, pergunte ao cavalo. Essa historinha resume a sensação de falta de rumo presente na vida de muita gente” — conta Masci, com alegoria que costuma abrir workshops sobre equilíbrio pessoal.
Antes de empunhar as armas de combate, é imprescindível conhecer a origem e de que forma o estresse compromete o equilíbrio físico e psíquico. Cyro Masci explica que, do ponto de vista evolucionista, o homem moderno é descendente de ancestrais vitoriosos. Mas certos mecanismos cerebrais que garantiram a sobrevivência dos homens das cavernas representam tiro pela culatra nos dias de hoje. “Há inadequação entre o hardware cerebral herdado e o software mental do presente” — sintetiza Masci.
Cyro Masci explica que, mais especificamente o cérebro antigo herdado de antepassados dispõe de alarme que dispara ao detectar sinais de perigo. Quando esse alarme é acionado, o organismo processa série de alterações cardiovasculares e metabólicas que servem para preparar o bicho homem para uma de duas alternativas: fugir ou lutar.
O coração dispara, a pressão arterial sobe, hormônios como adrenalina (estimulante) e cortisol (anti-inflamatório) invadem tecidos e células, a musculatura fica retesada e o sangue é estrategicamente concentrado nas pernas e nos braços, entre outras reações que incluem até diarréia (para ficar mais leve e espantar pelo mal cheiro) e sudorese (a fim de escapar das garras inimigas com mais facilidade).
O problema — ressalta o especialista — é que esse mecanismo extremamente importante para o homem antigo frequentemente desafiado por ameaças físicas, como a necessidade de fugir de predadores e caçar para se alimentar, tornou-se nó górdio para o homem moderno continuamente acossado por pressões psicológicas.“O cérebro antigo está preparado para lidar com ameaças concretas, como um carro desgovernado que venha em nossa direção, mas não para enfrentar um chefe raivoso, o trânsito congestionado e os problemas de relacionamento com a esposa ou a namorada que não podem ser resolvidos com violência ou simplesmente pela fuga” — exemplifica Cyro Masci.
A inadequação entre a estratégia cerebral formatada a milhares de anos e os desafios do homem moderno não significa apenas perda de tempo e energia com preparativos orgânicos inúteis. Para descontentamento de quem vive com os nervos à flor da pele, a ciência explica que alterações cardiovasculares e metabólicas acionadas pelo cérebro antigo se voltam contra o homem atual, que não pode extravasar as tensões fisicamente, como os ancestrais.
O acúmulo de alarmes falsos no sistema instintivo de defesa é precisamente o gatilho do estresse, identificado por Cyro Masci por alguns dos sintomas mais comuns. “O paciente fica mais assustado, ansioso, irritado e sujeito a perda de controle emocional. Começa a dormir mal, trabalhar mal, relacionar-se mal e sentir-se sem chão, desamparado. O quadro piora com aumento de irritabilidade, comportamento agressivo, tristeza, ansiedade, impaciência e diminuição da capacidade de atenção, concentração e julgamento” — destaca o especialista, que também verifica redução da auto-estima, da criatividade, do interesse por outras pessoas e por novidades em geral: “Se o estressado interpreta tudo como perigo, imagina que quanto mais se fechar, melhor” — explica.
O médico explica ainda que o tensionamento crônico da musculatura leva a vítima de estresse a sofrer de dores nas costas, nos ombros e de cabeça. Como se uma morsa apertasse as têmporas ou como se um peso pressionasse bem em cima da cabeça. Além disso, a liberação excessiva de cortisol está associada à perda de memória. “O humor oscilante também é bem característico. O indivíduo intercala períodos de euforia com momentos de tristeza e baixo astral. Fica muito impaciente, muito crítico, muito chato” — destaca.
A evolução da fragilização psicológica corresponde à depauperação da saúde física. Hipertensão, diabetes e doenças coronarianas são alguns dos principais subprodutos do estresse em estágio avançado, bem como infecções e doenças geradas pelo enfraquecimento do sistema imunológico.
Cyro Masci identifica paradoxo darwiniano entre o papel benéfico que os estímulos de defesa cumpriam no passado e a verdadeira arapuca que passaram a representar no bojo da civilização: “Se antigamente só sobreviveram os homens primatas que não eram calmos e tranquilos, que respondiam imediatamente a ameaças físicas, atualmente se dão melhor os que não se deixam consumir pelas tensões” — observa Masci.
Reconhecidos os malefícios psicológicos, físicos e sociais, a pergunta é tão instintiva quanto o cérebro antigo: como destravar essa bomba? Cyro Masci contempla quatro frentes de abordagem. A primeira é alterar ou eliminar situações que dão origem ao estresse.
A segunda é regular o cérebro antigo quimicamente para que fique menos vulnerável. A terceira é atuar na modificação da interpretação dos acontecimentos. A quarta frente de combate é interromper os sintomas.
“É possível abordar todos os aspectos ao mesmo tempo ou um de cada vez. Depende de cada caso. Como se trata de sistema, a melhoria de um ponto reflete nos demais e muitas vezes é suficiente para quebrar o círculo vicioso” — observa o especialista.
A regulagem do cérebro antigo é a base do tratamento porque atua no campo biológico. O médico prescreve a ingestão de substâncias como aminoácidos, vitaminas e minerais que fortificam e deixam o cérebro menos vulnerável aos alertas que deflagram o mecanismo do estresse.
Eliminar a origem do estresse significa se afastar de situações ou de pessoas que transmitem sentimentos negativos que ativam as alterações orgânicas.
Quando o distanciamento pode ser promovido sem prejuízos, tomar a iniciativa é um sinal de inteligência e auto-preservação. Mas quando se é obrigado a conviver com fontes de estresse, no ambiente de trabalho, por exemplo, a solução pode estar na reinterpretação dos eventos causadores de tensão. “Encarar os problemas de uma maneira mais positiva e menos catastrófica é forma eficiente de evitar a tensão” — explica Cyro Masci, que recomenda terapias cognitivas, como psicoterapia, e cultivo de filosofias de vida para fortalecimento mental.
Embora pouca gente se dê conta, a falta de racionalidade no uso do tempo representa uma das maiores fontes de estresse. Assediado por dezenas de afazeres que invadem a mente em turbilhão, o homem moderno se sente frequentemente perdido, insuficiente, limitado, incapaz de dar conta de tudo que acredita ser necessário. É tomado pela sensação de que está sempre correndo do prejuízo, como um bombeiro que precisa apagar um prédio em chamas de posse de um mero extintor, ou como um coelho que corre atrás de uma cenoura eternamente inatingível.
Cyro Masci também dispõe de sugestão valiosa para tornar a relação com o tempo menos estressante. O segredo é centrar a atenção nas ações realmente importantes e não perder tempo nem energia com as que parecem importantes, mas de fato são irrelevantes. Para clarificar a diferença entre as atitudes fundamentais e as que podem ser descartadas tranquilamente, o médico e psiquiatra recomenda aos pacientes que se habituem a listar num caderno ou agenda à parte as obrigações pessoais e profissionais. “Não se trata apenas de tomar nota para não esquecer. A grande vantagem de fazer a lista é se obrigar a fazer uma pergunta anterior: o que é que eu quero? O ato de escrever ajuda a definir prioridades, a descobrir o que realmente se quer do tempo e da vida” — explica Masci, ele próprio um adepto da agenda de prioridades.
A maneira mais simples de evitar que os males do estresse entorpeçam a mente e o corpo é interromper os sintomas por meio de exercícios de respiração, técnicas de relaxamento, meditação e, principalmente, atividades físicas. São tão acessíveis esses ferramentais a serviço da saúde e do bem-estar que praticamente não há desculpa para permanecer estressado. “O mandamento básico, fundamental e importante para eliminar os sintomas é: respire. Os orientais dizem que os ocidentais respiram o mínimo suficiente para não morrer, porque não sabem respirar” — observa Masci.
O especialista lembra que não é necessário fazer cursos para aprender a respirar corretamente. A respiração mais simples — e muito eficaz — é a realizada no ritmo 2x1x4. Basta respirar pelo nariz profundamente em dois segundos, segurar o ar por um segundo e soltar o ar lentamente pela boca em quatro segundos. O exercício deve ser feito sentado em uma cadeira, com a coluna ereta. “Para contar a respiração, normalmente sugiro que se acrescente a palavra mil ao número. Um mil, dois mil... A palavra mil equivale ao tempo de cada segundo”.
Masci recomenda de três a cinco respirações a cada hora, até que o organismo automatize e passe a executar involuntariamente. Outro método é praticar a técnica em momentos específicos do dia — ao acordar, depois do café da manhã, ao entrar no carro, antes do almoço e depois de jantar. “Ao respirar dessa maneira, informamos ao cérebro antigo que está tudo em ordem. Um dos reflexos visíveis do estresse é a aceleração do ritmo respiratório embalado pela ansiedade” — explica.
Já o papel de atividades físicas é conhecido para quem sente bem-estar após os exercícios. Praticar corrida, ciclismo, caminhada e natação é uma forma eficiente de extravasar tensões, de queimar a adrenalina acumulada no organismo pelo instinto fisiológico de lutar ou fugir, nas palavras do especialista.
Além disso, atividades aeróbicas que aceleram o ritmo cardíaco e a circulação sanguínea ativam a liberação de endorfina, substância que proporciona sensação de relaxamento análogo ao da morfina, porém sem indesejáveis efeitos colaterais. “O componente psicológico também é muito importante quando se leva em conta que o grande problema do estresse é a impotência, a falta de alternativa. Correr ou caminhar significa agir, atuar, deixar a letargia e fazer alguma coisa. Simboliza assumir a posição de senhor de si mesmo, escolher o caminho e se mover pelo próprio esforço” — interpreta Cyro Masci, com imagem contrastante à do homem conduzido pelo cavalo desembestado.
Mas além de respirar corretamente e de se movimentar, há outras duas atitudes igualmente simples ao alcance de quem deseja espantar o estresse: tirar férias e buscar refúgio na natureza. “Nas férias é indispensável se desligar das preocupações cotidianas, e não se manter psicologicamente ligado” — sugere o médico-psiquiatra. “Hipócrates, considerado o pai da medicina, já prescrevia a saída para a natureza como forma de buscar equilíbrio” — complementa.
Transpostas as barreiras do desconhecimento sobre as origens do estresse e das estratégias para atacar esse mal, pode remanescer um obstáculo cultural no caminho de quem está em busca de existência mais satisfatória: o mito de que a tensão emocional cumpre papel indispensável no mundo moderno e de que sem essa velha conhecida não seria possível desempenhar as mesmas atividades ou tocar novos projetos.
A imagem distorcida do estresse como espécie de combustível vital insubstituível é particularmente disseminada em círculos corporativos que convertem o workaholismo — ou a compulsão pelo trabalho — em estátua de cera digna de admiração. Nada mais enganoso, porém, do que confundir tensão emocional e seus nefastos subprodutos dissecados pela ciência médica com entusiasmo, comprometimento, força de vontade e outros atributos realmente valiosos na arena do trabalho. “A noção de que o profissional precisa ter determinado nível de estresse para produzir é falsa. O melhor é que esteja equilibrado, o que não é contraproducente com o conceito de ser movido por desafios” — discerne Cyro Masci.
Ele esclarece a diferença entre o estressado e o equilibrado estimulado enquanto mostra duas imagens distintas na tela do computador da clínica. A primeira reproduz a famosa escultura O Pensador, de Rodin, na qual um homem sentado com a espinha dorsal curvada, o queixo apoiado sobre mão e a musculatura contraída de tensão exibe expressão facial carregada de preocupação.
A segunda imagem é de um Buda confortavelmente sentado com a coluna ereta, as pernas cruzadas, as mãos tranquilamente repousadas sobre os joelhos e o rosto sereno típico do estado de meditação. “Pelo jeito de cada um, qual dos dois será mais bem sucedido na solução de problemas? É óbvio que o Buda” — ilustra Cyro Masci, para em seguida complementar com um alerta. “O Pensador de Rodin é a fotografia da nossa civilização”.
10 mandamentos antiestresse
Respirarás corretamente
Praticarás atividades físicas
Adotarás pensamentos menos catastróficos
Te afastarás de pessoas e situações desgastantes
Tirarás férias regularmente
Buscarás refúgio na natureza
Controlarás melhor o tempo
Não te ocuparás com preocupações irrelevantes
Cultivarás filosofias de vida
Não sucumbirás ao mito do estresse positivo
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!