Por mais que pareça cargo ficcional, mantido no organograma de prefeituras da região entre outras razões porque seria indecorosa manifestação de alheamento social imaginar o contrário, ser secretário de Desenvolvimento Econômico é empreitada de alta octanagem.
Por mais que pareça igualmente ficcional, exibida pelo maior conglomerado de comunicação do País, a decisão do presidente da Câmara de São Bernardo, Pery Cartola, de botar goela abaixo dos servidores um manual regulatório de conduta que longe de ser conservador é um atentado à liberdade, instalou a região no alto de um edifício de suposta moralidade em chamas.
No primeiro caso, de secretário de Desenvolvimento Econômico, nada é mais indicado para jogar prestígio na lata do lixo que aceitar o cargo de titular da área que deveria ser a mais importante entre tantas na burocracia pública municipal mas, de fato, não passa de apêndice.
Já no caso do titular do Legislativo de São Bernardo, Pery Cartola, a intervenção que só não é bizarra porque invade o terreno da patetice, não há quem possa medir o tamanho do estrago à imagem regional.
Quebra do anonimato
Três semanas após assumirem os cargos, os sete secretários de Desenvolvimento Econômico da região permaneceram no anonimato até que, na edição de ontem do Diário do Grande ABC, o mais apetrechado entre eles, mas nem por isso livre da possibilidade de bater com a cara da respeitabilidade na parede da impossibilidade prática, Silvio Minciotti apareceu em reportagem de destaque.
E veio Silvio Minciotti com promessa comedida na verbalização mas ousadíssima no objetivo: criar um polo de desenvolvimento industrial de alta tecnologia em São Caetano.
Como a reportagem com Silvio Minciotti não identifica incursões do aparato técnico-operacional preparado para dar respaldo ao projeto, fico com um pé atrás e as duas orelhas afinadíssimas para capturar ecos futuros. Só não transfiro às digitais inquietas que estão a martelar o teclado do computador o ceticismo sobre tudo que se refere à pasta na Província do Grande ABC porque Silvio Minciotti é agente público de valor. Desconsiderar pura e simplesmente suas declarações seria decisão apressada.
O profissional escolhido pelo prefeito José Auricchio Júnior tem lastro não só por ter presidido o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e outros organismos estatais, mas também porque o caminhar pelas realidades econômicas da região não seria uma aventura deliberadamente embusteira como tantos secretários de Desenvolvimento Econômico desta Província assim o fizeram. Minciotti é um dos 10 agentes sociais mais preparados da região quando o nexo é associar intenções e possibilidades no campo econômico.
Espetáculo deprimente
Foi muito bom – apesar das limitações da reportagem do Diário do Grande ABC – encontrar Silvio Minciotti como fonte de novidades. Na noite anterior, ao assistir ao Fantástico, deparamos com uma notícia consumida dias antes na região de forma quase jocosa. A TV alcançou repercussão além da conta. Pery Cartola, ganhou alguns minutos de fama pouco lisonjeira ao ver o manual que preparou aos servidores daquela Casa triturado sutilmente pela reportagem da TV Globo.
A imagem da Província do Grande ABC não poderia ter sido mais emblematicamente fortalecida como Província do Grande ABC senão num dos programas de maior audiência da Rede Globo. Como conceber que, tão próxima da Capital do Estado, São Bernardo assemelhe-se aos cafundós dos infernos? Pery Cartola embananou-se tanto diante dos sutis questionamentos da repórter a ponto de, fosse apertado, simplesmente teria revogado ali mesmo todos os artigos.
Pode parecer bobagem dar tanta importância ao manual do chefe do Legislativo de uma das maiores cidades do País, mas é exatamente por isso, por estar entre as 20 maiores em importância econômica, a ação de Pery Cartola causou constrangimento geral.
Não precisamos exportar o quanto somos resistentes à modernidade. Mesmo que, como é o caso, modernidade tenha o sentido de liberdade eventualmente excessiva a ponto de -- pior a emenda que o soneto – Pery Cartola referir-se às mulheres mais ousadas no vestir e no pintar como periguetes.
Peças emblemáticas
Juntar duas peças públicas aparentemente distintas, como a proposta de criação de um polo de indústria tecnológica em São Caetano e enquadrar os servidores públicos do Legislativo de São Bernardo nos rigores de mandamentos obsoletos, não são exemplos disparatosos.
São retratos fieis de porções que se entrechocam na disputa por espaços de alguns que querem ver a Província do Grande ABC afastar-se do século passado e a maioria que, contando com o mesmo espírito obsoleto de Pery Cartola, emperram o desenvolvimento regional.
Contar com o jovem Pery Cartola como antagonista do quase setentão Silvio Minciotti é, portanto, uma espécie de bifurcação que a sociedade regional tem enfrentado ao longo dos anos. Lamentavelmente, a opção pelo ramal que flerta constantemente com o atraso enquadra a maioria dos mandachuvas e mandachuvinhas da região. As minorias, representadas por Silvio Minciotti, comem o pão que o diabo amassou para conquistar terrenos rumo ao futuro.
O contínuo derretimento da economia regional, em proporção muito superior à média nacional, não sensibiliza a maioria dos mandachuvas e mandachuvinhas da região porque é comprovadamente mais desgastante e trabalhoso cuidar de assuntos sérios, cujos resultados só aparecem, quando aparecem, como consequência de competências individuais coletivizadas.
Tenho dúvidas, muitas dúvidas, sobre a viabilidade do polo de indústria tecnológica em São Caetano tanto quanto tenho certeza, muita certeza, sobre a possibilidade da arremetida de Pery Cartola só não ter sido seguida por outros chefes de Legislativo da região porque o tamanho da barbeiragem logo apareceu. Afinal, se há algo de que não abrem mãos nossos parlamentares, como a história tem provado, é seguirem a manada de proposituras. Mas o instinto de sobrevivência, nesse caso, falou mais alto. Ainda bem.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!